Se, por um lado, é verdade que estas situações podem afectar, a dado momento, qualquer organização político partidária desta envergadura, não é menos verdade que as fissuras patentes presentemente no MPLA assumem, no contexto actual, contornos muito particulares e encerram um enorme potencial de fragilização da organização que não pode ser comparado aquele resultante das circunstanciais divergências que ocorrem na UNITA.

Se nos detivermos em analisar com alguma profundidade as fricções que estão a ocorrer no MPLA concluiremos imediatamente que elas são o corolário de um gritante défice democrático que enferma a organização. Por um lado, temos um Presidente que se acha no direito de indicar a dedo o seu substituto no comando do Partido, devendo toda a massa militante subjugar-se a este desígnio e, por outro lado, um punhado de Mais Velhos que se consideram os únicos ungidos para nomear o substituto do Presidente, havendo ainda uma terceira perspectiva constituída por militantes que consideram que, á luz dos Estatutos do Partido, podem livremente candidatar-se ao cargo de Presidente do Partido desde que preencham os requisitos que o Estatuto estabelece. Ou seja, esta terceira perspectiva defende uma disputa eleitoral com base em candidaturas múltiplas, cujos limites seriam única e exclusivamente os impostos pelo Estatuto.

Quer a perspectiva do Presidente como a dos Mais Velhos são marcadamente antidemocráticas e arriscam-se a acentuar as fracturas existentes diante de qualquer exercício no sentido de as implementar. A forma como o Presidente tem procurado atravessar este momento conturbado do Partido, optando por manobras cavilosas em vez de pautar por acções mais conciliatórias não augura nada de positivo para o Partido. A recente reunião com os Secretários dos CAP"s, acabou expondo ainda mais as fissuras que já eram evidentes e que enfeitam a moldura que é hoje o MPLA. A manifestação que se seguiu, organizada pelo Comité Provincial de Luanda e que visava apoiar o Presidente do Partido acabou sendo um caso típico daqueles em que a "emenda é pior que o soneto" pois, longe de ser uma manifestação de apoio ao Presidente sofreu um acentuado desvio de sentido para se tornar numa acção para trucidar militantes de proa do Partido, que a ele dedicaram parte significativa das suas vidas, apenas porque, circunstancialmente, pensam de forma diversa do Presidente. Não está aqui demonstrado um caso típico de intolerância política, de rejeição das diferenças, em suma uma franca atitude antidemocrática?

Paradoxalmente, mesmo a perspectiva de candidaturas múltiplas, se implementada, não deixaria incólume o MPLA no que toca ao acentuar de fracturas, porquanto, uma disputa eleitoral com múltiplas candidaturas num contexto antidemocrático, dificilmente se revestirá da transparência imprescindível e isto levantará imediatamente muitos questionamentos sobre os resultados, o que tenderá aprofundar divergências entre as diferentes candidaturas, com exposição das fracturas existentes. De qualquer forma, este seria o caminho mais suave para consertar em tempo razoável as fissuras evidentes no seio do MPLA, factores potenciais de uma fragilização acentuada do MPLA. O problema é que um foco de instabilidade no seio do MPLA, pelo seu papel peculiar no contexto de Angola, pode espraiar-se facilmente para o contexto social e resultar numa perturbação social de contornos imprevisíveis. Já aprendemos o suficiente com o 27 de Maio de 1977 para não olharmos estes acontecimentos de ânimo leve e monitorarmos minuciosamente todos os desdobramentos inerentes. É para isto que história serve!

Entendo que as divergências de que se falam da UNITA têm natureza, características e dimensões bem diversas das fissuras que se verificam no MPLA. Desde logo porque elas não resultam de um défice democrático na organização, sendo, muito pelo contrário, pequenas sequelas das disputas eleitorais com múltiplas candidaturas que a UNITA incorporou como regra em 2003, já lá vão exactos 21 anos. Se estas disputas são internamente alimentadas não é menos verdade que elas são instigadas de fora por forças poderosas, bem conhecidas, que não olham a meios para atingir determinados fins. Ou alguém tem dúvidas que a anulação do Congresso Ordinário de 2019 que aconteceu em 2021 foi um acto instigado por forças externas a UNITA e que visava fragilizar o Partido e particularmente o seu Presidente Adalberto Costa Júnior? Alguém em sã consciência acredita que este acto resultou da acção voluntária de verdadeiros militantes da UNITA?

A ideia da criação da Fundação Jonas Savimbi constitui unanimidade na UNITA. Pelo que Jonas Savimbi representa para a UNITA ficou consensualmente estabelecido que a criação eventual da Fundação Jonas Savimbi deveria ser uma tarefa partilhada entre o Partido e a família. Adalberto Costa Júnior inscreveu com todas as letras a criação da Fundação na sua Moção de Estratégia apresentada ao XIII Congresso, em 2019. Portanto, não faz sentido que o mesmo ACJ que incluiu a criação da Fundação na sua Moção de Estratégia apareça hoje como o Grande Vilão da Fundação. Não é por aí! A questão que nos faz levantar reservas em relação a Fundação prende-se com o aproveitamento malévolo que, mais uma vez, as forças retrógradas e poderosas que atrás referimos fizeram do acto de lançamento e da própria criação da Fundação Jonas Savimbi. Se alguma dúvida existe é só ficar atento aos discursos que circundaram o lançamento da Fundação. Bem lidos os discursos fica evidente o propósito daqueles que encabeçaram a criação da Fundação e, sobretudo, daqueles que por trás do biombo facilitaram a criação da Fundação com propósitos muito claros:

- Separar a UNITA da família do Presidente Fundador Jonas Savimbi

- Perseguir o velho sonho de alguns de fragilizar a UNITA e, particularmente, o seu Líder Adalberto Costa Júnior.

Durante este período em que a Fundação Jonas Savimbi esteve na ribalta ocorreram na UNITA, debates a vários níveis, (em alguns casos mais estruturados, em outros nem tanto) que apontaram num só sentido: toda a movimentação em torno do lançamento da Fundação, não abalou, nem tão pouco comprometeu a coesão prevalecente no seio da UNITA. Se tanto os avultados e obscuros investimentos na Fundação permitiram aferir o quanto a massa militante está fechada com Adalberto Costa Júnior e com a Direcção da UNITA.

Os angolanos estão focados na busca de soluções para os vários problemas que os afligem no quotidiano. Diante disto, manobras de diversão engalanadas de farta propaganda já não fazem mossa nas mentes dos angolanos conscientes. Os angolanos estão hoje mais sedentos de mudança e todas as manobras que visam a fragilização das forças que encarnam a mudança merecem a mais viva repulsa dos cidadãos angolanos.

Portanto, não faz sentido estabelecer um link entre as fissuras evidentes no MPLA e as divergências aparentes na UNITA. De um lado temos diferenças que configuram visões antagónicas sobre o modelo de substituição do Presidente, num contexto não democrático, ou seja estamos perante uma clara contestação ao Presidente, e do outro lado temos divergências que tendo embora raízes internas, são essencialmente instigadas de fora, patrocinadas por poderosas forças externas para quem os fins justificam os meios e, por isso nada têm a ver com défice democrático ou crise de liderança.

Sendo assim, as repercussões que estas diferenças patenteiam nas dinâmicas políticas e na coesão interna de cada organização, são diversas, sendo absolutamente impossível estabelecer um nexo causal para as duas situações.

*Médico, Docente Universitário Secretário Executivo do Governo Sombra da UNITA