"Houve um ministro, meu colega, que se deslocou a uma conferência internacional que se realizava do outro lado do mundo, algures. Não sei se era no Japão, se era na Austrália. As pessoas que eram necessárias para a participação na conferência era o ministro e mais três. Sabe quantas foram? 19! Eu recusei-me a assinar o despacho. Pessoas cuja missão era aceitar o convite do ministro para um passeio ao outro lado do mundo à custa do Estado. Ouça, isso são casos diários, isso não é uma vez por ano. Se fosse uma vez por ano, não tinha importância nenhuma, mas isso é diário", disse, numa entrevista à RTP em 2014, Diogo Freitas do Amaral, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal no Governo de José Sócrates. Temos em Angola a mania de apresentar delegações numerosas quando se vai viajar em representação e com o dinheiro do Estado. Presidente, Vice-Presidente, ministros, secretários de Estado, governadores, embaixadores, cônsules, directores nacionais, presidentes de conselhos de administração de empresas públicas, entre outras figuras, viajam quase sempre acompanhados de um verdadeiro séquito que, mesmo em tempo de crise, não diminuiu.

O Ministério das Relações Exteriores (MIREX) anunciou, em circular tornada pública, que "à semelhança dos demais órgãos e instituições públicas", este órgão "ficará privado de quota financeira de Julho a Setembro", acrescentando que, devido à "agudização das dificuldades de tesouraria", se torna imperiosa a implementação de "medidas de contenção para garantir o normal funcionamento do Ministério". O documento vai ainda longe e informa que "as deslocações no exterior serão reduzidas e restringidas às de carácter inadiável", incluindo "a oferta de coffee breaks e almoços nos eventos realizados pelo Ministério".
Em Abril último, e por altura da passagem do Presidente João Lourenço por Lisboa, para a comemoração dos 50 anos do 25 de Abril, a Embaixada de Angola em Portugal organizou uma "farra rija" no Convento do Beato, onde, certamente, mais de um milhão de euros foram gastos com deslocações de delegações de Luanda, aluguer e decoração do espaço, cachet dos artistas, buffet e outras mordomias. E passados quase quatro meses, para além dos salários em atraso, surge o aviso de cortes em viagens e coffee breaks. Mas o problema é que se pedem sempre sacrifícios aos mesmos.

O problema é que se sacrificam sempre os mesmos. Privam-se os funcionários dos seus salários e subsídios, pede-se para que eles façam esforços de contenção, mas o mesmo não é exigido aos dirigentes de topo. Esses continuam a viajar em primeira classe, a hospedar-se em suítes de hotéis de luxo, com dispendiosas ajudas de custo e delegações numerosas. Diplomatas com residências protocolares pagas pelo Estado, mas que continuam a viver meses e meses em hotéis de luxo. Quem lidera é quem tem de dar o exemplo e começar a fazer cortes, começando pelas comitivas do próprio Presidente João Lourenço que continuam a ser numerosas e que chegam até perto de duas centenas de membros, situação que até deixa surpreendidos representantes de países que o acolhem. Pode ele próprio tomar a iniciativa, começando pela redução das suas extensas comitivas e também de algumas viagens, recorrendo ao instituto da representação.

A verdade é que ninguém controla estas viagens de Estado ao estrangeiro e também não se prestam contas. Será que o Cerimonial da Cidade Alta presta contas ao Tribunal de Contas? As saídas das diferentes delegações ministeriais ao exterior e os seus custos. As ajudas de custo. É nas ajudas de custo que está montado, há anos, um esquema fraudulento e bastante lesivo para o Estado. É um misto de falta de ética, sentido de justiça, egoísmo, ganância e sentido de Estado. É um dos terrenos mais férteis para se enganarem os contribuintes angolanos. É um verdadeiro "chico-espertismo", que é arrogante e que pensa que os outros são menos inteligentes que eles.

Portanto, fazem-se grandes discursos sobre contenção de custos, mas há práticas que diariamente lesam o Estado em milhares de dólares e euros. Esses esquemas começam todos como se fosse um conto, tornam-se uma história e acabam tornando-se uma antologia. Parece que há uma solução Tiririca: "Pior do que está não fica". No final de tudo, para os nossos governantes, a culpa é sempre dos jornalistas. Os jornalistas que exercem o seu poder de escrutínio e sentido de crítica é que acabam rotulados como os "inimigos da paz" e os vilões úteis. Serve sempre bem tornar os jornalistas e o exercício da actividade jornalista em vilões úteis.

É sempre assim, e já sabemos como funciona.