Da mesma forma que, como declarou Agostinho Neto na I reunião de embaixadores angolanos (1978), ""a atitude progressista da maioria dos Estados do mundo contribuiu em grande escala para a independência política e o desenvolvimento do nosso estilo de relações exteriores,"" países houve e há que mantêm essa linha de continuidade na Angola independente, na medida em que contribuem para o enraizamento do nosso modus operandi diplomático, focalizado na paz positiva interna, regional e global.

Na verdade, não faltam no mundo, e particularmente na história de Angola, evidências de países-ponte que serviram ou sirvam de intermediários diplomáticos, usando as suas influências e intercedendo a favor do interesse nacional do Estado angolano. No pós-independência, Agostinho Neto concebeu aquilo que designamos de ""estratégia de países-ponte."" Ou seja, países, cuja capacidade de persuasão e de influência, respeitabilidade e astúcia diplomáticas são susceptíveis de alavancar a implementação da política externa.

De exemplos frisantes avulta o facto de, em 1978-1979, Agostinho Neto, numa démarche diplomaticamente perspicaz, ter solicitado os bons ofícios de estadistas, como o zairense Mobutu Sese Seko, a britânica Margaret Thatcher e o liberiano William Tolbert Jr para transmitirem à administração Carter o desejo de Angola formalizar relações diplomáticas com os EUA. Ao reagir à intermediação diplomática que William Tolbert procedeu em nome de Agostinho Neto, Jimmy Carter observou, a 02 de Outubro de 1979, ter ficado ""surprised and favourably impressed with Neto during the last few months [of 1979], and said that the U.S. would follow the situation closely and not let Neto"s death interrupt the progress made previously (surpreendido e favoravelmente impressionado com Neto durante os últimos meses [de 1979], e disse que os EUA acompanhariam a situação de perto e não deixariam que a morte de Neto interrompesse o progresso alcançado anteriormente).""

No mesmo espírito da variável diplomática dos países-ponte, França Van-Dúnem, Paulo Teixeira Jorge e Luís de Almeida interagiram em Downing Street com Thatcher, em Maio de 1980, e Fevereiro e Novembro de 1983, respectivamente. Icónicos e talentosos como se lhes reconhece, estes três diplomatas distinguiram-se sendo fiéis intérpretes e excelentes executantes do pensamento diplomático de Neto. Ademais, foram instrumentais no estreitamento das relações de amizade e de cooperação entre Angola e o Reino Unido, bem como na assumpção, por parte da administração Thatcher, de posicionamentos de maior empatia, compreensão e advocacia vis-à-vis a lances importantes política externa angolana.

Por seu turno, Lopo do Nascimento, à época Ministro do Plano, encontrou-se em Londres com Margaret Thatcher, a 14 de Dezembro de 1983. Durante a interlocução, Lopo do Nascimento apelou ao Reino Unido - que estabelecera relações diplomáticas com Angola, a 14 de Outubro de 1977 - para usar a sua influência junto dos EUA, no sentido de encontrar-se uma solução pacífica para o conflito no Sudoeste Africano, com base na resolução 435/78 do Conselho de Segurança da ONU. Naquela ocasião, Lopo do Nascimento anunciara o desejo de Angola abrir embaixada no Reino Unido e de conceder clemência presidencial aos sete mercenários britânicos (condenados, em 1976, a penas de prisão maior), que viriam a ser libertos, em Fevereiro de 1984.

Analogamente ao uso de países-ponte como mensageiros do Estado angolano, países e estadistas amigos de Angola serviram igualmente de correia de transmissão de políticas, de vontades e de estratégias político-diplomáticas de terceiros países. Um exemplo paradigmático disso foi Samora Machel: em 1982- 1983, os EUA e o Reino Unido fizeram lobby junto do estadista moçambicano para que exercesse a sua influência junto de José Eduardo dos Santos.

A acção eficaz e eficiente de Machel contribuiu significativamente para o progresso do processo negocial para a paz no Sudoeste Africano, a meados da década de 1980. De resto, como referiu Chester Crocker em High Noon in Southern Africa (1992), ""during the first half of the 1980s, the Mozambicans played an indispensable role in bringing U.S. officials together with the Angolans who had a mandate to explore a deal... Maputo and Luanda maintained a very close contact on regional issues; their moves and moods often seemed synchronized (durante a primeira metade dos anos de 1980, os moçambicanos jogaram um papel indispensável de aproximar representantes dos EUA aos angolanos, mandatados para negociar um acordo... Maputo e Luanda mantinham contacto próximo sobre questões regionais; as suas movimentações e humores pareciam frequentemente sincronizados).""

Com este texto, teremos tentado, por um lado, evocar um dos legados diplomáticos de Agostinho Neto, que, há cerca de meio século, verbalizou a matriz da estratégia intemporal de países-ponte, como lobistas ao serviço do Estado angolano. E, por outro lado, retirarmos a inferência quanto à plausibilidade de as elites pensantes da diplomacia, da política, e da academia (que se alcandora, cada vez mais, à uma nova fronteira da política externa dos países emergentes) debaterem ideias sobre a padronização do exercício de lobbying por Angola.

*Embaixador de carreira