Depois de ter sido ouvido e apanhado em falso, nessa mesma semana e no mesmo dia em que escrevi isto, o Ministro da Economia em vez de pedir a demissão, não o fez, e até assistiu e participou tranquilamente na reunião do Conselho de Ministros.
Até ao fim da tarde, aparentemente nada fazia prever que Sérgio Santos haveria de ser em breve uma carta fora do baralho de João Lourenço.
Mas, ao fim desse dia e apurados os resultados das várias traquinices em que se havia envolvido, a vida do terceiro Ministro da Economia em quatro anos da nova governação haveria de conhecer uma reviravolta de 180 graus: de estrela cintilante, que já se afirmava como a cabeça de cartaz do "casal Obama" do MPLA, em pouco menos de vinte e quatro horas, Sérgio Santos eclipsar-se-ia sem saber ler nem escrever, pondo prematuramente fim à sua passagem pelo Ministério da Economia.
Para espanto de todos, no dia seguinte à tarde, o Presidente deu uma curta e pouco comum explicação na reunião do Conselho de Ministros. Fê-lo depois de ter sido forçado a despachar para casa uma das peças chaves da sua manobra governativa: o Ministro da Economia, mas não a figura que personificava o cargo.
Ao ter feito uma explicação pública das razões que o levaram a tomar aquela decisão, o Presidente pôs-se a salvo das tradicionais rajadas de especulações que se seguem sempre a exonerações envoltas em mistérios ou rodeadas de tabu. Ao fazê-lo, tomou uma atitude que, doravante, será bom que faça escola.
Logo a seguir suspendeu a sua agenda oficial para gozar um curto período de descanso. Durante alguns dias, o Presidente recolheu-se na solidão da sua quinta na Quibala, onde, longe do rebuliço político da capital, terá certamente aproveitado a pacatez do ambiente do campo para reflectir mais pausadamente sobre o estado da governação e da crescente pressão social que se abate sobre a sua liderança.
Desencantado com Sérgio Santos, João Lourenço regressou esta semana ao leme governativo com um novo Ministro da Economia na cartola. Sérgio Santos é substituído por quem lhe sucedia. Ambos jovens, mas certamente com visões, competências, apetências e imaturidades diferentes. Para já, não me permito a nenhum atrevimento de comparação...
Tenho, porém, dúvidas que a nomeação de um novo Ministro da Economia não venha, como é norma, a implicar a alteração de algumas regras de jogo no funcionamento interno da estrutura. E, por tabela, não venha a provocar também mexidas na engrenagem de actuação do nosso "Triângulo das Bermudas": Economia, Finanças e Banca.
Mas se governar a capital é um tormento, a gestão do Ministério de onde acaba de ser afastado Sérgio Santos, embora tatuada de preocupante desconhecimento técnico, nunca teve tempos de tanta turbulência e tanta imaturidade como os últimos quatro anos.
É verdade que no passado as nomeações, assentes exclusivamente na imposição da supremacia da fidelidade partidária sobre o pendor técnico, não estavam sujeitas ao escrutínio público dos nossos dias. Foi assim com Carlos Rocha,"Dilolwa", o nosso primeiro Ministro da Economia.
Tido por Agostinho Neto como um dos melhores economistas de África sem nunca ter feito a prova dos nove, mas ausente de Angola nos últimos quinze anos que antecederam a Independência, impôs-se mais por convicções ideológicas do que por mérito tecnocrático. Ao desentender-se com Agostinho Neto por causa da nomeação do cunhado - Jorge Morais "Monty" - para o cargo de Ministro dos Petróleos, viu a fama ser saldada na via pública sem proveito...
Os seus sucessores encabeçaram a economia no quadro de uma nova orgânica, que faria surgir o Ministério do Plano, mas a lógica das nomeações manteve-se sempre inalterável: a distinção política na hierarquia partidária sobrepunha-se a tudo e a todos!
Foi assim com José Eduardo dos Santos, o primeiro Ministro do Plano de Angola. Seria depois assim com Roberto de Almeida e mais tarde com Lopo do Nascimento. E viria a ser ainda assim também com França Van-Duném.
As Finanças nos primeiros anos da Independência não tiveram um percurso diferente. A coberto de uma (falsa) capa tecnocrática, Saidy Mingas, primeiro, e depois Ismael Martins foram Ministros das Finanças vincadamente políticos. Depois destes dois casos, com Augusto Matos, como ministro das Finanças, assistimos aos primeiros ensaios do SEF e a primeira grande tentiva de ruptura com o modelo de gestão planificada com a eclosão da "Perestroika e a Glasnost" na antiga União Soviética.
Com a influência destes fenómenos e com a entrada em funções de Aguinaldo Jaime como Ministro das Finanças poder-se-á dizer que se deu início à progressiva implementação de uma linha de governação orientada por critérios mais tendencialmente técnicos.
A Banca, pela sua natureza específica, foi quase sempre um caso à parte, fora os períodos em que o seu governo foi entregue a duas personalidades que sem quaisquer referências no mercado e sem o mínimo domínio básico das ferramentas do ofício, por lá caíram como autênticos para-quedas.
Foram períodos negros na história do BNA, em que se chegou ao ridículo de pensar que o banco central poderia ser regido segundo os códigos dos serviços de segurança. Passados alguns anos, José de Lima Massano continua ainda hoje a desfazer-se dos estragos provocados pela desastrosa passagem daquelas figuras pelo mais emblemático edifício colonial situado ao longo da Marginal de Luanda.
Com José Pedro Morais na condição de Secretário de Estado do Planeamento ensaiam-se também as primeiras tentativas de aposta numa abordagem do planeamento num contexto de economia de mercado.
Essas incursões acabariam, porém, ao longo dos anos subsequentes, por esbarrar sempre, de uma forma ou de outra, na prevalência da escolha dos Ministros pela vertente partidária e não pela vertente técnica.
Desse tempo em relação aos dias de hoje, um traço distinguia as nomeações e exonerações: os Ministros não eram nomeados ou exonerados em função dos períodos escolares como agora...
Nem os deveres escolares eram relegados de forma tão desprezível para segundo plano, como fez Sérgio Santos. Deslumbrado com o cargo e depois de ter tido já alguns amargos de boca por ter dado passos maiores do que a perna, voltou a não resistir às delícias do poder.
Repescado em Maio de 2013 pelo antigo Ministro das Finanças, Armando Manuel, do gabinete do antigo Vice-Presidente, Manuel Vicente para o gabinete de José Eduardo dos Santos, empenhou-se numa "corrida de fundo" marcada desde início por atropelos insanos. O primeiro sonho do novo "Santo(s)" no Palácio passava por ocupar o lugar de quem o convidou: o Ministro das Finanças.
Frustrado esse intento, não deixou de ser visto por José Eduardo dos Santos como a estrela ideal para gerir o agenciamento de grandes financiamentos que o país se preparava para receber. Meses depois, porém, ao "pular a cerca" numa das missões ao estrangeiro, concluiu-se que, afinal, vestia um fato que não lhe servia. Perdera a confiança do antigo Presidente e, em Junho de 2015, foi mandado para a casa...
De regresso ao governo pela mão do Ministro de Estado para os Assuntos Económicos, alistou-se imediatamente para uma nova "corrida de fundo" como Secretário de Estado da Economia.
Depois de ter "puxado as calças" a Manuel Neto da Costa e já como titular da pasta da Economia, não tardou a desencadear uma "guerra fria" contra a Ministra das Finanças, Vera Daves. Em simultâneo, ao preocupar-se mais com a sua (má) imagem, assumiu-se, de forma ostensiva, como um produtor de excelência de doses intragáveis de vaidade e de jactância.
Inconformado com o poder que tinha a seus pés, na véspera do Presidente visitar a Turquia, vergou-se aos encantos dos "banhos turcos", selando em Istambul à revelia de toda a gente, um "casamento" com lobistas indigestos para as autoridades daquele país.
Antes disso, intrometera-se no Dubai em assuntos que diziam respeito aos Ministros da Saúde e da Justiça, mas quando ouvido para esclarecer o seu envolvimento em todos estes casos, a emenda foi pior do que o soneto: foi apanhado a mentir em flagrante delito.
Depois do que aconteceu no reinado de José Eduardo dos Santos, estranha-se a forma displicente como o sistema de "due diligence" montado por sofisticados serviços junto da Presidência, ao invés de passar a pente fino os candidatos a cargos públicos, esconde e sugere o que era suposto ser deixado de fora.
Feito por amadores, vemos gente de perfil duvidoso a ser nomeado pelo Presidente, quando se sabe à partida, que não se está senão diante de gente que se apresenta como inomeável e inconfiável.
Sérgio Santo, é, desta forma, excomungado antes do tempo, mas, ao ir para casa mais cedo do que pensava, só se pode queixar de si próprio. E fá-lo desta vez despedindo-se sem o apoio daqueles que o aplaudiram à chegada ao Ministério, e que agora não nutrem por ele a mais pequena simpatia: a maioria dos funcionários.
Fá-lo também sem o conforto do padrinho que sempre o apoiou, e que agora corre o risco de ver gravado nas suas costas o selo do Ministro de Estado com a mais prolongada trajectória descendente do PIB na história de Angola...

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