Embriagada por um triunfalismo político cego, a estridência da "vuvuzela" parece estar a embalar uma fanática e perigosa falange de militantes do MPLA numa viagem que a poderá conduzir para um falso passeio turístico-eleitoral.

A forma apoteótica como o "já está!" está a ser levado aos ombros por essa claque destapa uma imagem que parece assemelhar-se à facilidade com que, à hora do matabicho, em casa, enfiamos a faca na manteiga.

Cinco anos depois, quem olhe, porém, para algumas trapalhadas em que mergulhou a governação, dificilmente poderá aderir à actual vaga de triunfalismo gratuito que está a tomar conta destes sectores do MPLA.

Era como se o MPLA, em Agosto, fosse a votos sozinho. Era como se, à partida, houvesse garantias de que o VAR haveria de se apresentar em campo vestido de vermelho, preto e amarelo.
Era como se, dentro das quatro linhas, os espectadores se sentissem obrigados a aplaudir apenas as jogadas dos seus atletas. Haja chão!

Para bem do MPLA, lá dentro nem toda a gente, no entanto, pensa e se comporta da mesma maneira. Para bem do MPLA, lá dentro, nem toda a gente ignora que o seu último congresso - em vez de ter inchado a sua mega e irracional estrutura dirigente com uma demonstração de horror à qualidade e de ter embalsamado a discussão das suas contradições internas empurrando-as com a barriga para debaixo do tapete - deveria ter dado lugar à realização de um debate aberto, franco e verdadeiramente democrático sobre o seu posicionamento na sociedade.

Portadora de massa crítica, há muita gente, lá dentro, que sabe que o MPLA, longe de carrear a dinâmica mobilizadora de outros tempos e de ter, por isso, a vitória assegurada, não goza da saúde política que está ser tão mal maquilhada pela sua máquina propagandística.
Logo, não tendo João Lourenço levado a fundo as reformas internas que deveria ter promovido no início do mandato, o MPLA tem pela frente uma derradeira oportunidade para, ao menos, começar a corrigir, com exemplar eficácia, a direcção do tiro.

Consciente desta realidade, João Lourenço fez soar o toque de alarme e, no lançamento da agenda política do MPLA, decidiu dar um murro na mesa para, em alto e bom som, alertar a sua massa militante: meus senhores, o "Já está!" ainda não está!

No Kuando Kubango, ficou claro, desta forma, que João Lourenço não quis deixar escapar a oportunidade para despertar o MPLA de um longo e perigoso relaxe que ameaçava ter o efeito de um ricochete.
Fê-lo pronunciando aquela que - depois do discurso proferido na cerimónia da sua investidura - terá sido muito provavelmente a sua melhor intervenção político-partidária ao pôr a nu algumas das graves enfermidades do MPLA.

João Lourenço ter-se-á apercebido de que, levitando na bolha da propaganda, o MPLA anda a pisar um terreno demasiado escorregadio e, que, por isso, precisa de mudar a agulha do disco para, perante a ameaça de um processo de autofagia interna, travar uma rejeição do eleitorado ainda maior do que aquela que conheceu em 2017.

Mudando de agulha, apesar da descompressão inicial gerada pela abertura política por si promovida, o MPLA rapidamente confrontar-se-á com o grande défice de democracia de que padece como resultado da sua origem histórica e de longos anos de acomodação no poder.

Uma mudança desta natureza impulsioná-lo-á a analisar e a elaborar uma mensagem política mais bem estruturada junto do eleitorado, por forma a não confundir a árvore com a floresta.
Permitir-lhe-á concluir quão determinante será a avaliação dos sentimentos daqueles que, vivendo nos meios urbanos, por terem perdido o poder de compra, não só se estão a tornar cada vez mais críticos como a estabelecer inevitáveis comparações com o que, no passado, lhes era oferecido pela governação de José Eduardo dos Santos.

Levá-lo-á a reconhecer que, para voltar a resgatar a confiança dessa franja do eleitorado, tem de abandonar os instrumentos que vêm corroendo a sua imagem junto da sociedade ao não resistir à tentação para o silenciamento das vozes críticas.
Obrigá-lo-á a deixar de ver na pluralidade de ideias e no confronto de opiniões divergentes um perigo para o exercício do poder.

E a ter que enfrentar o perigo que representaria a redução do MPLA ao "partido dos anões e mendigos" romanceado por Manuel dos Santos Lima e no qual todos aqueles que tendem a pensar de maneira diferente são nivelados por baixo, para que todos, de cócoras e à mesma altura, se comportem como músculos diante das suas lideranças.

Se a UNITA aparenta estar mais avançada do que o MPLA em matéria de candidaturas múltiplas, não é porque se tenha democratizado mais facilmente. É porque precisa de fazer diferente para captar a aderência de quem está cansado de práticas anti-democráticas.
Não tendo nunca saboreado as delícias do poder do Estado, fica por fazer a prova dos nove para vermos se não recorrerá aos mesmos instrumentos a que o MPLA, enquanto Governo, tem recorrido para condicionar aqueles que, ao longo da história, têm adoptado posições contrárias às suas lideranças.

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