Que perigo era esse?

O preocupante, assustador e crescente decréscimo do nível de massa crítica da sua elite dirigente e a sua relação com o nosso atraso.

Atento ao descalabro, um dos mais lúcidos membros do Bureau Político do MPLA, confessou-me que o seu partido "anda de tiro em tiro nos pés para ver quem acerta melhor no dedo mindinho"...

Conferindo outra densidade crítica a esta problemática, o jurista António Paulo, ao lançar um repto à sua classe, atribui à "natureza do regime", uma das causas do nosso atraso.

Ao mesmo tempo desafia os intelectuais que, ao longo de décadas, dentro e fora das muralhas partidárias, afinal, mais não fizeram do que construir a narrativa que deu lugar à actual crise de opinião que aprisionou a sociedade angolana.

Em ambos os casos, estaremos a ser vítimas de uma viagem atribulada que, na construção das nossas contradições, logo após o 25 de Abril, culminou na atribuição de maior legitimidade histórica e política àqueles que haviam pegado em armas em detrimento daqueles que haviam sido presos pela PIDE ou de uma maioria que não fez nem uma coisa nem outra, como se estes últimos fossem menos angolanos...

Ao moldarmos "a natureza do regime" nestes termos, passamos a encarar o "Outro" sempre com desconfiança e, logo a seguir, sem o assumirmos, a dividir a sociedade entre "libertadores" e libertados, militantes e cidadãos, claros e escuros e entre "ambundus" e o resto...

Com essa viagem, não demos conta que, atrelados à "natureza do regime", estávamos a colocar o pé no acelerador do nosso atraso ao elegermos o populismo e a demagogia como "activos tóxicos", que, de forma capital, contribuíram para começarmos a nivelar por baixo a sociedade e para a falência do principal pilar do seu desenvolvimento: a educação.

Agarrados a esses dois "activos tóxicos" e vergados à "glorificação" da incompetência e da miopia governativa, não admira que, à falta de argumentos, com recurso a berraria, estejamos a cair na tentação de recorrer à velha "emulação socialista" para, por exemplo, resolver o problema do lixo.

Tendo toda a legitimidade para rever ou anular os contratos com as operadoras do lixo, antes de partir para uma rescisão unilateral, antes de enveredar pela ameaça e antes de apostar em expedientes voluntaristas que só exaltam o atraso associado à "natureza do regime" de governação na capital, a Governadora de Luanda, acautelando um período de transição, deveria ter aberto um espaço para o diálogo e não liquidar um sistema sem previamente ter criado um modelo alternativo assente na gestão municipalizada para potenciar a economia circular do lixo e a sua reciclagem.

Quem abraça hoje essa via impositiva inerente à própria "natureza do regime", está longe de ser gente analfabeta ou gente sem a experiência que caracterizava os gestores do Estado nos primeiros anos da Independência.

Mas, ter hoje, à frente de instituições públicas activistas políticos, só nos pode conduzir a este descalabro...

A caminho de cinco décadas de um novo país,

não podemos continuar a viver numa sociedade que, aberta ao mundo do conhecimento, enfrenta hoje um dos seus maiores paradoxos: temos indubitavelmente hoje um número muito maior de gente licenciada em vários domínios do que em Novembro de 1975, mas vivemos subjugados provavelmente à maior crise de ideias da nossa História.

Não podemos continuar vergados à manipulação cerebral de pseudo-intelectuais que, como diz o Amável Fernandes, mais se parece um bando de vadios letrados convertidos em governadores de Angola, que, tendo deixado de andar a pé pelas ruas dos subúrbios, não passariam nas provas mais elementares de um antigo Secretário da Fazenda...

Vivemos numa sociedade em que os partidos apregoam a palavra "Democracia", mas, como escreve Pedro Santos Guerreiro, "dificilmente levam à boca a expressão Estado de direito, ignorando que uma não existe sem o outro e sem Estado de direito ficamos entregues à barbárie". Esta é a nossa sociedade!

Uma sociedade que assiste, de cócoras, à troca de papéis entre o MPLA e a UNITA. Uma sociedade que vê, por um lado, alguns sectores do MPLA a encarnarem hoje o ADN da UNITA e, por outro lado, a UNITA a defender um dos porta-estandartes da gesta nacionalista de 1961 reivindicada pelo MPLA, como ficou demonstrado com o comunicado feito pela UNITA por ocasião do 60º aniversário do 4 de Fevereiro.

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