Se, em 1962, em "L"Afrique noire est mal partie", um livro então proibido em toda a África francófona, o agrónomo francês René Dumont lançara o primeiro alerta sobre um continente que insistia em ignorar que "a abundância, enganadora, adormece-nos e foge", o percurso trilhado nos anos subsequentes por muitos países do nosso continente foi de mal a pior...
O retrato do Gana de Kwame NKrumah é o retrato da África dos anos 60 do século passado, quando começou a regorgitar de esperança e quando todos os sonhos lhe eram permitidos.
É o retrato de um tempo em que o som dos tambores da liberdade descia as encostas do Kilimanjaro, atravessava as dunas do Saahara, estremecia as grandes árvores das florestas e percorria os trilhos das savanas até à espuma do mar infinito.
É o retrato do tempo de todos os cânticos de promessas de fraternidade, de todos os salmos de esperança e dos hinos e das bandeiras de esfarrapada e enganadora utopia revolucionária. E ainda o retrato do tempo em que se esboçou o longo caminho da traição das elites africanas.
As causas dessas elites perseguiam como valores supremos apenas a folclórica conquista de um hino e de uma bandeira. Entoado e içado estes dois símbolos, imergiram ditaduras revestidas de uma nova coloração, mas dotadas de uma carga repressiva tão brutal que proibia o escrutínio do exercício governativo, congelava a liberdade de imprensa, promovia a pilhagem e exaltava o culto da personalidade em torno de autocratas que, de cócoras, passaram a estar ao serviço das antigas potencias colonizadoras.
Num espiral de subserviência inqualificável, é tão perverso o pendor neocolonizante subjacente às relações mantidas até hoje entre os países da chamada francofonia e a França, que este país cairia de 5º lugar para o 15º lugar no ranking das nações mais desenvolvidas do planeta se as lideranças das suas antigas colónias impusessem um corte à fúria predadora que Paris exerce sobre os seus recursos.
O continente africano representa mais de 20% da terra firme do planeta, é o segundo maior continente do mundo, tem uma taxa de natalidade de 4,7% e uma população estimada em 1 bilião e 225 milhões de habitantes.
Acontece que se trata de uma população massivamente desempregada, não há investimentos em sectores vitais como a saúde e o ensino e as suas elites estão envolvidas num criminoso esquema de fuga de capitais através de desvios orçamentais, sobre-facturações, suborno, alta corrupção e fuga ao fisco, que terão proporcionada operações de lavagem de dinheiro estimadas em mais de 60 biliões de dólares ao ano.
Se o Gana, um dos primeiros países africanos a ascender à Independência não escapou à esta tragédia, o que se passou no Gana não é nem de longe nem de perto um caso isolado. O que se passou no Gana não foi nem é muito diferente do que, ao longo de vários anos, se tem passado um pouco por toda África.
Um pouco do que ocorreu nos Camarões, um pouco do que aconteceu em Moçambique, um pouco do que atingiu a Tanzânia, um pouco do que se viu no Senegal e, sobretudo também um pouco do que, em quase meio século, temos assistido em Angola.
O que se passa nestes países é que, depois de capturarem o poder, os seus líderes impõem a sua vontade, fazendo-a prevalecer sobre os desejos da maioria e sobre o bom senso e a racionalidade governativa.
Mas, essa tendência, ao multiplicar inúmeros casos de má ou mesmo criminosa governação, não era nem nunca foi, motivada por mera inocência ou por simples ignorância.
Se o fossem, como advertem Daron Acemoglu e James A. Robinson, "os dirigentes bem intencionados aprenderiam rapidamente que tipo de políticas aumentaria os rendimentos e o bem-estar dos seus cidadãos e iriam optar por essas políticas."
Se, alguns dos grandes líderes mundiais como Roosevelt, Wilson, Thatcher e mais recentemente Angela Markel, trilharam os caminhos do senso comum, da boa governação e da prosperidade para os seus povos, em África, mascaradas de democratas sem democracia, as lideranças africanas, detentoras de um poder despótico, vêm vingando no nosso continente porque, arregimentando uma enorme clientela de súbditos a quem vão distribuindo as sobras do banquete, dispõem de um largo espectro de impunidade, que lhes permite perpetuarem-se no poder.

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