Mas, a história não deixa de registar a passagem deste empresário por este mundo como um marco que, de uma maneira e de outra, acabou por influenciar a trajetória económica dalguns dos países integrantes do clube da CPLP, que, esta semana, reúne em Luanda os seus mais altos representantes.

Longe vai o tempo em que surgiu a CUF - Companhia União Fabril - o maior e mais diversificado grupo empresarial em Portugal por si fundado em 1865. Porém, o legado deste homem parece destinado a continuar a projectar-se num presente que deve ser trilhado sem vergonha e sem complexos do passado económico agora brilhantemente retratado na obra "Globalização em Português: revoluções e continuidades africanas".

Trata-se de uma investigação de grande fôlego histórico e académico recentemente apresentada em Lisboa pelo Prof. Jorge Braga de Macedo, da Academia de Ciências de Lisboa, do Centro de Globalização e Governação/Nova School of Business and Economics e Ministro das Finanças do XII Governo Constitucional em Portugal; com a colaboração do Prof. Alves da Rocha, um dos fundadores do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola e colaborador da secção de Economia da classe de Letras da Academia de Ciências de Lisboa desde 2012; e ainda da Prof. Maria Manuel Rameira, da Academia de Ciências de Lisboa, Linking Landscape, Environment, Agriculture and Food e do Instituto Superior de Agronomia/Universidade de Lisboa.

Agora, que a diplomacia angolana se reduz ao eufemismo da "diplomacia económica", que consiste em andar de mão estendida a pedir empréstimos com juros por vezes incomportáveis e sem as esperadas contrapartidas estratégicas, estudar o percurso do mais paradigmático dos capitalistas da sua época - cujas iniciativas se estenderam ao chamado Ultramar português, (Angola, Moçambique e Guiné-Bissau) talvez nos pudesse levar à redescoberta de uma parte significativa da nossa história económica.

Agora que Angola está confinada "à condição de periferia do sistema económico mundial e observador passivo das grandes transformações" mundiais, o exemplo de Alfredo da Silva talvez se possa erguer como um farol capaz de iluminar, com outra visão e com outras ferramentas, o caminho a seguir pelos nossos empresários.

O tema em que se abalançam Braga de Macedo, Alves da Rocha e Maria Manuel Rameira, centra-se em Alfredo da Silva. Quem é, afinal, esse personagem que, em 1954, fundou em Angola a Confabril?

Nada mais, nada menos do que um "dinossauro heterodoxo" que nasceu em 30 de Junho de 1887, em plena monarquia liberal na Lisboa queirosiana e que, na sua trajectória, mereceria algumas "farpas" de Ramalho Ortigão.

O criador do grupo CUF assistiria à bancarrota da Monarquia portuguesa, à ditadura de Franco, ao Ultimato inglês, que levou ao regicídio e precipitou a revolução republicana, que conduziu, por sua vez, a uma outra bancarrota, ainda pior do que a primeira porque temperada com o anarquismo e "aquartelados".

Com Salazar manteve sempre uma relação "sinuosa" porque Salazar não gostava dos comunistas e desconfiava dos capitalistas. Dir-se-á que manteve com o ditador de Santa Comba Dão, uma relação amistosa, mas nunca íntima.

Enfrentando as adversidades da época, a sua persistência, o espírito visionário e o invulgar empreendedorismo permitiram-lhe erguer um dos mais dinâmicos grupos empresariais portugueses do Século XX, através do incremento e modernização da indústria química e têxtil, de uma aposta nos transportes urbanos e marítimos e ainda de uma arrojada incursão no domínio bancário e na prestação de serviços na área da saúde.

Com o eixo da revolução de Abril, tanto em Portugal como em Angola, fora da órbitra da influência marxista, no momento em que se realiza a Cimeira da CPLP em Luanda começa finalmente a ser possível olhar para a visão de negócios e para a estratégia reformista deste homem, sem as tradicionais lentes negacionistas e pseudo-nacionalistas dos discursos emproados e preconceituosos do passado.

Afinal, a Língua Portuguesa pode ser uma "noite eterna", como escreveu Pessoa/Álvaro de Campos, mas pode ter também a plástica das madrugadas eternas.

É imperioso que assim seja para que o sentimento de lusofilia não mergulhe no mesmo mundo sombrio das "ideologias da identidade, da raça e do género", que desgraçadamente tendem a arrastar-nos para os abismos de um novo obscurantismo cheio de ressentimentos, fracturas e ódios...

Por isso, a dissertação do economista Alves da Rocha, um dos nossos mais brilhantes pedagogos contemporâneos, e a contribuição dada também por Justino Pinto de Andrade, ambos como convidados no Simpósio sobre o legado de Alfredo da Silva, não poderia deixar de merecer a nossa simpatia e uma nota de elogio pela simplicidade linear e grande alcance histórico que encerraram as intervenções destes dois académicos angolanos.

Nesse Simpósio pontificaram também vozes das mais diversas áreas da investigação universitária, entre as quais a do guineense Carlos Lopes, da Academia das Ciências de Lisboa, da The Nelson Mandela School of Public Governance, da Universidade do Cabo, de Maria Paula Diogo, da InsSciDE - Investing a Shared Diplomacy for Europe, do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas FC/NOVA e do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia; e de Ana Canas, do Arquivo Histórico Ultramarino, da Direcção Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, Centros de História/Universidade de Lisboa.

Com a ascensão de Angola à Independência, o seu legado por aqui acabaria por adormecer no colchão de uma deriva que, no dizer de Alves da Rocha, levou o país a fazer um alinhamento por baixo de todos os indicadores económicos.

A concepção socialista da Independência de Angola, vista à luz das intervenções feitas durante este Simpósio, é hoje tida como o "bulldozer" que, impulsionado por uma clique de fraseologia soviético-cubana, arrasou a economia, reduziu a sociedade ao nível da miséria espiritual e material mais abjecta e que, a coberto de uma visão totalitária do poder, acabou por adubar uma guerra civil sem precedentes no continente africano.

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