Quando viramos o País do avesso e de forma desapaixonada, olhamos para ele, o que vemos é lamentável. Um país sem esgotos, sem saúde pública, sem educação primária de qualidade e universal, sem água para todos e sem sustentabilidade alimentar por mais que os nossos jovens e ambiciosos governantes nos queiram convencer de que produzimos até para exportar. Mas quase 20 anos de paz, provaram que a guerra, afinal, não era a causa da precariedade da governação.

No avesso do País, que não passa na Euronews e que não se vê nas TPA"s 1,2,3 e 4, há milhões de pessoas que não comem, que não têm sequer um chão limpo para dormir, que estão doentes e sem acesso aos medicamentos. Existem milhões de angolanos, jovens sem esperança, sem estudos e sem caminho. Estão em agonia velhos, portadores de deficiência, doentes mentais, crianças órfãs e vulneráveis, que não são abrangidos por nenhum tipo de apoio social, à excepção das comemorações oficiais dos seus dias, em que alguns têm direito a um lanche e a uma camisola a dizer que são importantes e que de forma bizarra garante ao Governo a sensação do dever cumprido.

No avesso do País, o desenvolvimento não aconteceu, a diversificação económica morreu de sede em frente ao mar e os recursos do País estão a ser delapidados e usados sem ponderação que garanta e proteja o interesse das gerações futuras. A governação está divorciada da ciência, e os decisores são arrogantes e enciclopédicos. A estrutura apodrecida dos comités de especialidade são prova da incapacidade de inovação, de reconhecimento das prioridades e da falta de objectividade.

No avesso do País, a riqueza não é distribuída de forma justa, a administração é refém do poder político, não cumpre o seu papel e, por isso, é limitada, e o poder local é ineficiente e ineficaz sem capacidade para resolver coisa nenhuma. A hierarquia das chefias é castradora e impede o dinamismo, a liberdade para criar, não estimula novas abordagens nem aceita nada que cause ruído e dê trabalho. As administrações são uma perda de recursos, por não terem nem autonomia nem poder de facto, limitando-se ao trivial das declarações de residência, de pobreza e recenseamento militar.

No avesso do País, o combate à pobreza falhou de forma olímpica, e a condição de vida dos mais pobres é um inferno que não necessita da intervenção do diabo. Aqui não há nenhuma vitória. A pobreza que retira toda a dignidade das pessoas não permite que os que a enfrentam sejam capazes de se defender. As pessoas desistem e esperam que a morte resolva a sua dor. É um sítio de desumanidade e de manifesta falta de amor pelo próximo.

No avesso do País, já tocaram todos os alarmes sociais, mas a ausência de patriotismo e sentido de Estado não permitiu que nascessem soluções credíveis. Já ouvimos todos os gritos de angústia. Continuamos a enterrar 46 crianças que morrem de fome todos os dias, sem que ninguém se importe com a morte do futuro. Um aluno estuda 8 anos e só aprende o equivalente a 3. O ensino primário é deprimente e apenas 11% das crianças de cinco anos têm acesso ao pré-escolar. A postura "coitadista" do Governo que tem sempre um culpado para atribuir a sua falta de sentido e da incompetência das suas políticas, é uma insuportável mesmice.

No avesso do País, o povo avança na luta pela sobrevivência, enfrentando todos os dias o nascimento de novas promessas de uma "Angola Avante", trazida por uma mão cheia de superministros e seus adjuntos, mas cujos resultados acabam infalivelmente por ser uma mão cheia de nada não obstante a perda de recursos que são cada vez mais escassos. E todos os dias, apresentam-nos novos programas que nunca se inscrevem no domínio do prioritário, nem se revelam como inibidores das grandes dores que continuamos a ter: malária e todas as doenças decorrentes da ausência de saneamento principais causas de morte, fome, precariedade do ensino, sustentabilidade alimentar, assustadora taxa de fecundidade, segurança jurídica e a existência do país formal e do país informal.

Uma parte significativa dos nossos dirigentes tem a família e o seu dinheiro fora de Angola, há muitos anos. Muitos deles não conhecem o avesso do País. Vivem em glória, com segurança e qualidade de vida. Não lhes entra pelas narinas o cheiro nauseabundo do lixo nos musseques, nem em Alvalade. Não vão a óbitos, pois nos novos países eleitos a esperança de vida é de mais de 90 anos. Não sentem o sabor da lixívia na água porque ali a água da torneira é própria para consumo. São salvos por ambulâncias altamente equipadas em caso de acidente ou de doença. Não esperam 12 meses por um passaporte, nem dois anos pela renovação da carta de condução. Não são testemunhas de famílias que chafurdam o lixo para comer os restos da abundância dos outros porque naqueles países isto seria um atestado de menoridade da governação e os partidos não teriam sequer um voto para se reelegerem. Deixaram de ver os pobres e as suas dores. São, por isso, famílias felizes.

A diferença entre uma nação pobre e uma nação rica não depende nem da sua idade, nem dos seus recursos naturais disponíveis. Não depende do seu contexto histórico, nem da sua posição geográfica. A diferença entre as nações ricas e pobres está apenas na qualidade da sua Educação, que será responsável pela qualidade da sua administração. É a atitude dos líderes que define a riqueza ou a pobreza dos países. Como defendeu Peter Drucker: "Não há países pobres. Há sim países mal administrados". Isto não é apenas uma opinião. É um facto que pode ser lido e comprovado pelo estado em que se encontra o avesso do País.