Mas, infelizmente, não é isto que podemos esperar de uma governação que, com pompa e circunstância, oferece o inferno à maioria da população que menos tem e coloca a vida de todos os angolanos em perigo permanente. Todos os anos, em Angola nascem 15 mil crianças doentes de Anemia Falciforme. De recordar que essa doença mata 80% de crianças menores de cinco anos e, de acordo com a informação tornada pública pelo Novo Jornal, morrem cerca de 20 crianças por dia. Essa doença foi incluída pelo Ministério da Saúde na lista de doenças de Saúde Pública.

Uma doença como essa merecia um instituto especializado que traçasse as políticas de atendimento, que formasse técnicos de saúde para reconhecerem a doença, que criasse legislação que de forma obrigatória e gratuita fizesse o rastreio neonatal (teste do pezinho) a todos os filhos recém-nascidos. Esse instituto devia elaborar relatórios e estudos que optimizassem políticas emergenciais, os programas de educação e informação para essa doença e fosse o seu rosto na defesa da gratuitidade dos medicamentos que são insuportáveis para a maioria das famílias e da necessidade de aumentar os centros especializados de atendimento.


Podia apresentar mais 100 destes exemplos de inferno, de gente que não tem para onde se virar porque deixou de ter um país que as oiça. Qual é a parte ESTÃO A MORRER PESSOAS DE FOME QUE VOCES NÃO ENTENDERAM? Qual é a parte O COMBATE DA MALÁRIA SÓ PODE SER FEITO COM SANEMENTO BÁSICO QUE VOCES AINDA NÃO ENTENDERAM? E no meio dessa multiplicação da desgraça, da fome, da miséria, do lixo e do abandono, ouvimos o Governo dizer que vai "construir um gigantesco complexo de edifícios para receber cimeiras internacionais de elevado nível, centros de conferências, residências protocolares, entre outras necessidades supérfluas, num copy past do irracional Bairro dos Ministérios que, afinal, nunca foi erradicado, simulou apenas um coma estrategicamente induzido.

Mas, afinal, em que esquina desta galáxia vive este Governo que permanentemente estica a mão à caridade internacional para as acções emergenciais para mitigar o inferno em que o povo vive e com a outra mão torra o nosso dinheiro de forma obscena no luxo e no irracional a exemplo de um centro olímpico no Bengo, quando 99% das escolas angolanas não têm nenhum espaço para o desporto escolar, ginásio, uma tabela ou uma baliza, o que torna ridícula a pretensão de fazer nascer campeões olímpicos que exigem que o seu treino comece na infância, a exemplo da casa que começa pelo telhado.
O inferno em que vive a maioria dos angolanos não tem outro culpado que não seja a ineficiência das políticas públicas, da despesa supérflua, da falta de coerência da visão que gasta mais dinheiro na Defesa e na Segurança, cuja execução, desde 2017, tem sido superior ao que foi aprovado pela Assembleia Nacional, ao contrário da Educação e da Saúde, que ficam aquém da execução prevista, num país cuja única ameaça tem é a miséria que está a matar de forma criminosa um povo pacífico e generoso.


As nossas instituições estão doentes, estão incapazes de formular políticas que consigam resolver os problemas de forma definitiva. Eu escrevi resolver. Leram resolver. Mas preferem "fazer um esforço para mitigar". E há 47 anos que andamos a gastar milhões para mitigar e, por isso, não conseguimos ter problemas novos. A obesidade dos gastos políticos, da Assembleia Nacional, as viagens de Estado que não servem para nada onde discursam em salas vazias ou com conteúdos de oratória vazios de sentido, pois não representam a realidade do nosso País, tornando ridículo o mensageiro, até à ofensiva atribuição de prendas de valor proibitivo aos sipaios de serviço que se tornaram peritos na salvaguarda da mentira institucional.


Angola tornou-se num inferno para os dois milhões de crianças que ficam todos os anos sem escola. Inferno para os que conseguem entrar na escola e não têm nem carteiras, nem livros nem casas de banho porque não há água. Inferno para as adolescentes que, antes dos 17 anos, engravidam e para os jovens que afogam a frustração no álcool. Inferno para os trabalhadores honestos cujo salário não consegue garantir a paz no prato mais do que os primeiros 10 dias do mês. Para os doentes seropositivos que ficam sem tratamento vezes sem conta. Para as crianças que necessitam de cirurgias cardiovasculares e estão no corredor da morte.

Para os velhos que deixaram de existir. Inferno para os diabéticos que não conseguem comprar os medicamentos. Para as mulheres do mercado informal cujo lucro não permite duas refeições por dia. Para as famílias obrigadas a ficar à frente do hospital ou da maternidade para a qualquer hora poderem ir desenrascar a exigência daquilo que a instituição não tem. Para os mortos que sem dignidade em vida ficam encavalitados em cima uns dos outros em morgues que são a porta de um inferno para outro. Inferno para os doentes oncológicos que têm um satélite, mas não têm um TAC no seu hospital. Ou para os empresários nacionais que têm o Estado como seu concorrente, permanentemente, jamais beneficiam de qualquer apoio e são vítimas das fiscalizações predadoras, de todas as entidades intervenientes do Estado se refugiam na sua autoridade para garantirem aos bens que o salário não compra.


Neste inferno onde o gado e o povo competem pela mesma água, um inferno comprovado por todos os índices internacionais e pelas dores de cada cidadão na luta desigual entre o poder do Estado, a arbitrariedade governamental e a inclinação da balança da Justiça, onde a vaidade, a prepotência e o desprezo pela vida e pelo país é uma verdade indesmentível como provam as prioridades atendidas que nunca são as prioridades necessárias, se perde Angola todos os anos sem braços para receber, acarinhar e proteger cerca de um milhão de novos filhos paridos para lutar pela vida.

Estes filhos que crescem na adversidade, que aprendem a conviver com a morte desde muito cedo e que nasceram isentos de medo, estão cada vez mais fortes, mais conscientes e mais solidários na defesa de um país para todos que, independentemente da falta de vontade de uma minoria egoísta e isenta de afectos, um dia vai acontecer e vai garantir o nascimento de uma Nação FELIZ que concretize a máxima do Paulo Flores quando canta "Era para ser NÓS TODOS".