Estas foram duas notícias divulgadas na semana passada pelos órgãos de comunicação social num espaço de três dias (27, 28 e 29 de Outubro), mas não provocaram grandes reacções ou acesos debates nos media ou mesmo até nas ditas redes sociais. As instituições denunciam essas situações, assumem a sua incapacidade para preveni-las, a sociedade não desperta, nem se mobiliza em torno desses casos.
A sociedade (os defensores da moral e dos bons costumes, os paladinos das nobres causas que há semanas exaltavam e vangloriavam um professor que levou alunos menores para uma manifestação de rua em defesa de melhores condições de ensino) assiste impávida e serena, não tuge nem muge quando o director do INAC, durante a Campanha Nacional de Prevenção e Combate à Violência contra a Criança, avança que "a instituição registou 1.116 casos de violência sexual, dos quais 250 praticados por agentes de educação", tudo no período que vai de Janeiro a Agosto deste ano. Professores e agentes de educação que deviam educar e instruir as crianças, que deviam proteger e criar condições para uma aprendizagem e desenvolvimento saudáveis, são os que as abusam e as exploram.
Existe também um clima de impunidade total que surpreende até o próprio INAC, pois os professores acusados de violação não estão e nunca foram detidos porque chegam a acordos com os familiares das vítimas a quem dão mensalmente entre 25 e 50 mil kwanzas. Os colegas sabem, as direcções das escolas sabem, os familiares das crianças sabem, o INAC sabe, a situação persiste e ficamos apenas pela sensibilização, recomendações e nada de responsabilizações.
O caso das "crianças aranhas" das centralidades é daqueles enredos que deixavam qualquer produtor de Hollywood boquiaberto ao perceber que o futuro dos filmes de "Homem-Aranha" nas próximas décadas estaria garantido com estes actores da vida real que andam a escalar edifícios no Sequele. Estas 11 crianças dos seis aos 13 anos estão sob custódia da Polícia Nacional, há vários dias. Os pais serão convocados para ver se há ou não necessidade de os enquadrar em instituições adequadas à sua reintegração.
Estas crianças são aliciadas, manipuladas e usadas por adultos que comandam grupos que se dedicam a assaltos a apartamentos no Sequele e a outras centralidades. Pobreza, desestruturação familiar, falta de acesso à educação e ensino, falta de equidade e de inclusão social são apenas situações que ajudariam a tentar perceber esses fenómenos destes "alpinistas mirins" que invadiram o Sequele.
No mês passado, Joana Fortunato Abraão, oficial de Nutrição do UNICEF, fez a apresentação do relatório da "Situação da Menina Adolescente em Angola" durante o Momento Estratégico de Reflexão do UNICEF em Angola. E neste documento revela que uma em cada três meninas engravida antes dos 19 anos. Uma em cada quatro meninas é vítima de violência, também que apenas quatro em cada 10 meninas em Angola sabe ler e escrever. Perante este cenário, ela deixou uma espécie de chamado para acção, em que defende que precisamos todos de agir agora e de criar um novo ciclo para o País, para o UNICEF e para o mundo. Derrubar barreiras que estas meninas enfrentam e afastar os limites aos acessos. A autora defende que urge criar estratégias e agir.
Cresci a ouvir dizer que a criança era o futuro da Nação, que havia esperança num futuro próspero para todas as crianças. Hoje, deixamos de ter certezas e ficamos pelas indagações. Que futuro? Que Nação? Que pode haver esperanças para o futuro de crianças que são abusadas e exploradas em casa e nas escolas? Crianças que acabam engravidadas por familiares em casa ou pelos professores nas escolas? Que futuro para menores que, no momento em que deviam estar em casa e ao lado de familiares, estão a "escalar" edifícios para assaltar apartamentos? Qual é o "futuro da Nação"?