A entrevista de Rui Falcão à LAC foi um recado directo e uma mensagem de que os militantes não vão alinhar na narrativa de um terceiro mandato. Foi uma espécie de deja vu: Rui fez a João aquilo que, no início do século, João fez a José. Rui "trancou" João e encostou-o às cordas. Neste deja vu, João Lourenço não deixou Rui Falcão a fazer uma travessia no deserto como José Eduardo dos Santos fez consigo e, esta semana, nomeou-o para o cargo de ministro da Juventude e Desportos. Não se sabendo se numa estratégia de o acomodar ou o condicionar. A indicação de Esteves Hilário (EH) para o lugar de Rui Falcão como responsável pela Informação e Propaganda do MPLA pode ser um sinal de renovação geracional e também da necessidade de o partido assumir e incorporar novas dinâmicas comunicacionais. EH é um jovem educado e inteligente, mas que ainda não tem o perfil adequado ao cargo, nem domina a máquina do partido. Vai precisar de tempo, de apoio e de espaço. A comunicação no MPLA tem nuances próprias e obedece a certos condicionalismos. "Nesta fase do campeonato, as pessoas estão a fugir e não querem ser nomeadas", confidenciaram-me alguns membros do Comité Central (CC) do MPLA. E daí que até chegar à opção Esteves Hilário não deve ter sido fácil. Vai ter de fazer a transição da propaganda para o marketing político, fazer que o MPLA adopte um discurso que lhe permita chegar ao público que está fora do seu quintal.

"João Lourenço não tem agora alternativa senão apostar no aprofundamento de uma cultura de liberdade que ajude a retirar o MPLA do confinamento e a reduzir, a nível da sociedade, o distanciamento entre governantes e governados", escreveu Gustavo Costa no artigo intitulado "Ruptura com o presente. Será desta?", publicado no NJ de 05 de Março de 2021. A necessidade de maior abertura e de aprofundamento da cultura da liberdade interna. Os resultados das eleições de Agosto de 2022 e principalmente a derrota em Luanda advêm de uma resistência passiva às lideranças do MPLA. As bases estão descontentes e desmotivadas. As nomeações por conveniência e nepotismo estão a prejudicar o partido e a criar muitas resistências. O combate à corrupção não tem sido encarado da mesma forma por grande parte dos militantes, ainda existe um sentimento de perseguição de grupos. A democracia interna está limitada, as pessoas têm medo de falar, de questionar e de aparecer. As redes sociais passaram a ser o novo muro das lamentações de muitos militantes.

É preciso que o MPLA perceba que há uma nova geração de militantes que vai mostrando alguma resistência em aceitar o funcionamento da sua máquina partidária, que reage de forma activa à ausência de espaços de liberdade de expressão no interior das estruturas partidárias, que recusa certas formatações e fanáticos. Uma geração de militantes que já não se revê em ideologias utópicas e que já não alinha em certos cultos de personalidade. São eles que, quando não encontram espaços ou liberdades no interior das estruturas partidárias, acabam por criar espaços, canais e alternativas para fazer sentir a sua voz, caso não o consigam, avançam para uma resistência passiva. Fingem que está tudo bem, que estão com o Chefe e as lideranças, mas agem em sentido contrário.

A questão da possível alteração da Constituição para possibilitar um terceiro mandato a João Lourenço é algo que divide muitos militantes, que fragiliza o partido e faz crescer estes focos de resistência passiva. João Lourenço tem de olhar mais para o interior do MPLA, tem dialogar mais com certas estruturas internas.

Se o partido é quem define a estratégia do Executivo, não se percebe como é que os militantes não têm conhecimentos ou desconhecem certas estratégias ou alinhamentos do Executivo. O alinhamento do País ao Ocidente, no caso os EUA, e o afastamento de parceiros tradicionais como a China e a Rússia é algo que ainda não foi bem explícito, clarificado e fundamentado em sede do MPLA. Mais do que apresentar diagnósticos é preciso avançar para as terapias.

É preciso perceber que alguma coisa não vai bem e que se precisa mudar. Quanto mais a política partidária for um palco de vaidades, de combate de egos, de intolerância democrática, de radicalismos e de afirmação do poder pelo poder, de afirmação de interesses de grupos, de ausência de estruturas internas para o debate de ideias e pluralismo, enquanto for tudo isso e mais alguma coisa, mais espaço vai-se criando para uma resistência passiva generalizada. Os sinais estão aí e são preocupantes.