Estes cartões especiais tinham um valor fixo e só podiam ser usados para comprar certos produtos básicos, como arroz, farinha, óleo, açúcar, sal e sabão. Não dava para comprar mais do que o permitido. Os produtos eram racionados e escassos, e muitas vezes as lojas ficavam vazias com prateleiras cheias de nada ou lojas com filas enormes de pessoas à espera de um quilo de qualquer coisa.
Esta medida, que se apregoava ser temporária, permaneceu durante largos anos, escondendo a inflação e a crise económica que assolava o País, esperando por anos de abundância e prosperidade que não chegaram para todos os angolanos. Nas habituais filas, trocavam-se conversas, partilhavam-se sonhos e planificavam-se pratos gourmet não tanto pelos sabores explosivos, mas mais pela escassez.
Bastaria uma loja receber um produto para ver uma fila ou bicha, termo que parece cada vez menos politicamente correcto por conta da harmonização linguística e pela salvaguarda da diversidade, crescer de forma assustadora serpenteando por entre prédios.
Não era relevante que produto era, mas, sim, que houvesse alguma coisa que poderia servir para comer, trocar ou mesmo vender no mercado negro, agora informal. Com duas grades de cerveja, dava para comprar um bilhete para Lisboa. Por vezes, o produto em excesso era o bacalhau que agora tem restrições na bagagem da nossa companhia de bandeira.
Os cartões de abastecimento que foram uma recordação amarga de um tempo difícil da história angolana foram sendo substituídos por outros cartões e senhas que servem para beneficiar alguns. Senhas de presença, cartões de comunicações, saldos em lojas alimentares, carregamentos de combustível, bilhetes de facilidade, são muitos dos exemplos de benefícios distribuídos ao longo dos anos. Mais imaginativos e lucrativos foram técnicas apuradas como os funcionários fantasmas, as propinas de agilização e os pais na cozinha.
Agora chegou o cartão de combustível que permite descontos na compra de gasolina para os taxistas e moto-taxistas licenciados, bem como pescadores artesanais. Um empurrão para a legalidade, mas também abrindo espaço para a negociata.