O que leva um ex-primeiro ministro de Portugal a tutelar a criação de uma associação de e para a Diáspora angolana e o País, definindo, inclusive, os estatutos dessa proto-organização?

Partindo da declaração do grande pensador africano do Burkina Faso, Joseph Ki-Zerbo, de que a "posição colonial e neocolonial não mudaram", percebe-se a apetência de Durão Barroso em tutelar um processo que deve ser da iniciativa e responsabilidade dos próprios angolanos.

O político português, que, em 2014, saiu da liderança da Comissão Europeia directamente para a Goldman Sachs, instituição financeira que incentivou os seus clientes a investir no colapso de economias europeias mais frágeis, como a da Grécia, olha agora para as Diásporas da CPLP como o seu próximo palco.

A polémica contratação de Durão Barroso pela Goldman Sachs deu-se no momento em que eclodiu a bomba da crise do subprime (bolha do imobiliário), que levou à perda de milhões de dólares em empréstimos bancários impossíveis de pagar.

Tal como aconteceu com a Grécia, com a bolha do imobiliário, a instituição de que Durão Barroso se tornou lobista promoveu práticas financeiras questionáveis, ao apostar no falhanço desses pagamentos.

Durão Barroso, que se prepara agora para criar uma federação/fundação dos conselhos das diásporas da CPLP, percebeu que, para concretizar o seu plano, precisava, primeiramente, de colmatar essa lacuna angolana e, vai daí, seduziu uma angolana miss e outros impondo-lhes o seu projecto.

E, para apressar o processo, certamente, convencido de que estava a lidar com "acéfalos", tirou da cartola uma coisa a que chamou de "Projecto Conselho da Diáspora Angolana (CDA)", com estatutos e tudo mais.

Talvez para justificar e credibilizar esta sua iniciativa de intromissão na vida dos angolanos, anunciou que o projecto conta com incentivos por parte de altos dignitários de Portugal e da ONU.

Lobista profissional, Durão Barroso, que conhece o poder da beleza física na História da Humanidade, passa, com a sua atitude, um atestado de menoridade aos políticos, activistas, artistas, académicos e intelectuais angolanos.

Ao fazer de tutor de uma organização que deve, primeiramente, ser do interesse e visar os desígnios dos angolanos, individual e colectivamente, o antigo governante de Portugal parece não ter aprendido as lições da História.

O ex-medianeiro do precipitado e fracassado Protocolo de Bicesse, que, em vez de Paz, provocou milhares de mortes e desgraça aos angolanos, acha que, para tratar de questões sérias angolanas, basta a beleza e pouco mais, como se de entretenimento se tratasse.

Preparado que está para assumir-se como criador e, possivelmente, líder visível ou na sombra de uma hipotética federação dos conselhos das diásporas da CPLP, o influencer luso tenta mais uma vez impingir aos angolanos a sua "milagrosa" fórmula de unir e reunir os cidadãos nacionais e o País, tal como fizera com Bicesse, em 1991.

No encontro acima referido, quando confrontado com a existência de projectos do género, pensados e elaborados por angolanos, o lobista Barroso mandou ignorar tudo quanto tenha sido feito sem o seu beneplácito, classificando os projectos, mesmo sem os conhecer, de "sem importância".

Sem importância, porque não passaram pela bênção de um representante de Portugal que deve continuar a tutelar um País que, apesar de todas as dificuldades, quer continuar a ser dono do seu destino?

Como podia ter importância, se foi feito por angolanos, visando a sua contribuição e ajuda ao País, o reforço dos laços entre instituições diaspóricas e a Pátria, tendo em conta a angolanidade e a inserção do País em África, primeiramente, e, consequentemente, no Mundo?

Durão Barroso, lobista da globalização, quer, certamente, que Angola continue a ser "um corpo inerte, onde cada abutre vem debicar o seu pedaço", na expressão de Agostinho Neto.

O que não interessa ao político português saber é que o projecto da Diáspora, sem tutela do antigo colonizador, entregue na Presidência da República, em Luanda, pelo jornalista Carlos Gonçalves, defende que "o aproveitamento do potencial da Diáspora Nacional Angolana passa, entre outros, pela realização de encontros periódicos entre o Presidente da República e a Diáspora".

Este Conselho da Diáspora Angolana (CODIA) é um projecto escrito há mais de dois anos por angolanos conhecedores e defensores da História, realidade e cultura angolanas.

Na proposta, subscrita por três individualidades angolanas na Diáspora, entre as quais o malogrado médico Miguel Kiassekoka, lê-se que o CODIA tem por objectivo "ajudar a levar ao País o que a Diáspora faz nos países de acolhimento e contribuir para melhorar a imagem do País e uma melhor inserção daqueles que têm maiores dificuldades".

O CODIA, defendem os promotores, teria também como missão "identificar angolanos com influência, espalhados pelo mundo, com capacidade e sensibilidade para contribuir para o desenvolvimento do País e assegurar melhor coordenação e eficácia de apoio ao investimento da Diáspora no País".

Desempenhar o papel de facilitador entre a Diáspora e as instituições nacionais no interior e no exterior de Angola e desenvolver campanhas de informação junto da Diáspora e dos países de acolhimento sobre as potencialidades nacionais e a importância dos investimentos da Diáspora são tarefas do CODIA, segundo o projecto dos angolanos.

Numa altura em que não estava prevista a revisão constitucional que já incluiu o voto da Diáspora nas eleições gerais, os subscritores propuseram a nomeação de um ou mais membros da Diáspora para Conselheiro da República ou pelo menos a sua participação, como convidado, em reuniões do Conselho da República.

O documento angolano decorre do espírito da União Africana (UA), de que Angola é um destacado membro, nomeadamente da decisão da UA de fazer da Diáspora africana a sua sexta região, e encontra respaldo na Década Internacional (da ONU) dos Afrodescendentes.

Abordar, em Portugal, o papel da Diáspora angolana e a sua relação com o País, excluindo figuras de relevo dos meios académico, cultural, científico, entre outros, parece pouco sério.

Ignorar gente que pensa, analisa, com ideias e trabalhos feitos sobre a Diáspora angolana, seu posicionamento perante o País e seus problemas, é declaradamente má-fé.

Durão Barroso limita-se a pensar nos angolanos da Diáspora em Portugal com o mesmo cérebro ainda ligado ao passado colonial, esquecendo, desconhecendo ou menosprezando a forte presença de cidadãos angolanos na Zâmbia, nos Congos, em França, na Bélgica, na Alemanha e nos Estados Unidos, congregados em organizações como a Voz dos Angolanos na Diáspora com mais de 300 membros ou a Plataforma Reflexão Angola.

Preparado para "vender" o seu "genial" projecto ao Presidente João Lourenço, o ex-primeiro ministro do Governo do PSD impôs à miss e companhia o seu Projecto, definido como uma "Associação/Fundação privada sem fins lucrativos, sob o Alto Patrocínio de Sua Excelência o Presidente da República - igualmente Presidente Honorário do CDA".

E tenta fazer uma cópia fiel da realidade portuguesa, ao atribuir a vice-presidência honorária da organização a um inexistente ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros de Angola. Ou será de Portugal?

Durão Barroso apresenta ao Poder angolano um projecto que apenas relaciona a Diáspora de Angola com o comércio de compra e venda, contra a proposta nacional de relacionamento que valoriza os cérebros e o patriotismo dos angolanos com a sua origem.

É um Durão Barroso que fez parte do Governo de Portugal que, em 1987, votou na ONU a favor do apartheid e contra a libertação de Nelson Mandela, que vem hoje definir como e quem deve ser "Conselheiro Angolano no Mundo (CAM)".

Tem razão Jack D. Forbes, poeta e ensaísta americano, quando escreve que "os imperialistas, violadores e exploradores não são propriamente pessoas que se perderam pelo caminho errado. São pessoas enfermas do ponto de vista mental e, o que é trágico, é que a forma assumida para esta patologia se continua a revelar infecciosa e alastra".

Mais de 45 anos depois do fim da colonização, 46 anos após o fim da ditadura e do fascismo em Portugal e 30 anos depois do apressado e fracassado Protocolo de Bicesse, há quem nitidamente quer que os seus antigos "territórios ultramarinos" continuem sendo propriedade sua.

Desta forma, estimulam a divisão entre angolanos, criando uma conjuntura favorável para o (re)aparecimento de figuras apresentadas como unificadoras dos angolanos, que qualificam como gente com debilidades, incapazes de se unirem e ultrapassarem os seus dilemas, as suas makas, sem os habituais vendedores de banha de cobra.

Quase meio século depois, é expectável que Angola e os angolanos tenham relações saudáveis com todos os povos e países sem qualquer submissão e sem tutelagem, num espírito contra a recolonização do País.

Porque, escreve o pai do pan-africanismo, Kwame Nkrumah, "o neocolonialismo, sob todas as formas, impede o estabelecimento de uma independência real".

*Jornalista e presidente da PADEMA - Plataforma para o Desenvolvimento da Mulher Africana. Foi delegada da Angop em Portugal.