O mundo estava em mudança, os americanos lutavam para manter o equilíbrio de décadas passadas, mas os direitos dos negros americanos que sobressaíam de um tapete velho e debotado e os protestos contra a guerra no Vietname amadureciam a ressurreição dos demónios de outras batalhas.
Naquele significativo 03 de Agosto de 1968, Leonid Brejnev anunciara na Cimeira do Pacto de Varsóvia que nenhum partido comunista devia desviar-se dos princípios do Marxismo-Leninismo, se quisesse continuar a sê-lo. Estava declarado que seria impossível continuar a manter um enredo cor-de-rosa, assim como qualquer ideologia ou sistema político económico por muito mais tempo.
Contudo, para Portugal jogar o tudo ou nada nas suas colónias, era algo a perpetuar, e as transformações que eclodiam por todo o lado não tinham significado ou correspondência ameaçadora.
Vinte anos antes, surgiu no País o movimento cultural "Vamos Descobrir Angola", que reflectia sobre o desejo de jovens negros angolanos de conhecerem a sua terra, pois a história que aprendiam era bastante diferente da sua realidade e identidade.
A corrente que evoluiu e foi alicerce da Luta de Libertação Nacional foi, sem dúvida, um indício da necessidade reformista ignorada por Portugal.
Se a cadeira de Salazar não lhe tivesse pregado uma partida, os anos (4) que antecederam a revolução dos capitães poderiam ter sido muitos mais, mas a nossa narrativa oculta este facto e sua importância para a independência, da mesma maneira que oculta nomes e acontecimentos históricos porque ao longo de anos foi se figurando apenas o que era da autoria e do interesse de quem lidera o País.
As lacunas do nosso nacionalismo estão na exasperação de quem escreveu a cronografia, não contemplando outros elementos da história como o 04 de Fevereiro, por exemplo, e a participação da UPA e de Cónego Manuel das Neves; o Governo de Transição; a declaração da independência pela UNITA no Huambo e pela FNLA no Ambriz; a criação da Ponte Aérea entre Luanda e Lisboa, que promoveu a saída de pelo menos 300 mil migrantes de Angola. Durante a minha infância, várias vezes me perguntei o seguinte: Como é que os meus familiares haviam chegado a Lisboa? Como é que o meu tio Júlio havia chegado a Joanesburgo e mais tarde a Los Angels? Se aparentemente era uma questão de tom de pele, porquê que a minha avó Paula havia ficado em Luanda sem ser retaliada? Questões que vi respondidas anos mais tarde em livros escritos por autores portugueses.
Angola soma a sua cronologia sem referências e interpretação de figuras, algumas maioritariamente fora do MPLA, mas outras a si afiliadas. Viriato da Cruz, Ilídio Machado e Mário Pinto de Andrade, resgatados na liderança João Lourenço, o primeiro foi reconhecido com o Prémio Nacional de Cultura e Artes em 2018 e os outros como primeiros presidentes do partido, são consequências de uma tese egoísta e narcisista muito em voga entre as chefias providas de autoritarismo.
O País sofreu com esta antítese singular e partidária que deixou no pseudoanonimato nomes como Holden Roberto, Daniel Chipenda, Joaquim Pinto de Andrade, entre outros. Protagonista notável, Holden Roberto faleceu em 2007, aos 84 anos, fragilizado e sem reconhecimento de um líder histórico.
Hitler, principal instigador da 2.ª Guerra Mundial e do Holocausto, consta da história alemã e é estudado em todo o mundo. As crianças e jovens alemães crescem sabendo que Adolf Hitler acreditava na higienização racial e, apesar das repercussões que isso possa ter nas novas gerações, o Chanceler do Reich não foi banido.
Neste diapasão, Jonas Savimbi, cuja morte simbolizou o fim da guerra civil, deve ser tido em consideração pelos historiadores e sem visões apaixonadas.
No passado dia 14 de Fevereiro, Ngola Kabangu, destacado político da FNLA e nacionalista angolano, comemorou 80 anos, rodeado de familiares que têm sido o seu esteio nestes últimos tempos. Colocado na penumbra, por uma quase eternidade foi convidado para o almoço em comemoração aos 60 anos do início da Luta Armada no Palácio Presidencial em 2021. De lá para cá, tem reavido a sua dignidade e é nesse propósito que observo que João Lourenço empreende o esforço de ser o Presidente de todos os angolanos. Não apenas por Ngola Kabangu, mas por outros exemplos uns mais anónimos e outros menos, já que os mais de 40 anos de independência ergueram fossos e "cortinas de ferro" que devem ser desabados com recuos à memória, com reconhecimentos em vida e com novos votos.
Descobrir Angola é contar a história tal como ela, é dar possibilidade a todos de contarmos os eventos da linha do tempo sem traumas, dramas e desafectos.