A Avenida 5 de Outubro, em Entrecampos, registou no final da tarde de ontem (sexta-feira, 9 de Junho), uma movimentação fora do comum. Uma enorme fila de pessoas que começava no interior do hotel Vip Executive e se estendia pela rua a fora por mais de trezentos metros despertava a curiosidade de quantos passavam pelas redondezas.
O motivo podia ser desconhecido para alguns portugueses e cidadãos doutras nacionalidades, mas era certamente do domínio de todos os angolanos residentes na diáspora portuguesa e não só: a apresentação das "Confissões de um Estadista".
O livro da psicografa Solange Faria, com redacção e organização do jurista Benja Satula, por sinal, casados, apresenta, no dizer dos protagonistas, declarações feitas pelo ex-Presidente da República José Eduardo dos Santos através do seu espírito que ter-se-á encarnado no corpo da autora de 39 anos de idade.
Em 192 páginas, Solange e Benja falam em revelações supostamente feitas por Eduardo dos Santos sobre a sua trajectória, desde o período que antecedeu a sua indicação como Chefe de Estado angolano até a sua morte, a 8 de Julho de 2022, em Barcelona, Espanha, por doença.
"Não encontro repouso. Não encontro paz. Procuro conforto, mas não encontro. Sinto-me incapaz de solucionar o caos que causei, estou de rastos. Sinto-me louco, confuso. É sombrio o lugar em que me encontro, não há luz, não a encontro. Não consigo gritar porque ninguém me ouve, estou sozinho". É com este parágrafo que começam as "confissões" supostamente feitas pelo segundo Presidente de Angola a partir do além e que foram psicografadas por Solange Faria.
Tocando em assuntos que marcam a história recente de Angola, muitos dos quais considerados tabus ao longo dos tempos, como os episódios em torno da suposta tentativa de golpe de Estado em 27 de Maio de 1977, interferências e ingerências na vida doutros partidos, morte de Nfulupinga Victor, entre outros, Solange Faria e Benja Satula afirmam que todas as informações reveladas no livro são da sua inteira responsabilidade e que estão prontos para arcar com as consequências que daí advirem.
"Estamos preparados para que muita gente que está citada (no livro) venha dizer que o que foi publicado não corresponde à verdade, mas, verdadeiramente isso não nos interessa (...); a verdade foi exposta de forma destemida, honesta e sem subterfúgio", disse o advogado, referindo estar consciente de que muitos irão desacreditar o trabalho em causa.
O livro que vem a público sem a chancela de qualquer editora está a ser comercializado a 30 euros, e relata-se que só ontem terão sido vendidos cerca de 3.000 exemplares. Figuras como Justino Pinto de Andrade, Jacques Arlindo dos Santos, José Guerreiro, entre outras residentes ou não em Portugal fizeram questão de adquirir o um. Houve, entretanto, quem saísse do local com mais de dez exemplares, pois não parava de chover pedidos de muitos que estiveram ausentes.
As opiniões sobre a veracidade das alegadas "confissões" divergem. Muitos são os que, mesmo sem ter lido o livro, consideram que o mesmo é uma farsa e tentativa ganhar protagonismo, outros tantos pensam que é sim possível falar com mortos, dando exemplos de situações semelhantes que ocorrem pelo mundo.
"Se alguns governantes do MPLA tiverem um pouco de coragem vão reconhecer o meu rosto; não é a primeira vez que falo sobre isso, porque já tive contacto com estas pessoas muito antes de começar o processo de transição feito pelo presidente dos Santos", conta Solange Faria.
A psicógrafa refere que foi a partir de 2013 que começou a ter manifestações de que deveria falar com pessoas do partido no poder para fazer chegar ao ex-Presidente a mensagem de que era altura de fazer a transição do poder político.
A autora conta que antes mesmo de começar a ter contacto com José Eduardo dos Santos, teve alguns "encontros" com Sindika Dokolo, esposo de Isabel dos Santos, depois de este ter morrido, que lhe aparecia em forma de borboleta, o qual deixou algumas cartas para a filha primogénita do antigo Presidente angolano.
Quanto ao contacto com José Eduardo dos Santos, segundo a autora, terá começado na altura em que o mesmo entrou em estado de coma, e no diálogo o ex-Presidente terá lamentado a falta de união entre os seus filhos, além doutras situações que levaram o país ao estado em que se encontra.
O início da vida político-partidária, a relação com Nito Alves, Lúcio Lara, Paulo Jorge e a direcção do MPLA, a abolição da pena de morte, a entrada da China em Angola, João de Matos, a constituição de 2010, resultados eleitorais e lugares no parlamento, eleições presidenciais e confronto com Jonas Savimbi, eleições autárquicas, alta autoridade contra a corrupção, Ricardo de Melo, a Sonangol, a família de Agostinho Neto, entre outros, fazem parte dos cerca de noventa subtítulos que compõem o livro.
"Graças a Deus, hoje tenho uma nova visão de quem foi José Eduardo dos Santos; não estou em condições de julgar esta pessoa. Quem terminar de ler a obra vai perceber que não tem só confissões de José Eduardo dos Santos; por intermédio dele, o Presidente Agostinho Neto e Jonas Savimbi também deixaram algumas palavras", disse a psicógrafa, referindo que este livro é apenas a entrada e que o prato principal vem a caminho.
"Espero que as mesmas pessoas que andaram a nos destratar em Angola gratuitamente tenham a mesma energia quando eu for lançar, em Dezembro ou Janeiro, a obra que praticamente já terminamos de psicografar sobre a Rainha Elizabeth", concluiu.
O livro deverá ser apresentado em Luanda no dia 28 de Agosto, data em que José Eduardo dos Santos completaria mais um ano se estivesse em vida. No entanto, o advogado Benja Satula denunciou a existência de forças que estarão a tentar impedir a entrada do mesmo em território nacional.