Em entrevista à DW, a filha do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos diz que tem a visão de que o país precisa e considera que nem o MPLA nem a UNITA têm condições para representar essa viragem exigida pelos angolanos.
"Eu cresci em Angola, sou angolana, e quero servir o meu país... se um dia tiver oportunidade de transformar o meu país num país melhor, e ajudar a que tenha a visão que precisa, sim, darei esse passo e acredito que há muitas pessoas que estarão comigo", aponta Isabel dos Santos.
Aquela que já foi a mulher mais rica de África diz ainda que a sua eventual corrida à Presidência terá sucesso em resultado das mudanças que ocorreram no país: "Angola mudou e precisamos de novas ambições e de um novo futuro político".
E admite ainda poder vir a criar um novo partido em Angola que possa encarnar essa nova visão que diz ser necessária.
"Angola precisa de um partido novo, precisa de uma nova visão", disse, acrescentando nesta entrevista à DW que os jovens, que são a esmagadora maioria da população, cuja média de idade é inferior a 20 anos, em Angola "não se revêem nestes partidos" históricos.
"Somos 32 milhões de pessoas, somos muitos!", enfatizou.
Sobre as críticas que tem lido nas redes sociais a seu respeito, como o facto de estar fora do país quando poderia dar a cara à luta, Isabel dos Santos responsabilizou a Procuradoria-Geral da República (PGR) pela sua ausência de Angola há vários anos.
A filha mais velha de JES explicou que nem sequer votou por não lhe ter sido possível e explicou que não está no país porque em Angola não pode ter salário, pagar água, luz, uma renda de casa...
"Eu não votei sequer... eu não estou em Angola porque em Angola não posso ter salário, não posso pagar renda, pagar a água...", disse e sublinhou explicitamente: " A PGR proibiu-me de ter qualquer rendimento para poder sobreviver em Angola".
"Mesmo que quisesse ir a Angola, não poderia... Eu não posso ter um kwanza para poder comprar pão...", acrescentou ainda a empresária que já dominou as maiores empresas angolanas, da Sonangol à UNITEL, tendo referido nesta entrevista que está a ser perseguida e acusada para que a sua quota na maior empresa de telecomunicações possa ser "vendida a amigos".
E deixou ainda claro que nas últimas eleições, ao contrário do que foi vastamente divulgado, não apoiou a UNITA, tendo-se mantido "neutra", admitindo, contudo, que o resultado foi envolto em "muita controvérsia", especialmente porque não foram divulgadas as listas, como a oposição exigia.
"Nas últimas eleições mantive-me neutra... UNITA e MPLA são partidos históricos e eu não me revejo no que estes partidos históricos propõem. EU faço parte de uma nova geração. Respeito a luta de um e de outro, a sua história, mas não me identifico com estes partidos", disse.
Sobre o MPLA, partido em que militou durante largos anos, Isabel dos Santos admite agora que se "tornou um partido corrupto" que não está à altura dos desafios do futuro.
"Angola precisa de um governo à altura. Hoje acredito que o partido que está no poder não é o partido certo para gerir as expectativas dos angolanos", apontou ainda nesta entrevista conduzida pela jornalista Sandra Quiala, da DW.
E acrescentou: "Dificilmente nestas condições, enquanto o MPLA estiver no poder, haverá investimentos em Angola. É preciso uma mudança, os jovens precisam de empregos, de salarios, de comprar casa. As famílias querem educar os seus filhos...".
"O MPLA tornou-se num partido corrupto, tornou-se num partido, com vícios e que não respeita a lei", acusou, embora seja publico e notório que desde que o seu pai deixou o poder, em 2017, a sua relação com o partido sofreu uma forte degradação, especialmente depois de lhe terem sido abertos diversos processos por corrupção e desvio de dinheiros públicos, que a PGR diz atingir os 5 mil milhões USD.
Dificilmente nestas condições, enquanto o MPLA estiver no poder, haverá investimentos em angola, é preciso uma mudança, os jovens precisam de empresas, salarios, de comprar casa. As famílias querem educar os seus filhos...".
Luanda Leaks, uma invenção
Isabel dos Santos aproveita ainda esta entrevista à DW para voltar a atacar o sistema judicial angolano, numa altura em que a PGR acaba de lançar um mandato de captura internacional via Interpol, embora os seus advogados tenham já vindo a terreiro garantir que tal ainda não consta da "agenda" desta polícia internacional.
Focando a sua atenção no dossier Luanda Leaks, uma operação de investigação jornalística desencadeada em 2020 pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) - ver aqui, aqui, aqui e aqui- através de centenas de milhares de ficheiros que lhes foram enviados anonimamente, e que expos anos a fio de esquemas alegadamente ilegais que permitiram à empresária enriquecer grandemente.
Sobre esse escaldante dossier, que virou a sua vida do avesso, Isabel dos Santos diz não ter dúvidas de que se trata de "uma manipulação grosseira", sugerindo que se tratou de "uma encomenda do Estado angolano" que a escolheu como alvo, "por razões políticas" tendo, para isso, "manipulado jornalistas, colocando nas mãos de jornalistas informações que não eram verdadeiras, convencendo-os de coisas que não eram verdade...".
E perante isto, acrescentou, "é normal que nos países em que essas alegações incidem, sejam abertas investigações ou inquéritos", ou seja, neste momento, lança o último cartucho, "não há investigações judiciais" contra si, o que há é inquéritos, "porque as autoridades judiciais querem saber se é verdade o que está a ser alegado nos jornais...".
"Em Portugal, que eu saiba, existem oito inquéritos, porque ocorrem em segredo de justiça, e eu própria não tenho acesso a esses dossiers, leio muitas coisas nos jornais... estes inquéritos são fruto das alegações que surgiram na imprensa, e é a partir deles que as autoridades decidem se há ou não uma acusação, não existem, portanto, processos judiciais... estes só serão abertos se houver uma acusação, o que não é o caso...", explica.
O Luanda Leaks "foi uma encomenda", insistiu. Mas, como tem a certeza disso, Isabel dos Santos diz que isso é deduzível "a partir da quantidade de notícias falsas que estavam lá dentro", dando como exemplo a alegada transferência de mais de 135 milhões de dólares para uma offshore embora "nunca foi este dinheiro transferido para nenhuma offshore...".
"Eu tinha de perceber de onde é que vinha esta informação e foi ai que percebi que eram informações falsas que estavam a ser veiculadas pelo Estado angolano, pela PGR...", descreveu.
"Diziam que eu não tinha pago aos consultores da Boston Consulting Group ou da Mckinsey, que estavam a trabalhar na Sonangol e que tinha desviado esse dinheiro. Mas, mais tarde, essas empresas de consultoria internacional vieram atestar que tinham recebido esse dinheiro", o que demonstra, segundo a filha mais velha do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que se tratou de uma alegação sem fundamento
Avança mesmo que as provas de que se trata de informações falsas foram fornecidas em fase de inquérito, há mais de um ano, e diz que "o juiz decidiu que sim, que os consultores foram pagos, e os serviços foram prestados...".
"Essas empresas continuam a trabalhar em Angola com o Estado angolano", exclama, acrescentando a ideia de que se houvesse algo de ilegal no seu comportamento, tal não sucederia.
Os jornalistas foram usados
"O Presidente João Lourenço decidiu usar a família dos Santos como uma espécie de símbolo, quer provar ao mundo que JES era mau Presidente e os filhos eram culpados...", procura realinhar os seus argumentos colocando de novo o actual PR na linha de fogo.
E, para isso, com as perguntas feitas de forma adequada a seguir este guião, Isabel dos Santos coloca em cena a nacionalização da sua quota na maior empresa de telecomunicações do país, a UNITEL, que diz ter sido "é um roubo".
"A UNITEL foi criada em 1998 e há dois anos o Presidente João Lourenço mandou pagar mil milhões de dólares por 25%, mas as restantes participações, mandou nacionalizar... e o decreto da nacionalização diz que a empresa é boa, tem boa tecnologia... qual, então, a razão para esta nacionalização?".
Na resposta, a própria explica: "Todas estas acusações, a perseguição, a campanha, para desacreditar a minha obra, para manchar a minha reputação, foi para justificar a nacionalização da UNUTEL para depois a vender aos amigos...".