Os ponteiros do relógio batiam nas 4H00 da madrugada do dia 2 de Fevereiro de 1999, quando um avião do tipo Antonov-12 despenhou-se no município do Cazenga, deixando um largo perímetro em chamas. Informações a que o Novo Jornal teve acesso dão conta que, momentos antes de cair e pouco depois de descolar do Aeroporto 4 de Fevereiro, a tripulação do aparelho declarou uma situação de emergência.

Seguia em direcção a Lucapa, província da Lunda-Norte. Ficou pelo caminho, no início da viagem. O excesso de carga foi a causa apontada para o acidente. Comunicámos de imediato ao piloto e ao comandante para aterrarem no marco histórico do Cazenga, já que na altura era uma zona descoberta.

Mas, infelizmente, eles não foram a tempo de tomar aquela direcção. De repente, sentimos o corte na ligação, o que nos levou a pensar que o avião tinha caído. E, de facto, era verdade, recorda um engenheiro mecânico ligado à companhia responsável pelo aparelho. De acordo com o engenheiro, a bordo do aparelho civil seguiam 33 pessoas, bens alimentares e combustíveis, que tinham como finalidade as populações carenciadas e uma base militar na Lunda.

Não houve sobreviventes entre os passageiros. Como deve calcular, na altura, todas as províncias eram abastecidas a partir de Luanda com este tipo de voos. As populações não podiam rasgar o asfalto em busca de comida, devido à situação de guerra que se vivia. Então, esses aviões é que ajudavam no transporte de pessoas e bens, lembra.

De acordo com o engenheiro mecânico, o avião de fabrico russo pertencia à companhia privada «SavanAir » e apresentava inúmeras debilidades mecânicas. Este não foi o único a cair. Tivemos outros tantos que caíram devido às manutenções que eram feitas, de forma paliativa. O país precisava de ser abastecido. Então vivíamos numa situação de sorte e emergência.

Famílias devastadas

A morte atingiu também quem estava em terra e foi vítima do desastre no Cazenga. Exemplo disso é a família de Lopes Luís. A queda do Antonov matou quatro pessoas que lhe eram próximas: Dois filhos, cunhado e a sogra.

A minha sogra dormia no mesmo quarto do meu cunhado. Os dois filhos estavam na sala. Uma das partes do avião despenhou-se sobre a casa, provocando o desabamento da residência causando morte imediata aos meus familiares. Nós tivemos mais sorte. Conseguimos escapar, pulando pelas janelas. Senão também morríamos, relata o chefe de família.

Pela sua voz perpassa a angústia, um tom de tristeza e pesar que vem à tona sempre que evoca a tragédia. Quem não escapou também à queda do avião foram duas irmãs e dois sobrinhos de dona Maria Ambrósio, que desde então vive sozinha e diz sentir-se desamparada.

Elas eram as minhas únicas irmãs. Na altura do acidente, eu não estava em casa. Quando soube do despenhamento do avião regressei de imediato ao bairro. Infelizmente tinham sido atingidas pela queda do aparelho. Só restavam os corpos, já sem vida, lamenta.

Passados 13 anos, as razões da tragédia ainda não foram divulgadas. Mas o engenheiro mecânico que trabalhava para a companhia explicou ao Novo Jornal que, na altura, foi aberto um inquérito para apurar o que tinha acontecido efectivamente.

Só tivemos tempo de recuperar a caixa negra que foi retirada do local com muita segurança. E, por despacho do Governo, foram baixadas orientações para apurarmos as razões da queda, mas até agora o resultado está guardado a sete chaves, afirma.

Segundo ainda a fonte, das análises preliminares, detectou-se que o excesso de carga foi uma das causas da queda do Antonov. Eram mais de 16 toneladas de produtos e um número elevado de pessoas. Penso que não houve capacidade suficiente para suportar o peso. Mas também não havia alternativa. É que o país precisava mesmo de ser abastecido, justifica, evitando responsabilizar alguém.

A situação que o país vivia é suficiente como razão, diz, aconselhando a que não se apontem mais culpados.

Um apelido de morte

Antes da queda do avião, a zona atingida era conhecida como Quarta Avenida. O nome original desapareceu para dar lugar ao bairro Antonov. Em memória das vítimas da tragédia, foi construído um marco que, por falta de manutenção, aos poucos, está a ser engolido pelo tempo.

As três árvores plantadas com o mesmo propósito ainda estão no lugar. De vez em quando, o local é aproveitado por muitos jovens para ali trocarem um dedo de conversa.

Na cabeça de dona Belita Balanga, moradora há mais de 20 anos na zona, as imagens daquele que considera ser o pior dia da sua vida ainda estão bem marcadas na sua memória.

Foram muitos corpos. Víamos em tudo quanto é canto corpos espalhados pelo chão. Foi muito triste mesmo. Inclusive lembro-me do corpo do piloto que estava bem em frente à minha porta. O Cazenga todo ficou de luto a chorar por aquela gente toda, assegura.

Mena Fonseca, que perdeu um irmão, disse que depois do acidente preferiu sair do Cazenga e não gosta sequer de ouvir o nome Antonov. É um apelido que me trás remorsos. Prefiro não recordar as vidas perdidas ali. Só Deus sabe, exclama.