Diante desta calamidade pública, o Novo Jornal procurou perceber como é o ensino nas escolas de condução e como as vias e automobilistas são fiscalizados pelas autoridades. Da parte dos responsáveis pela formação asseguraram que o ensino é feito com rigor. A polícia não está totalmente de acordo. Certo é que em todo o processo há muitas áreas cinzentas.

A preocupação com o ensino ministrado nas escolas de condução foi demonstrada pelos deputados da Assembleia Nacional, durante o debate sobre sinistralidade rodoviária no país, realizado na Assembleia Nacional, no passado dia 29 de Outubro.

Os professores encarregados da formação dos condutores, tecnicamente chamados instrutores, asseguram que ministram os cursos com rigor e qualidade. E atiram as culpas à Direcção Nacional de Viação e Trânsito (DNVT). Instrutores contactados pelo NJ passaram as culpas para a DNVT, (órgão responsável pelos exames de condução) baseadas em duas situações que consideram ser as principais causas pelos acidentes: O processo de atribuição das cartas e a não aplicação do conhecimento aprendido nas escolas de formação por parte dos automobilistas.

A Direcção Nacional de Viação e Trânsito nega a acusação e diz mesmo que as escolas são as responsáveis por toda a situação. Adilson Machado, instrutor da escola de condução São Jorge, situada no distrito urbano da Maianga, cidade de Luanda, atribui a culpa à DNVT, pois é quem tem o poder de avaliar e aprovar [ou reprovar] o requerente e a consequente entrega da carta de condução.

Quando se atribui uma carta de condução a um recém-formado, pode concluir-se que este, depois de ter recebido formação nas escolas de condução, foi encaminhado com êxito para a DNVT e com um certo conhecimento. Quando essa direcção faz a entrega do documento - a carta de condução - isso pressupõe que o cidadão está habilitado a conduzir nas nossas estradas, lembrou o instrutor.

O director técnico da Escola de Condução Clara, Fernando Domingos, lembrou que o especialista da DNVT que faz o exame de condução aos formandos é quem tem a última responsabilidade de avaliar, quem está sentado ali ao lado, com o volante nas mãos, antes de conceder o título que habilita qualquer cidadão a conduzir. E alguns dos instrutores ouvidos pelo NJ, chegaram mesmo a afirmar que há corrupção no processo de atribuição das licenças de condução e que isso, parte do interior da própria DNVT.

O processo fraudulento de aquisição da carta mediante o pagamento da famosa gasosa resulta em pelo menos 50 por cento dos acidentes rodoviários nas estradas nacionais asseguraram sem todavia mostrarem em que dados se baseiam para chegar àquele valor. A falta de rigor no momento da fiscalização rodoviária é outro efeito da corrupção, afirmaram. Ao invés de multarem os infractores como forma de repreensão, agentes da DNVT preferem a gasosa ou o saldo, legalizando desta forma, o desrespeito pelas regras de trânsito e da condução.

O actual quadro da sinistralidade rodoviária não é o resultado apenas do consumo excessivo de bebidas alcoólicas no exercício da condução. Em todos os países do mundo há condução sob efeito de álcool. O maior problema está na 'gasosa', sublinhou Adilson Machado. Como exemplo, o instrutor apontou: Quando um motoqueiro é interpelado por não ter capacete, não lhe é passada uma multa só porque deu 'gasosa' e segue a sua vida, isto quer dizer, que os responsáveis pela fiscalização não estão interessados no quadro em que o país se encontra a nível da sinistralidade rodoviária. Estão preocupados com a gasosa e os seus interesses pessoais.

João Cacungo, instrutor da escola Auto Pinto Bastos, com sede no Maculusso, destacou a necessidade de existirem câmaras de vigilância nas principais artérias e radares eficazes, como forma de combater este tipo de situações. Se aplicarmos câmaras de vigilância, muitas vezes, não será preciso ter um agente regulador de trânsito nas ruas, porque aquelas irão contribuir para a organização do tráfego rodoviário, salientou.

E também servem para penalizar as infracções. O instrutor lamentou a inoperância dos radares. Por exemplo, há automobilistas que passam o sinal vermelho, desrespeitando as regras da sinalização, e por vezes o dito radar, que controla os limites de velocidade numa via, acaba por não existir ou não funcionar, exemplificou.

AULAS NOCTURNAS

A maioria dos acidentes rodoviários é registada no período nocturno, segundo informou o porta-voz da DNVT, Angelino Sarrote. Perante esse dado relevante, o NJ questionou os responsáveis pela formação dos motoristas para saber se, por exemplo, são ministradas aulas nocturnas para dotar os automobilistas de destreza suficiente para uma condução à noite.

O NJ colocou a questão ao instrutor João Cacungo, o qual confirmou e existência de aulas de instrução no período da noite, mas desvalorizou a questão. Ministramos, mas o problema não reside exactamente nisso. É exactamente no período noturno ou no início do dia, principalmente às 04h00, que os sinistros mais graves acontecem porque, nesta ocasião, as estradas estão totalmente livres e, por não quererem aplicar o que aprenderam nas escolas, os automobilistas excedem os limites de velocidade e não respeitam a sinalização, justificou.

Fernando Domingos, director técnico da escola Clara, admitiu que não leccionam aulas de noite. Alegadamente não o fazem, porque a DNVT ainda não autorizou as escolas a ministrarem aulas de condução noturna.

Estão a ser feitos estudos que visam culminar numa norma que determinará em que condições terão de ser ministrados os cursos práticos de condução. As aulas práticas nocturnas ainda não foram aprovadas pela DNVT, mas estão em carteira. De momento, há estudos para tal, onde se prevêem três formas de ministrar aulas práticas: Em condições ambientais, a condução nocturna e a diurna, sendo que esta última já funciona, esclareceu Fernando Domingos.

Enquanto aguardam pela nova norma, o especialista advertiram que o importante é alertar os futuros condutores de que, quanto mais livres ficarem as estradas, mais acidentes acontecem, pelo que se apela junto dos estudantes, com insistência e perseverança, a uma condução defensiva.

Aconselhamos o aluno que a base para mudar este quadro da sinistralidade rodoviária, principalmente em Luanda, é utilizar o método que chamamos de condução defensiva, onde o condutor não conduz para o bem próprio, mas sim para o colega que está do outro lado e vice-versa, atestou João Cacungo. Porém, os instrutores lamentaram a não aplicação deste modelo de conduta rodoviária da parte dos cidadãos encartados, lembrando que, enquanto alunos, os automobilistas são sempre uns santos. Obedecem a todas as regras. Quando terminam o curso, aí surge o problema da consciência (ou falta dela).

Se adaptarmos este sistema de condução, acredito que vamos diminuir o problema da sinistralidade rodoviária. A maior parte dos acidentes que vimos em Angola é causada pela condução agressiva que muitos têm praticado, afirmou João Cacungo, defendendo por isso, uma atitude em que se mude a agressividade pela passividade.

A falta de iluminação pública também é apontada como outro factor responsável pelo elevado índice de sinistralidade rodoviária. Mas nem todos concordam com esta análise. O instrutor da escola São Jorge, Adilson Machado, foi categórico ao afirmar que a iluminação tem estado muito além daquilo que se regista em termos de acidentes.

Para o técnico, lá por a falta de iluminação tirar o sossego a quem está ao volante, isso não significa que seja o principal factor a contribuir para a ocorrência dos acidentes. A questão da iluminação das vias tem contribuído bastante para o aumento da sinistralidade rodoviária em Angola, porque, quando as vias estão iluminadas, o condutor ganha uma visão cromática que lhe possibilita fazer uma condução à altura, permitindo-lhe observar várias cores mesmo à distância, frisou Fernando Domingos, contrariando Adilson Machado.

O instrutor acrescentou ainda, que na falta de iluminação, o condutor é ensinado e obrigado a saber os riscos que vai encontrar nas diversas vias, pelo que é preciso que haja uma maior precaução, com uma velocidade moderada para prevenir os riscos de acidente.

CONDUÇÃO NA VIA EXPRESSO

Os professores reivindicam a criação de vias exclusivas para a formação dos motoristas, para evitar submeter os alunos às aulas em que o anda-pára é uma constante, não dando a possibilidade de os requerentes treinarem a condução em estrada aberta e livre. Reclamam das estradas no interior do centro urbano, pois dizem não ser favoráveis à administração de aulas de condução. Não é possível falar em terminar com este problema quando não estamos preocupados em organizar as nossas vias de circulação para os transportes públicos e taxistas, lamentou João Cacungo.

Como forma de retirar o medo da condução em estrada aos alunos, João Cacungo salientou que têm ministrado aulas na nova marginal de Luanda, pois o fluxo rodoviário é menor. Além de conduzirmos no centro da cidade, temos utilizado também as vias da nova marginal que são faixas de rodagem rápidas. Procuramos sempre zonas onde o tráfego é bastante fluído para permitir que o aluno tenha mais tempo de condução e possa realizar algumas manobras sempre necessárias a quem conduz, explicou o instrutor.

Fernando Domingos confessou que a escola que representa não ministra aulas em localidades que permitam ao aluno conduzir a alta velocidade. O tempo de duração que temos para cada aluno faz com que não sigamos até estradas com trânsito fluído. Por isso, tem sido difícil sairmos propriamente do centro urbano da cidade para as outras localidades, como Catete, Barra do Dande, ou Barra do Kwanza para aulas práticas, contou.

O processo de contratação dos instrutores das escolas foi outra questão levantada pelo NJ na reportagem. O processo é da responsabilidade da Direcção Nacional de Viação e Trânsito. Mediante uma aposta interna, as escolas escolhem os melhores estudantes para uma lapidação feita por professores capacitados.

Após essa capacitação, os futuros professores são submetidos a uma escola de formação profissional de instrutores. Por último, são avaliados pela DNVT e apenas aos aptos é atribuída a licença de instrutor.