Este alerta é particularmente relevante para Angola: Com um coeficiente de Gini de 0,52, Angola enfrenta uma distribuição de renda altamente desigual, especialmente entre zonas urbanas e rurais.
Nesse contexto, a inteligência artificial corre o risco de aprofundar ainda mais essa disparidade, beneficiando sobretudo os grupos urbanos com maior acesso à infra-estrutura digital e educação tecnológica. Sem políticas inclusivas, a IA poderá reforçar o ciclo de exclusão social e económica, deixando grande parte da população - sobretudo rural - à margem dos avanços tecnológicos.
É um paradoxo gritante. As regiões que alimentam o País com recursos minerais, florestais e agrícolas são as mesmas que vivem na escuridão - literal e figurativamente. Segundo o Ministério da Energia e Águas, apenas 15% da população rural tem acesso à electricidade.
Embora existam programas de electrificação rural, os seus efeitos ainda são pouco visíveis.
No entanto, a falta de acesso à electricidade não é a única parte do problema quando se fala dos desafios para a inclusão digital ou o usufruto dos potenciais benefícios da IA.
No campo digital, a exclusão é ainda mais profunda. A maioria das zonas rurais não tem cobertura de rede móvel ou internet. Projetos como o Angosat foram apresentados como soluções para conectar comunidades remotas, mas a realidade é que grande parte da população rural continua fora da economia digital e sem grandes condições de acesso a comunicações telefónicas.
Dados de Conectividade em Angola (2025) indicam que o País tem 14,63 milhões utilizadores de internet, o que equivale a 39,3% da população. Existem 29,2 milhões de conexões móveis activas, cobrindo 78,4% da população. A cobertura 4G atinge 76,8% da população, e a velocidade média da internet móvel é de 13,99 Mbps, e da internet fixa é de 19,63 Mbps.
E mesmo que esses números parecerem promissores à primeira vista, eles escondem uma realidade desigual: a maior parte da infra-estrutura está concentrada nas zonas urbanas, enquanto as zonas rurais continuam com acesso limitado ou inexistente.
Neste sentido, os nossos compatriotas que vivem nas zonas rurais onde o acesso efectivo é muito inferior não poderão tirar partido das oportunidades geradas pela IA em condições de igualdade com os que vivem nas zonas urbanas.
A exclusão digital e infra-estrutural nas zonas rurais representa uma perda de produtividade estimada em 2 a 3% do PIB nacional por ano. A IA poderia ajudar a superar essas barreiras - com educação à distância, telemedicina, agricultura de precisão - mas sem infra-estrutura básica, essas soluções permanecem fora do alcance da maior parte dos nossos concidadãos que vivem ou residem nas zonas rurais.
Diante desta realidade, é justo questionarmos o que fazer? O PNUD sublinha que a IA só será uma força para o bem se expandir as liberdades e escolhas das pessoas. Para isso, Angola precisa de: - Investimentos estratégicos em electrificação rural, telecomunicações e capacitação digital.
- Políticas públicas inclusivas com incentivos para empresas que investem em zonas rurais e parcerias para inovação.
- Aumento dos níveis e da qualidade da educação, com destaque para aquela que incentiva a participação cívica, e o exercício dos direitos e deveres, - Incentivo para conscientização dos cidadãos e mecanismos eficazes de controlo e monitória de políticas públicas, tornando-as transparentes e capazes de eliminar as assimetrias regionais e aumentar a inclusão.
Sem acesso à internet, educação de qualidade, energia eléctrica e formação adequada para todos e todas, a IA será apenas mais uma tecnologia que reforça desigualdades. Para que os angolanos e angolanas das zonas rurais possam tirar partido das oportunidades da IA, é urgente garantir acesso equitativo à infra-estrutura digital e ao conhecimento.
A verdadeira transformação digital não começa com algoritmos, mas com justiça social. E essa justiça começa nas zonas rurais - onde se concentram os principais recursos naturais do País, mas também onde o desenvolvimento ainda não chegou, porque continuam privadas de serviços básicos como electricidade, água potável, saneamento, transporte e comunicações.
`*Coordenador OPSA