Os media internacionais escolheram para criar uma imagem do que espera o continente africano se se confirmar o futuro trágico antevisto no relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) da ONU, que agrega a maior capacidade mundial de análise sobre o clima, o esperado desaparecimento dos últimos glaciares africanos.
Mas a diluição das neves perenes do Kilimanjaro, na Tanzânia, do Monte Quénia ou do Rwenzoris, no Uganda, não é o que melhor descreve a tragédia que aguarda, no futuro próximo mais de 120 milhões de pessoas localizadas nas regiões mais afectadas pelo aquecimento global, seja porque as secas vão agravar-se em intensidade e duração, seja porque as cheias repentinas vão ter dimensões nunca vistas ou ainda devido ao calor extremo que pode ir além da capacidade humana de o suportar sem equipamento ou abrigo mínimos.
Tudo, porque, como descreve a OMM, cujo documento agora divulgado foi elaborado com a colaboração das congéneres da União Africana, as alterações climáticas em rápida aceleração vão ser especialmente sentidas em África devido à incapacidade dos governos em adaptarem os seus países à nova realidade e à natureza severa que algumas regiões do continente conhecem desde sempre, como as secas, as pragas que destroem as colheiras ciclicamente, as inundações repentinas...
Tudo somado, diz a OMM, o Produto Interno Bruto (PIB) africano vão decrescer até 3 por cento nos próximos 20 a 30 anos, reduzindo de forma significativa a capacidade de resposta local e regional aos ainda mais regulares e severos desastres ambientais.
E este relatório não é apenas um exercício de adivinhação, porque 2020 foi já o 3º ano mais quente desde que há registos em África, e o mais quente em todo o mundo, sendo os dois mais tórridos no continente sentidos na última década, em 2016 e 2019, respectivamente.
Para fazer face a estas ameaças, a OMM estima que os africanos vão ter de gastar anualmente entre 40 a 50 mil milhões de dólares norte-americanos para amortecer o impacto destes fenómenos.
Algumas das ameaças que pendem sobre o continente são a subida do nível do mar, afectando milhões de pessoas nas cidades costeiras mais expostas, o alargamento dos desertos, a redução dramática da área arável, a destruição acelerada das florestas, que são das poucas barreiras eficazes ao avanço da aridez, o desaparecimento de lagos e lagoas até aqui dados como certos e ainda o aumento das pragas de insectos, como as de gafanhotos, e doenças entre as populações humanas, algumas delas devido à redução dos habitats selvagens e da maior proximidade entre humanos e espécies selvagens.
O sul de Angola, recorde-se, é um exemplo claro do que significa o impacto das alterações climáticas enquanto factor de exponenciação dos perigos naturais, como a seca, que tem vindo, devido a fenómenos como o El Nino e La Nina, a observar a sua intensificação e duração, afectando cada vez mais pessoas e por mais tempo.
Como o Novo Jornal tem vindo a noticiar, seja aqui, aqui ou ainda aqui, (ver ainda notícias relacionadas) o sul de Angola é uma das regiões da linha da frente dos impactos das alterações climáticas devido, não só mas especialmente, aos efeitos dos fenómenos La Niña e El Niño.
O La Niña e o El Niño resultam de alterações das correntes oceânicas por causa do aumento ou do arrefecimento do Pacífico, sendo que, um e outro geram alterações em todo o mundo igualmente graves, nomeadamente nos padrões da pluviosidade e na temperatura de vastas áreas do planeta.
E o problema é que estes fenómenos tendem, com o passar do tempo, a passar de situações sazonais para realidades permanentes.
Um dos riscos das alterações climáticas continuarem sem travão, por causa da poluição, nomeadamente dos gases com efeito de estufa e da queima de hidrocarbonetos (petróleo e gás), é que tanto o La Niña como El Niño deixem de ser fenómenos sazonais para emergirem como situações permanentes, com consequências catastróficas para a humanidade.
SADC lança alerta e pede decisões rápidas e eficazes
Face a estes riscos, recorde-se, e no que mais importa especificamente para Angola, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, através do seu Departamento de Alimentação, Agricultura e Recursos Naturais, lançou, há três anos, um alerta onde pede aos países membros para providenciarem no sentido de criar stocks alimentares para ocorrer a emergências criadas por estes fenómenos.
A África Austral vive há vários anos uma situação de prolongada seca, com picos de seca extrema em vários países, onde, por exemplo, na Namíbia ou na África do Sul, levou os respectivos governos a tomarem medidas extremas para controlar os efeitos nefastos da falta de chuva, declarando, por várias vezes na última década, situações de calamidade e impondo regras restritivas ao consumo de água.