Certo dia o professor e autor Brian Stupek, hoje com 31 anos, a meio de uma aula, duvidou que aquele fosse o seu lugar, não que tenha seja o que for contra ensinar, pelo contrário, mas não era aquela a sua praia e pouco tempo passou para que, uma certa manhã, ao acordar, se tenha perguntado, mesmo antes de meter um pé fora da cama: "O que é que estou aqui a fazer?".

Quando, nesse dia, que é difícil de colocar no calendário mental das coisas mais importantes, meteu o pé no chão do seu quarto, já sabia que aquele seria o primeiro passo para a sua nova vida, uma vida cheia de desafios e milhares de quilómetros para percorrer.

A distância estava longe de ser a sua única barreira, no percurso sabia que iria aproveitar para lutar por e contra um dos sujeitos da sua vida, a sua bipolaridade, doença mental que o acompanha desde quase sempre, com a qual aprendeu a lidar e quer inspirar todos quantos possível que estejam a lidar com o mesmo desafio.

Este é o "chão" motivacional de Brian Stupek, antigo professor e autor de dois livros publicados, "The Crush" e "The Soldier's Sigh", e ainda alguns outros por dar à estampa, antes de fazer a mochila e partir para a caminhada da sua vida que tem, neste momento, desde 26 de Junho de 2024, como estrada, o continente africano.

Foi nesse dia que, na Cidade do Cabo, na África do Sul, como pode revisitar nas suas páginas no Instagram e no Tik Tok em @Brian Stupek e no YouTube, que começou a sua jornada africana, que, inicialmente poderia nem sequer passar por Angola, porque estava desenhada no mapa para ter como destino o Cairo, no Egipto.

Mudança de planos antes do 1º passo

Só que, depois de olhar bem para a realidade político-militar do oriente do continente, rapidamente chegou à conclusão que o melhor seria mudar a agulha do corredor do Índico para o Atlântico, optando pela costa ocidental de África ao invés da conta oriental.

E foi assim que Brian Stupek se encontrou a caminhar nas coordenadas que o levariam a atravessar a África do Sul, entrar na Namíbia e chegar a Angola, chegando a Luanda no início de Dezembro do ano passado, onde o Novo Jornal o encontrou enquanto aguardava pelos vistos para entrar na República Democrática do Congo (RDC) e República do Congo-Brazzaville.

E a conversa só poderia começar com uma pergunta, a segunda poderia ser qualquer uma, mas a primeira teria sempre de ser esta: Como é que alguém se decide a caminhar quase 15 mil quilómetros sabendo que vai encontrar desafios e obstáculos e perigos para os quais dificilmente se poderia preparar devidamente e com a segurança à prova de fogo?

A resposta também só poderia ser uma, no caso do Brian Stupek, corpo franzino, olhar decidido e postura de quem está sempre pronto para arrancar no dia seguinte... desde que os vistos que aguarda estejam já nas folhas do seu passaporte: "Porque eu decidi e quero fazê-lo".

E quer fazê-lo não apenas por ele, sendo, claro, "o maior desafio" da sua vida, mas também por aqueles que com ele partilham as dificuldades da bipolaridade, uma doença mental que atinge largos milhões de pessoas em todo o mundo e que, sem a devida atenção especializada, pode ter consequências severas para os pacientes e para quem os rodeia.

É por isso que, sempre que a oportunidade surge, pelo caminho está sempre atento às ocasiões em que pode intervir e criar as condições para que o seu exemplo possa "inspirar outros a tomarem as decisões mais certas" porque ser bipolar não tem de ser limitador de nada.

Mas a caminhada de Brian Stupek, que já leva quase cinco meses a percorrer os quase 3.000 quilómetros entre a Cidade do Cabo, na África do Sul, e a capital angolana, já lhe proporcionou algumas surpresas, algumas a que não deu muita importância, como um assalto a que foi sujeito em Luanda, ficando sem o seu telefone, que mais que isso, era a sua ferramenta de trabalho e agenda de contactos insubstituível.

O chão, por vezes... treme

Mas outras já lhe abalaram mais o chão desta sua caminhada, como quando se viu acometido de uma severa hipotermia na África do Sul, sem nada nem ninguém por perto para o ajudar, naquilo a que se chama "no meio de lado nenhum", ou quando teve de fazer mais de 250 kms, na Namíbia, sem água e sem comida, ou, já em Angola, quando apanhou febre tifóide, no sul do país...

Nada disso o impediu de caminhar, de continuar a caminhar, numa média de 40 kms por dia, o que equivale, em circunstâncias normais, a seis ou sete horas/dia, ritmo com o qual, descontando o imprevisível, como estar um mês à espera de vistos para prosseguir viagem, pretende conclir os quase 15 mil kms da jornada em um ano e meio.

Mas Marrocos é apenas a primeira parte da etapa, porque, a seguir, pretende continuar, por mais ano e meio, fazendo outros tantos 15 mil quilómetros, circulando a Europa, aproveitando as margens do Mediterrâneo, primeiro, e depois o leste europeu, o norte do continente e descer a costa Atlântica de novo até ao sul de Espanha.

Nada que não seja possível, claramente uma desafio de uma vida, por certo uma aposta ganha para quem sabe precisamente porque o faz, como é o caso de Brian Stupek, mas sem ignorar que "os riscos existem e nada pode garantir que tudo se vai passar como planeado...".

"Ninguém pode antecipar soluções para todos os problemas", afirmou na conversa com o Novo Jornal, admitindo que esse é um problema que faz parte do que é viver, e, parafraseando Mark Twain, acaba por admitir que "a ignorância e a confiança permitem às pessoas alcançar grandes desafios"...

A "ferramenta" que Brian usa para contornar algum receio que possa, naturalmente, ter, ou que algumas pessoas, bem intencionadas, lhe possam incutir alertando para os riscos da longa jornada que tem pela frente, é que sabe, "porque sempre soube", que as pessoas "são boas por natureza", embora sem a puerilidade de pensar que não há riscos e porosidades nesta abordagem à natureza da espécie humana.

"Sei que há riscos"

"Sei que há riscos, sei que, apesar de tudo, basta um momento pior para deitar por terra um projecto desta dimensão, mas no que acredito é que as probabilidades estão a meu favor porque a maioria esmagadora das pessoas são naturalmente simpáticas", disse ao Novo Jornal, em Luanda, horas antes de se voltar a fazer à estrada.

E é isso mesmo que estes quatro meses e quase três mil quilómetros lhe confirmaram, com experiências extraordinárias desde a África do Sul a Angola, com pessoas sempre disponíveis para ajudar no que podem, e, por vezes, mais que isso...

No próximo capítulo desta extraordinária jornada estão os 550 kms entre Luanda e a fronteira do Luvo, com a RDC, e depois os quase 270 entre o Luvo e Kinshasa, a capital congolesa que se apresenta como um dos percursos mais duros.

Não porque o assuste o território, mesmo sabendo que "este apresenta algumas particularidades", mas porque só tem um visto de sete dias para estar na RDC, tempo em que está obrigado a percorrer os 270 kms, o que lhe acrescenta alguns quilómetros à média diária que tem planeada e garante um esforço suplementar...

Nada que o atrapalhe muito, porque, como explicou ao Novo Jornal, "o mundo está cheio de gente que começa projectos e nãos acaba", garantindo que não quer ser uma dessas pessoas, empenhando-se não apenas em concretizar o projecto como não desperdiçar as oportunidades para ajudar e inspirar outros, estando sempre disponível para participar em iniciativas humanitárias para as quais seja desafiado.

Não o move qualquer tipo de religiosidade nesta sua caminhada, apenas uma fé inabalável de que cada um de nós pode "ajudar a mudar o mundo para melhor" com as suas acções, e, porque "caminhar foi sempre a forma como, quando precisava, encontrava a paz interior, mesmo quando acometido dos problemas inerentes à bipolaridade" de que padece.

Financiamento

Para custear este projecto, além dos financiamentos casuais que aproveita, e dos escassos rendimentos dos seus trabalhos, incluindo a sua presença diárias nas redes sociais, com vídeos diários, Brian conseguiu reunir um grupo de cerca de 120 pessoas que todos os meses lhe dão 5 dólares.

É com esse dinheiro que conta, cerca de 700 USD, por mês, que gasta em comida e água e vistos, para onde vai a maior parte do dinheiro, porque, para dormir, se no meio da natureza, resolve o problema com a sua pequena tenda, quase sempre aparece alguém que o convida para pernoitar em sua casa, por vezes as mais humildes, algumas outras, com melhores condições, mas que não julga umas ou outras como melhores...

Até deixar o continente africano para trás, Brian tem uma longa caminha pela frente (ver mapa na galeria de fotografias), entrando na RDC, depois no Congo-Brazzaville, o Gabão, os Camarões, a Nigéria, o Togo, o Gana, a Costa do Marfim...

Não admite por um segundo que pelo caminho não vai encontrar a mesma generosidade nas pessoas que lhe permitiu cumprir os primeiros 3 mil kms da sua jornada africana, algumas que o seguiam já nas redes sociais, outras que o conheceram na estrada, algumas com as quais nem sequer foi possível comunicar com palavras, apenas com gestos e olhares, mas "sempre a mesma resposta, o mesmo resultado..., a generosidade e a bondade natural".

Até agora, o mais difícil foi conseguir encontrar água para beber e comida para se alimentar em algumas regiões com escassa presença humana, como lhe sucedeu no sul de Angola ou nsa Namíbia, e sabe que lhe vai voltar a suceder quando chegar as grandes planícies da África Ocidental ou o deserto do Saara...

Mas já magicou uma solução: pelo caminho vai ter de encontrar forma de construir um pequeno atrelado que possa atracar à cintura para nele transportar água e comida para alguns dias, porque na sua mochila, acrescentar mais uns quilos em água e alimentos é humanamente impossível.

Boa viagem, Brian

E a jornada deste norte-americano de 31 anos rumo ao extremo norte do continente africano segue já dentro de momentos, seguindo para norte, em direcção a Caxito, no Bengo, apanhando depois a direcção de Ambriz, seguindo-se o Nzeto, depois Mbanza Congo e, por último, a fronteira com a RDC, no Luvo.

A uma média de 40 quilómetros por dia, Brian deverá chegar à fronteira com a RDC em pouco mais de 13 dias.

Poderia encurtar a caminhada seguindo para Cabinda e depois para o Congo-Brazzaville, mas se há uma coisa que tem como garantido é que não vai admitir excepções neste seu projecto, "se é para fazer a pé, é mesmo a pé..." e se pelo caminho encontrar rios sem pontes, dará as voltas que for preciso para ter sempre chão debaixo dos seus pés até chegar ao Mediterrâneo...

Dentro de, mais coisa menos coisa, 13 meses, Brian Stupek, já com 32 anos, feitos a caminhar, voltaremos a ouvir falar dele, após concluir uma das jornadas da sua vida e mesmo antes de iniciar a seguinte, desta feita pelos mais suaves caminhos da Europa...