Qual é a sua actual condição judicial? Desistiu do recurso à decisão do Tribunal Supremo, que o condenou a cinco anos de prisão, no quadro do caso «500 milhões»?
O processo encontra-se, neste momento, no Tribunal Constitucional. Acima de tudo, o propósito é que a justiça seja reposta. Acontece que, até ao momento, não há respostas e, ao que julgo saber, todos os prazos já foram ultrapassados. Desde que o processo começou, estamos praticamente retidos de forma ilegal há quatro anos. Esta condição equivale a uma prisão domiciliar dada a restrição de um direito constitucionalmente consagrado, que é o de ir e vir. O Tribunal Supremo levantou as medidas de coacção em 2019, incluindo as restrições de deslocações dentro e fora do País, mas, até ao momento, não tenho os meus documentos e ninguém diz nada. Retêm os documentos de forma ilegal. Enquanto o processo esteve no Tribunal Supremo, em pelo menos três ocasiões diferentes, escrevi a essa instância a solicitar informações, mas não mos entregaram e não me deram qualquer esclarecimento. Hoje, já no Constitucional, a situação mantém-se. Ninguém responde a nada. Simplesmente não há respostas.
Hoje, como reage às acusações de ter supostamente cometido crimes de burla e defraudação, peculato e tráfico de influências, no quadro do processo «500 milhões»?
Já disse, em determinada ocasião, que fui julgado neste processo porque sou filho de José Eduardo dos Santos. Não há outra explicação possível. Todas as provas em como não houve qualquer crime neste caso foram apresentadas à Justiça, mas a Justiça, pelo menos até agora, decidiu ignorar todas as evidências. Este processo é um castelo de inverdades. Não é por acaso que a Justiça se recusou peremptoriamente a ouvir o ex-Presidente e desvalorizou todas as suas tentativas de esclarecer os factos e a verdade. É, portanto, um processo marcado por muitos atropelos à Constituição desde a sua fase inicial. Os advogados insistiram, ainda na fase de instrução, que o Ministério Público ouvisse a pessoa que autorizou a operação, no caso o ex-Presidente da República, mas o Ministério Público recusou. O mesmo ocorreu na fase de instrução contraditória. Quando, finalmente, na fase de julgamento, o tribunal aceitou receber as declarações do ex-Presidente, não as valorizou, com insinuações de que a assinatura posta nas declarações seria falsa. Acredito que o motivo era de que o conteúdo da carta não agradava quem acusava. Na altura, o ex-Presidente estava vivo, os advogados pediram ao tribunal para ouvi-lo, se necessário, por videoconferência, mas o tribunal não aceitou. Portanto, recusaram-nos a todos o direito à ampla defesa, constitucionalmente consagrado. Os 500 milhões foram uma operação de investimento autorizada pelo ex-Presidente, com conhecimento de membros do actual Governo ao mais alto nível, e os valores nunca saíram da esfera patrimonial do Estado. O propósito da operação é nobre. Vivemos tempos difíceis, e o País estava e continua à procura de fontes de financiamento. Esta operação era uma delas, com a diferença de que consistia na capitalização de um fundo de financiamento às infra-estruturas públicas e não representaria dívida pública. Estava a ser tratado por uma empresa angolana e outra estrangeira, com a coordenação do Banco Nacional de Angola. Fui chamado apenas para apoiar a equipa angolana constituída pelo Titular do Poder Executivo na altura, pela minha experiência enquanto presidente do Fundo Soberano de Angola. Os recursos sempre estiveram na esfera do Estado. Com a abertura do processo na Justiça no Reino Unido, os valores saíram da conta fiduciária para as contas do Estado, por via de um acordo de consenso. Mas, o Estado violou o acordo de consenso ao abrir um procedimento criminal paralelo em Angola.
Esteve na cadeia. Como viveu aquele momento difícil da sua vida? Descreva-nos as peripécias de uma prisão domiciliar?
Fiquei meio ano detido por conta de um processo associado ao Fundo Soberano e o que lhe posso dizer é que julgo que os angolanos já terão percebido que não houve desvios de dinheiros no Fundo Soberano. É o mínimo que lhe posso dizer. Imagino que o próprio jornalista saiba disso, porque a informação sobre a utilização dos dinheiros do Fundo é público e não fui eu que a disponibilizei. De qualquer forma, desde que saí, encontro-me praticamente numa situação de prisão domiciliar. São praticamente quatro anos nesta condição. Fiquei detido meio ano por causa do Fundo Soberano, continuo a ser julgado na Justiça por causa do processo dos 500 milhões. No caso deste último, era uma operação suportada por contratos, cuja aprovação era da competência do Titular do Poder Executivo e do governador do BNA. Quando interpusemos o primeiro recurso no Tribunal Supremo, a votação dos juízes deu um empate de 4-4, mas houve um juiz que, sem fundamento legal, votou duas vezes. Os quatro juízes que tiveram votos vencidos apontaram também vários atropelos à Constituição, mas o processo mantém-se. Sobre o processo que se refere ao Fundo Soberano de Angola, por conta do qual fiquei seis meses injustamente detido, lembro que o Estado até acabou condenado nos tribunais ingleses em pagar indeminização à parte lesada em que eu me incluo. O Estado foi condenado por difamação e prestação de falsas declarações ao tribunal, pois, no processo dos 500 milhões, nunca houve desvio muito menos a intenção de desviar os valores que estavam em causa. A justiça inglesa fez questão de sublinhar que havia transparência na gestão do Fundo, que era anualmente auditado por entidades nacionais e estrangeiras e que tinha uma constante supervisão do Ministério das Finanças. Em suma, em ambos os casos (Fundo Soberano e 500 milhões), nunca houve desvios, nunca houve perdas de dinheiros do Estado. Digo-o outra vez: a única explicação é o facto de ser filho do meu pai, o ex-Presidente da República.
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