Eugénio Laborinho falou sobre a questão da retirada das armas de guerra em uso por organizações civis na abertura do Conselho Superior de Polícia, em Luanda, onde sublinhou a importância deste processo ser "bem organizado" de forma a evitar que esse armamento acabe por ir parar às mãos de criminosas e serem assim utilizadas para a prática de crimes.

O objectivo, como é há muitos anos pretendido pelas forças de segurança e tem respaldo legal, é retirar o armamento de guerra em uso pelos elementos das empresas de segurança privadas.

"Recomendamos que este processo seja bem organizado e controlado para evitar que as armas recolhidas sejam utilizadas para práticas de crimes", apontou o governante.

Neste processo está ainda previsto que as empresas de segurança passem a usar apenas elementos de protecção não letais, como os bastões ou o "taser", aparelhos de defesa pessoal que geram descargas eléctricas imobilizantes.

Este reforço da urgência em retirar de circulação o armamento de guerra na posse de civis feito hoje pelo ministro do Interior já tinha sido abordado em meados de Outubro último pelo porta-voz da Polícia Nacional, Orlando Bernardo, que anunciou ter sido dado um prazo de seis meses para que as referidas empresas passem a cumprir a lei que já vem de 2014.

Algumas medidas já foram aplicadas, como, por exemplo, a proibição efectiva de as empresas transportarem esse armamento de uma província para outra.

O objectivo da PN é verificar de facto se são as empresas de segurança que estão a permitir o acesso do mundo do crime às famigeradas AK-47 (Kalashnikov).

Esta nova tentativa vem, todavia, mostrar que não está a ser fácil à PN impor a lei que foi aprovada já em 2014, que deixa de dar guarida ao uso de armas de guerras pelo sector de segurança privada, embora o assunto já esteja em cima da mesa desde pelo menos 2009, quando começou, mais insistentemente, a ser levantada a possibilidade de combater a criminalidade extinguindo a fonte do armamento que a alimenta, que seriam, em parte, as empresas de segurança privada.

Um dos objectivos desta medida, além de cumprir a lei, é verificar se, efectivamente, são as empresas de segurança que fornecem armas ao mundo do crime.

Os indícios apontam nesse sentido, disse o oficial, notando que grade parte das armas na posse destas empresas, as menos organizadas e menos profissionalizadas, são de má qualidade e antigas, ou com evidente falta de manutenção, e são essas que estão a aparecer nas mãos dos criminosos detidos nas operações policiais.

Desde o fim da guerra, em 2002, que se sabe que, devido à natureza dos acontecimentos históricos, como os combates em Luanda em 1992, milhares de armas acabaram nas mãos de civis e que muitas destas não chegaram a ser recolhidas no pós-conflito, sendo esse um dos "paióis" onde estão a ser retiradas as armadas de uso pelos marginais, mas a outra é, seguramente, os arsenais das empresas de segurança.

Embora o oficial tenha sublinhado o maior e efectivo controlo do armamento na posse das empresas, não há certezas absolutas se algumas ainda estão a sair dos armeiros pela porta das traseiras e negociadas com os criminosos.

Mas nem sempre este controlo foi eficaz, como o demonstram as declarações, em 2016, do então segundo comandante da PN, Paulo de Almeida, hoje comandante-geral, que defendia, sem titubear, que as armas utilizadas pelos criminosos provinham, em grande parte, das empresas de segurança.

E em 2018 o então director nacional de Ordem Pública, comissário-chefe Mário Santos, depois de um encontro com mais de 150 empresas do ramo para analisar este problema, veio dizer que estas tinham três meses para trocar as armas de guerra em uso por armamento de calibre adequado ao serviço que desempenham.

O pressuposto era que este armamento de menor calibre que as vulgares AK-74 passa-se a ser comprado em lojas especializadas.

Na mesma ocasião era dito que os funcionários das empresas de segurança, para usar armas de fogo, seriam obrigados a frequentar um curso específico.

Estas medidas estavam a ser retomadas, depois de há mais de uma década terem sido feitas várias tentativas de regular o armamento permitido nesta actividade de segurança privada.

Uma fonte ligada ao sector da segurança privada em Angola disse ao Novo Jornal que esta imposição, para as empresas melhor organizadas e profissionais, pode apresentar alguns prolemas, como é a despesa avultada com a troca do armamento, mas que isso acabará por ser ultrapassado, sendo o problema a larga maioria destas empresas que funcionam em "vãos de escada".

Muitas das empresas que estão no mercado nem sequer têm escritórios a funcionar regularmente e nem sequer têm sistemas informáticos de controlo do armamento, sendo que um dos principais problemas é que "não existe mesmo controlo sobre o pessoal", muito dele temporário, a entrar e a sair das empresas.

"E depois há o problema dos salários em atraso", disse esta fonte conhecedora do problema, acrescentando que "não é assim tão incomum haver pessoal que vai embora e leva a arma consigo", provavelmente para vender na primeira oportunidade, sendo que é no mundo do crime onde estas são mais valorizadas.

"Basta ver os registos da polícia e quantos seguranças ou ex-seguranças de empresas privadas são apanhados como membros de grupos de crime organizados para assaltos recorrentes ou pontuais", notou ainda a mesma fonte.