No que disse o Presidente dos Estados Unidos na rede social Twitter, choca a possibilidade de tanto a Arábia Saudita como a Rússia, embora sendo dois dos três maiores produtores mundiais, juntando-se a eles no pódio os EUA, todos com uma produção média em tempos normais a rondar os 11 milhões de barris por dia (mbpd), poderem cortar de um dia para o outro, metade, ou mais, das suas produções, para chegar aos tais 10 a 15 mbpd retirados dos mercados, como forma de fazer subir o valor do petróleo, sufocado pela crise planetária gerada pela pandemia da Covid-19.

E a prova de que algo não batia certo no conteúdo daquele tweet de Donald Trump foi a reacção de russos e sauditas, mesmo sabendo-se que o Presidente dos EUA desde quarta-feira que anda a falar de uma intervenção musculada junto de Moscovo e Riade para levar os dois parceiros desavindos a chegar a um acordo, depois de, no início deste mês, terem aberto uma guerra de preços depois de não terem conseguido acertar agulhas quanto aos cortes na produção na reunião da OPEP e da OPEP+ em Viena de Áustria a 05 e 06 de Março.

O que está em questão é tentar perceber, que é o que estão a fazer desde quinta-feira uma boa parte dos analistas do sector em todo o mundo, como é que Trump admitiu como bom que Moscovo e Riade aceitassem cortar as suas produções de crude, das quais as suas economias são largamente dependentes, em 50%, se os cortes fossem de 10 mbpd, ou quase 70%, se esses cortes fossem de 15 mbpd, como admite no seu tweet.

Não aceitaram. O tweet de Donald Trump estava muito longe de ser factual e tanto Vladimir Putin como o Rei Salman al Saud mandaram deixar claro que o seu conteúdo não fazia qualquer sentido. Moscovo matou a ideia de imediato, e Riade, depois de deixar claro o seu descontentamento, mandou convocar uma reunião de emergência da OPEP+, que é a organização ad hoc que junta, desde 2017, os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e um grupo de não-membros liderados pela Rússia, embora tenha manifestado, como se pode ler nas agências e nos sites especializados, que mantém em aberto a disponibilidade para cortar a produção desde que isso agregue um grupo substantivo de países, chegando a uma solução consensual, e não apenas com a Rússia, sugerindo mesmo que esses cortes possam abranger produtores que até hoje se mantiveram ao largo da OPEP+, como os Estados Unidos ou o Canadá.

Alias, o que pode ter despoletado a fúria de russos e sauditas pode muito bem ter sido o facto de as negociações prévias entre Trump, Putin e Salman terem passado por garantias de que esses cortes de 10 a 15 mbpd seriam partilhados pelos EUA, ou substituídos por outras formas de compensação por parte de Washington, eventualmente financeiras, actualmente o maior produtor mundial, com mais de 11 mbpd, "facto" que terá sido deixado de fora do tweet do Presidente norte-americano que ateou o fogo nos mercados internacionais.

Recorde-se que como pano de fundo para este imbróglio monumental está a crise económica global iniciada com o despontar da pandemia da Covid-19 na China, em meados de Dezembro de 2019, o que levou a uma perda no valor do barril de crude de mais de 60 % desde o início do ao, tendo devastado as economias mais dependentes das exportações da matéria-prima, como a angolana, que, entretanto, já observou como consequências uma revisão do OGE 2020, uma crescente dificuldade em conseguir financiar-se no exterior e o risco de se ver na contingência de ter de avançar para uma complexa renegociação da sua dívida externa, nomeadamente com a China, onde reside a maior fatia dos compromissos financeiros de Luanda com o estrangeiro.

A possibilidade de a parte dos EUA no acordo ser cortar também na sua produção, parece pouco plausível, como sublinham alguns analistas, porque a produção norte-americana está dispersa por milhares de pequenos produtores privados, especialmente no fracking, ou petróleo de xisto, quase todos com a corda na garganta devido ao seu elevado breakeven - entre 60 a 70 USD por barril - face aos preços irrisórios praticados nos últimos meses, sendo igualmente pouco razoável devido à legislação federal passar a solução pela proibição de os EUA exportarem crude para os mercados globais.

Em cima da mesa, meramente como possibilidade, seria a promessa de Donald Trump em dar a russos e a sauditas benefícios vários, entre estes fiscais, avultados nas trocas comerciais entre e com estes países, mas mesmo assim, seria escasso.

Uma pista para o que poderá Trump oferecer em troca é o frenesi das últimas horas, como a Reuters, a Blomberg ou o site OilPrice têm avançado, da Administração norte-americana na organização de encontros de vária ordem e natureza com os CEO das grandes petrolíferas nacionais, deixando antever que pode estar mesmo em cima da mesa a possibilidade de, pela primeira vez na história, para responder aos "tempos extraordinários" que o mundo atravessa, uma colaboração com sauditas e russos, entre outros produtores, paa diminuir a oferta global de crude paa combater o efeito devastador da Covid-19 no sector.

Mas, no que se pode verificar como factual nesta montanha russa de brutais oscilações no valor do crude, é que entre quarta-feira, 01 de Abril, e hoje, 03 de Abril, o barril de Brent, onde é definido o valor média das exportações nacionais, passou de 24 USD para os 32, 83, cerca das 11:40, mais quase 9% que no fecho de quinta-feira, o tal dia em que subiu mais de 25% - a maior subida diária na história desta indústria - e no qual também caiu 20% - uma das maiores quedas de sempre -, para voltar, na abertura de hoje a iniciar o dia com ganhos igualmente expressivos, alimentados pela reunião de urgência convocada pela Arábia Saudita.

O que é igualmente certo e seguro é que seja qual for a solução encontrada, será sempre uma solução de recurso, nada de estrutural, porque o problema de fundo, o mundo de pernas para o ar, por causa da pandemia, só voltará a caminhar direito quando for encontrada uma cura eficaz para o novo coronavírus que provoca a Covid-19, que já fez mais de um milhão de vítimas, 1.026.974, das quais 53.975 mortos, com os EUA a liderar o registos de casos, com mais de 245 mil infecções e 6.060 mortos.

A crise económica resulta de a pandemia exigir, para ser travada, que a generalidade das fábricas, comércios ou transportes públicos, terem de ser suspensos durante largas semanas, gerando um congelamento de quase toda a actividade económica.