Praticamente ingovernável há dois anos com José Mário Vaz na Presidência, especialmente depois da demissão de Domingos Simões Pereira do cargo primeiro-ministro para o qual tinha sido eleito, a Guiné-Bissau tem agora, com o novo chefe de Governo, uma derradeira oportunidade para entrar nos eixos como tem advertido a organização sub-regional a que pertence, a CEDEAO, visivelmente cansada da falta de rumo em Bissau.
A ruptura entre José Mário Vaz e Simões Pereira, que dura desde 2015 em termos oficiais, atirou o país para mais um período de forte instabilidade, sem que, como tem sido ao longo da sua história de país independente, desde 1973, seja fácil perceber porquê, excepto a velha questão de decidir de facto quem é o "chefe".
Neste momento, Domingos Simões Pereira que é o presidente do histórico Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), mantém aceso o braço de ferro com o Chefe de Estado, não dando mostras de desistir deste combate político que teve na terça-feira mais um dos episódios caricatos no cenário fértil em situações estranhas que é a Guiné-Bissau.
Quando o PAIGC preparava o seu Congresso, a sua sede, no centro de Bissau, foi cercada, na madrugada de segunda para terça-feira, pela polícia, incluindo as forças especiais da polícia guineense, mantendo dezenas de pessoas no interior do edifício "sequestradas" na opinião da direcção do partido.
A Guiné-Bissau, que foi o primeiro país lusófono a conseguir a independência, em 1973, unilateralmente, viveu relativamente calma sob o regime de partido único liderado por "Nino" Vieira, que foi deposto na guerra do 07 de Junho, entre 1998 e 1999, deixando, desde então, praticamente sem interrupção, num ambiente conturbado, especialmente com as sucessivas intervenções e golpes militares, assassinatos de comandantes militares e do Presidente "Nino" Vieira, em 2009, que tinha voltado ao país para ganhar as eleições um ano antes.
Dois dos mais marcantes assassinatos de chefes militares naquele país, os dos generais Tagme Na Waie e Veríssimo Correia Seabra, provocaram uma sensação de que a Guiné-Bissau não poderia ser encarada como um país e devia ser declarado um estado falhado.
Facto é que, após esses episódios de extrema violência, as Forças Armadas "regressaram" aos quartéis e não voltaram a intrometer-se nas questões da política, reafirmando uma e outra vez tratar-se de militares republicanos que não vão interferir na vida política, dando espaço a alguma normalidade nos sucessivos governos, deixando de pairar sobre as suas cabeças a ameaça de golpe militar.
No entanto, como se percebe, mesmo com as Forças Armadas, por clara aposta nisso do Chefe de Estado Maior General (CEMGFA), Brigadeiro-general Biague Na Ntan, desde 2014, fora do puzzle da luta política, o país nem por isso viu a estabilidade impor-se.
Embora seja de sublinhar que, provavelmente, este é o primeiro momento histórico em que o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas não se procura impor como o verdadeiro sucessor do herói nacional, fundador do PAIGC e pai da independência, Amilcar Cabral - assassinado em 1973, em Conacri -, permitindo, em vez de querer determinar quem e como é Governado o país, espaço suficiente para que a política partidária se imponha, desde que os seus protagonistas o consigam fazer.
Artur Silva chega ao Governo com PAIGC sitiado
A nomeação de Artur Silva (na foto) para o cargo de primeiro-ministro acontece quando o PAIGC se viu impedido de realizar o seu Congresso pela polícia, alegando as autoridades existir uma ordem do tribunal nesse sentido e ainda alegadamente devido a uma queixa de um grupo de 15 deputados que teriam sido expulsos e impedidos pela direcção do partido de participar no conclave.
Entretanto, o, como avançou a Lusa, o líder PAIGC responsabilizou o Presidente do país de ser o mandante do "sequestro à sede" do partido.
Para o líder do PAIGC, a polícia está a agir "a mando do Presidente" que por sua vez, recorre aos instrumentos do Estado "para satisfazer as vontades do grupo dos 15" deputados expulsos do partido, por alegada indisciplina partidária.
Domingos Simões Pereira exorta o Presidente do país a mandar levantar o cerco à sede do partido, sob pena de ser considerado "um fora de lei" que, frisou, não merece e nem deve ser respeitado pelos cidadãos.
O líder do PAIGC não percebe, igualmente, a "passividade da Ecomib", força de interposição da África Ocidental instalada na Guiné-Bissau e espera que a comunidade internacional, nomeadamente o próprio secretário-geral das Nações Unidas, ajam de forma a criar condições de segurança para que o partido possa realizar o seu congresso.
Domingos Simões Pereira lembrou que a Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO), que tem tentado mediar a crise guineense, actual com mandato da União Africana que, por sua vez, age em nome do Conselho de Segurança da ONU.
Quem é Artur Silva?
O antigo MNE guineense, que vai tomar posse esta quarta-feira, para além de tutelar a pasta dos Negócios estrangeiros, foi também ministro da Defesa, das Pescas e da Educação.
Formou-se em engenharia de pesca pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) entre 1978 e 1982, tendo depois regressado ao país para se dedicar profissionalmente à área das pescas, sendo ministro do sector entre 1994 e 1999.
Em 2009 foi convidado para ministro da Defesa, tendo-se notabilizado pelo programa de desmobilização de militares em excesso no corpo das Forças Armadas, que é uma das razões mais sublinhadas para a constante turbulência que o país viveu entre 1999 e os dias de hoje.
Foi ainda ministro da Educação Nacional, Cultura, Ciência, Juventude e dos Desportos de Maio de 2009 a Abril de 2012 e pouco depois foi nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros, Cooperação Internacional e das Comunidades, entre Outubro de 2015 a Maio de 2016.
Artur Silva é o sexto nome indicado para chefiar o Governo em Bissau e tem como missão principal, como o sublinhou o Presidente da República, organizar eleições legislativas nos próximos meses, ainda em 2018.
As eleições legislativas, no calendário normal, deverão ocorrer entre Abril e Maio, estando as presidenciais previstas para 2019.
No entanto, tudo pode mudar de um momento para o outro porque José Mário Vaz já admitiu que as duas eleições possam ter lugar no mesmo momento, em 2019.