Foi apresentado ao mundo, na passada quinta-feira, 24, como o início do fim do conflito no leste da RDC (República Democrática do Congo), entre as forças leais a Kinshasa e os rebeldes apoiados pelo Ruanda.
Até porque envolveu os Estados Unidos e o Catar, pequeno mas diplomaticamente activo Estado do Golfo Pérsico, que usa como ferramenta de pressão diplomática o gigante dos media do Sul Global, a Al Jazeera, estes acordos eram vistos como sólidos e irreversíveis.
Não correu bem. Mesmo envolvendo Washington, o calar das armas no leste da RDC durou o tempo de um tiro de Kalashnikov, tal como sucedera antes, por duas vezes, com os cessar-fogo mediados em Luanda pelo Presidente João Lourenço.
Há cinco dias que o Governo do Presidente Felix Tshisekedi e os rebeldes liderados localmente pelo bem conhecido político congolês, Corneille Nangaa, mas com Kigali como mentor e retaguarda, assinaram em Doha um cessar fogo.
Esse documento, que poderia ser considerado frágil considerando o histórico de tréguas que ruíram em pouco tempo desde 2021, altura em que Angola assumiu um papel mais relevante de mediador, ganhou reforçados alicerces, no Domingo, em Washington, EUA.
Na capital norte-americana, a RDC e o Ruanda assinaram uma "declaração de princípio" que reconhece mutuamente a soberania e o empenho de Kinshasa e Kigali no corte de linhas de apoio e de abastecimento ou suporte logístico aos grupos rebeldes e guerrilhas.
Nunca um intervalo na mortandade que há décadas, desde o início da década de 1990, mas com especial enfoque a partir de 2021, quando o M23 regressou em força, sob comando de Kigali, o leste congolês esteve tão perto, pelo menos nas expectativas criadas.
Mas nem a hiperactividade diplomática do Emir Tamim al-Tjani ou o peso da superpotência norte-americana garantiu que os confrontos no leste congolês, no triângulo Uganda-RDC-Ruanda, fossem efectivamente debelados.
Depois de em apenas três meses terem tomado pelas armas as capitais das províncias dos Kivu Norte e Sul, Goma e Bukavu, além de vastas e estratégicas regiões mineiras, os rebeldes do M23, com apoio, confirmado pela ONU, do Ruanda, voltaram a tomar, este fim-de-semana a cidade de Kaziba, na região de Walungo, numa forte ofensiva rebelde.
Segundo a Radio Okapi, a antena criada pela ONU na RDC, no contexto da MONUSCO, a sua missão armada e civil no Congo, este avanço do M23 para Kaziba é reveladora de uma intenção abrangente no tempo de continuar os combates porque abre caminho à importante região do planaltos de Minembwe para desbloquear forças aliadas de etnias locais.
Além desta acção, a Okapi sublinha ainda a existência de fortes combates entre os Wazalendo, milícias locais que apoiam as Forças Armadas da RDC (FARDC), e os guerrilheiros do M23, na zona de Irhambi-Katana e ainda nos territórios de Kabare e de Kalehe, no Kivu Sul.
Segundo avança a Radio Okapi, esta implosão dos acordos de Doha e Washington são resultado da enorme desconfiança entre as partes e a ausência de um mecanismo de vigilância para o respeito pelo cessar-fogo.
O que é resultado do fracasso dos Processo de Luanda e Nairobi, que tinham no terreno um contingente militar composto por forças de vários países, incluindo Angola e a África do Sul, entre outros, no âmbito das decisões da SADC, cujas unidades foram mandadas regressar a casa.
Como pode ser revisitado nos links em baixo nesta página, a dificuldade de conseguir calar as armas no leste da RDC resulta da estratégica importância dos recursos naturais existentes no extremamente rico subsolo congolês nos Kivu Norte e Kivu Sul.
Esses recursos, nomeadamente o coltão, o lítio e o cobalto, fundamentais para as indústrias 2.0 das grandes economias ocidentais, além dos tradicionais diamantes e ouro, ou mesmo o mercúrio, são essenciais para o fenómeno do crescimento económico do Ruanda nos últimos anos.
E os rebeldes do M23 são a máscara que esconde e facilita esta exploração ilegal dos recursos congoleses pelo Ruanda, como diversas organizações internacionais e relatórios das Nações Unidas expõem com clareza irrevogável, desde logo quando Kigali emerge como exportador de coltão quando não são conhecidas reservas deste minério estratégico no seu território histórico.