Entretanto, neste período, verifica-se a expansão da produção petrolífera, saindo de cerca de 850 mil barris por dia em 2003, para aproximadamente 1,852 milhões de barris por dia em 2008, segundo dados U.S. Energy Information Administration (EIA), coincidente, também, com uma relativa estabilidade no preço do crude no mercado internacional. Portanto, neste período, também chamado por muitos economistas, como o período áureo da economia angolana no pós-independência, verificaram‑se elevadas taxas de crescimento económico, cuja média entre 2002 e 2009 situou-se em 8,34%. Contudo, o crescimento foi dominado pela expansão da produção de petróleo, o que acentuou a dependência da economia angolana ao sector petrolífero, não se verificando quase nenhuma diversificação económica.

Uma característica visível nesse período foi o aumento da despesa pública e a notável intervenção do Estado: marcado por um forte protagonismo do Estado na economia (contratos, adjudicações, empresas públicas e grandes projectos, incluindo a criação de lojas de bens alimentares). Igualmente, nesse período Angola transformou-se num verdadeiro canteiro de obras. Inicialmente, foi ventilada uma conferência de doadores que possibilitasse o financiamento dos projectos de reconstrução nacional, do tipo Plano Marshall. Porém, a aludida conferência acabou por não se concretizar, pelo que, o Governo, não encontrando alternativas no Ocidente para financiar as obras de reconstrução nacional, virou-se para a China, que concedeu empréstimos, garantidos por embarques de petróleo, que permitiu a execução de grandes projectos de infra-estruturas, tais como barragens, estradas, centrais de captação de água, escolas, hospitais, entre outros.

Efectivamente, o financiamento chinês, peca, apenas, por não se terem estabelecidos mecanismos apropriados de governação e rigor na fiscalização das obras. Porquanto, o balanço que se faz, e o que os programas Banquete e Caranguejo da Televisão Pública de Angola (TPA) apresentaram, nem todo o dinheiro do financiamento chinês serviu ao interesse público (aliás, esta é matéria para outra reflexão).

Entretanto, nesse período deu-se a crise económica e financeira internacional de 2008, a crise do subprime. A economia mundial sofreu um forte abanão, a procura pelo crude registou uma significativa baixa, trazendo o preço do petróleo na ordem de 41,34 USD por barril em Dezembro de 2008. As contas nacionais dependentes dos impostos petrolíferos e o mercado cambial angolano foram severamente afectados. Foi assim que, em 2009, o Governo solicitou o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI). Apesar de Angola ter aderido ao FMI desde 1989, as benesses do petróleo permitiram o Governo esquivar-se das imposições dessas instituições financeiras internacionais. Porém, em 2009, ano de fraco crescimento (0.86,00%), em comparação com a média dos últimos cinco anos (12,24%) e do ano anterior (10,79%), o Governo não teve outra alternativa, senão negociar um acordo com o FMI, o chamado Stand-By-Arrangement (SBA), no valor de 1,4 mil milhões de dólares americanos, para estabilizar as contas nacionais abaladas pela queda do preço do petróleo.
Os níveis de crescimento observados entre 2002 e 2008, não mais se tornaram a repetir. Porém, o preço de petróleo recuperou-se muito rapidamente nos anos subsequente, em 2010, 2011 e 2012, a economia cresceu 4,70%, 3,50% e 8,50% respectivamente. Nesse período verificou-se também a subida dos preços do petróleo, de tal forma que, em 2012, o preço do barril situou-se acima dos $100 dólares americanos. Entretanto, em Junho de 2014 iniciou-se a queda do preço do barril de petróleo devido ao excesso de oferta, o que, para as economias dependentes de recursos naturais, despoletou uma nova crise que se alongou até a crise da Covid 19. A economia angolana cresceu 0,76% em 2015 e, a partir daí, o crescimento manteve-se negativo.

Em termos de reformas económicas, deixou de haver a tipologia de programas específicos de reformas, como foi nos períodos precedentes, tendo a incidência, sido, essencialmente em: i) acções visando a reconstrução nacional; ii) a atracção de investimento estrangeiro/privado; iii) na modernização da legislação de investimento e fiscal; iv) na tentativa de reorganização de empresas públicas (portos, caminhos de ferro); iv) a realização da reforma tributária na tentativa de aumentar as receitas fiscais do sector não-petrolífero; e v) a gestão das finanças públicas. Foi nesse período que se efectuou, a meu ver, a maior reforma tributária, depois da independência, o Projecto da Reforma Tributária (PERT), lançado pela Lei n.º 17/10 de 29 de Julho, que melhorou substancialmente, a relação com os contribuintes (sujeitos activo versus passivos), de que resultou a publicação em 2014 de um número considerável de Leis tributárias (novo Código Geral Tributário Lei n.º 21/14, de 22 de Outubro, Código do Imposto Industrial Lei n.º 19/14, de 22 de Outubro, Código do Imposto sobre o Rendimento do Trabalho Lei n.º 18/14, de 22 de Outubro, etc.) e à junção da antiga Direcção Nacional de Impostos com a Direcção Nacional de Alfândega, surgindo, dessa feita, a Administração Geral Tributária (AGT), que injectou sangue novo na sua estrutura e permitiu uma maior proximidade com o contribuinte, pese embora as imperfeições ainda prevalecem.

Igualmente, foram publicadas novas leis de investimento estrangeiro e privado, definindo novas regras e incentivos fiscais, introduziram-se exigências de conteúdo local, bem como condicionantes de parcerias com cidadãos nacionais. A regulação do sector bancário foi aperfeiçoada, dando primazia à supervisão bancária e à legislação financeira para acomodar o crescimento económico, ao mesmo tempo, permitir aos bancos locais capacidade de lidar com grandes fluxos financeiros das grandes petrolíferas; ao mesmo tempo, surgiram enormes fragilidades, traduzidas no endividamento excessivo. A utilização de linhas de crédito e operações «oil-backed» empréstimos ligados a receitas petrolíferas para financiar investimentos, aumentou os riscos fiscais quando o preço do petróleo caiu. Em sumo, a fraca capacidade de fiscalização da governação das instituições públicas, concentrada numa minoria, permitiu o descaminho de fundos para fins alheios ao interesse público. Uma outra reforma que foi retomada nesse período foi o redimensionamento do sector empresarial público, com a criação do Instituto de Gestão das Empresas Públicas (IGAPE). Ao longo do período foram realizadas avaliações e medidas administrativas sobre empresas públicas estratégicas (incluindo a Sonangol), visando maior transparência, reestruturação e, nos anos subsequentes, processos de privatização e/ou reestruturação. As fases mais organizadas de privatização formalizam-se depois de 2017, mas as bases foram lançadas nesse período.

Apesar de nesse período se ter verificado a redução da taxa de inflação para níveis de um dígito (7,40%, antes da eclosão da crise de 2014), tendo em conta a excessiva dependência do petróleo e apesar dos investimentos que foram feitos fora do sector petrolífero (o caso da Zona Especial Luanda -Bengo-ZEE), projectos imobiliários em centralidades, a crise de 2014 arrastou a economia para a recessão, tendo a inflação homóloga atingido 41,95% em Dezembro de 2016. Portanto, em 2016, na véspera da transferência do poder, a economia atravessava o marasmo de sempre, crescimento económico inexistente, altas taxas de inflação, diversificação económica quase nula. A próxima reflexão vai ater-se às reformas encetadas no consolado do actual incumbente do Palácio da Cidade Alta, para depois, apresentar a minha perspectiva do caminho para reverter o quadro recorrente de instabilidade macroeconómica. Até à próxima reflexão.

*Economista