O Continente Africano é cada vez mais dependente de alimentos básicos importados, pagando uma factura estimada em 35 bilhões de dólares por ano. Os sistemas de produção de alimentos africanos devem responder a sociedades em mudança, à globalização alimentar, às mudanças demográficas caracterizadas por aumento do número de jovens, ao aumento da migração rural-urbana, às mudanças nas dietas tradicionais, e ao impacto económico e social das mudanças climáticas e de novas e velhas doenças.

Embora o acesso físico e económico a quantidades suficientes de alimentos seja ainda um problema crítico na África Subsaariana, as doenças não transmissíveis (diabetes tipo 2, hipertensão, vários tipos de cancro entre outras) derivadas de uma alimentação inadequada são, também, uma questão cada vez mais visível.

Na Nigéria, por exemplo, estima-se que o número de pessoas com diabetes aumentará de 3,1 milhões em 2011 para 6,1 milhões em 2030. Em Angola a situação não será muito diferente. Estudos reduzidos realizados em Luanda em 2018, parecem indicar elevadas prevalências de sobrepeso e obesidade. Isto não deriva das preferências e hábitos alimentares da população com maior rendimento.

Deriva, maioritariamente, da pobreza. Com uma mudança gradual para dietas industriais mais baratas, carregadas com ingestão excessiva de gordura, açúcar e sais e alimentos de origem animal, caracterizados por um armazenamento prolongado e excesso de processamento, Angola será, tal como outros países africanos, cada vez mais confrontada com o triplo fardo da má nutrição: fome, desnutrição e obesidade. Os custos sociais, económicos e políticos desta situação são extremamente avultados.

Os próximos anos serão importantes para mudar a forma como a agricultura trata esta situação. È preciso passar de acções voltadas à provisão de energia calórica e animal para a provisão e acesso a alimentos bio diversos e nutritivos pela maioria da população. Esta é a razão de ser de uma política de segurança alimentar e nutricional. Um mandato que só é possível de cumprir com os poderes necessários para aglutinar, neste esforço, os sectores público e privado, incluindo os vários órgãos de Governo cuja acção tem um impacto directo ou indirecto na alimentação. Isto implica que a segurança alimentar e nutricional seja tratada, politicamente, ao mais alto nível hierárquico do Estado.

Na última década, Angola teve um papel de relevo nesta área. Foi dos primeiros países na Africa Subsariana e na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a desenhar uma Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional. Decidiu, igualmente, pela implementação de um Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional presidido pelo Presidente da República tendo como secretariado técnico um gabinete de segurança alimentar e nutricional com capacidades adequadas. A 26ª Conferencia Regional da FAO para África que teve lugar em Luanda de 5 a 9 de Maio de 2010, reconheceu esse esforço e marcou um novo quadro institucional nesta matéria para todo o continente africano.

Nesse período, recorde-se, Angola assumiu a Presidência da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) e da CPLP, mandatos que sinergicamente, ampliaram o impacto da sua acção internacional nesta área.

Num momento em que a União Africana e todos os parceiros internacionais de desenvolvimento se preocupam com os impactos da COVID-19 sobre a segurança alimentar e nutricional em Africa, será importante que todos os países africanos reforcem essa trajectória, recordando que a maior prioridade da agricultura é alimentar adequadamente os africanos. n

*O brasileiro José Graziano da Silva é agrónomo de formação, professor universitário, liderou a equipa que formulou o programa "Fome Zero" no Brasil, ajudando a retirar 28 milhões de pessoas da pobreza extrema e da fome naquele país. Em Junho de 2011 foi eleito como o oitavo Director-Geral da FAO, cargo que ocupou até Julho de 2019.