Mais de uma semana depois do terramoto político que representou a elei- ção do candidato republicano, continua a incerteza sobre o rumo que os EUA vão tomar durante a presidência de Donald Trump, da mesma forma que continua por conhecer qual será a política norte-americana para o continente africano.
Se no primeiro caso há indícios que permitem antever uma viragem à direita, a adopção de políticas proteccionistas, desprezo pelas alianças estratégicas dos EUA, a deportação de imigrantes ilegais, sobretudo mexicanos, e um programa social conservador, no que diz respeito a África não há qualquer sinal que permita especular, dado o silêncio quase absoluta de Donald Trump no que toca ao continente, apenas interrompido por alguns comentários no Twitter durante a presidência de Obama.
Nem as declarações que lhe são imputadas de que, quando fosse eleito, iria depor líderes africanos há muito tempo no poder, passam numa verificação de factos, desconhecendo-se até ao momento a sua proveniência.
"Trump disse muito pouco sobre África. Eu não sei se ele sabe muito sobre África", comentou à BBC Jakkie Cilliers, presidente do Institute of Security Studies, grupo de reflexão sediado em Pretória, África do Sul, prevendo que Trump será um presidente muito focado nos interesses dos EUA e, num certo sentido, isolacionista.
Esse proteccionismo poderá levar a próxima Administração americana a rever a Lei de Crescimento e Oportunidades para África (AGOA), que concede isenção de algumas taxas na entrada de produtos africanos nos EUA, mas isso não terá grandes reflexos, uma vez que os países africanos não são grandes parceiros comerciais dos EUA.
O mesmo não acontece se os EUA resolverem cortar nos apoios concedidos ao continente. Tratando-se do terceiro maior doador para África, atrás da Europa e China, percebe-se o impacto que isso teria, como destaca o economista e sociólogo alemão Robert Kappel numa entrevista à DW, onde refere que, desde 2011, os EUA gastam em média por ano 8,9 mil milhões de dólares, valor cinco vezes maior do que o total em 2001.
Igualmente preocupada com a diminuição da ajuda prestada a África está a Presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, a primeira mulher a ser eleita para a chefia de um Estado africano.
Para além de lamentar que os EUA tenham perdido a oportunidade de se juntar aos esforços de pequenas democracias para pôr fim à marginalização das mulheres, ao não elegerem Hillary Clinton, Johnson está preocupada que Donald Trump não seja capaz de construir pontes com África e que vire as costas ao continente, o que a acontecer pode pôr em causa programas implementados pelos seus antecessores.
A Presidente da Libéria refere-se, nomeadamente, ao Plano de Emergência lançado por George W. Bush, no âmbito da luta contra a Sida, virado para os países de África Subsaariana, e o programa «Power Africa», lançado em 2013 por Barack Obama, com o objectivo de duplicar o acesso à electricidade. Este programa, que previa levar a energia a 60 milhões de pessoas até 2018, num investimento na ordem dos 7 biliões de dólares, mereceu críticas de Trump, quando foi lançado.
Num comentário no Twitter, em Julho de 2013, o multimilionário escreveu: "Cada centavo enviado por Obama a África será roubado - ali a corrupção é galopante". Ellen Johnson sublinhou ainda, do mandato do Presidente Obama, o facto de ter organizado a primeira Cimeira de Líderes Africanos, em Washington, realizada em 2014, além de ter prestado uma significativa ajuda aos países do Oeste Africano, incluindo a Libéria, para lidarem com o surto de Ébola. Onde as preocupações com eventuais cortes mais se fazem sentir é no combate ao terrorismo, em África, onde há várias frentes de batalha.
Num artigo publicado no site do Institute of Security Studies, Zachary Donnenfeld adverte que se Trump implementar a política externa que divulgou na campanha dele "pode transformar-se no mais eficaz instrumento de recrutamento para as organizações terroristas em todo o mundo".
(Pode encontrar o Especial Informação do Novo Jornal sobre "Trump e África" na edição nº 458 do Novo Jornal, nas bancas, ou em versão digtal que pode pagar via Multicaixa)