Viveu quase uma década em Portugal. O que o fez regressar agora a Angola definitivamente?
Não vivi, vivo há mais de uma década em Portugal-Lisboa e estou em Angola por tempo indefinido para a realização de alguns projectos pessoais e profissionais incluindo a edição e promoção do meu novo trabalho.
Que motivos o levaram a deixar o seu país para ir residir em Portugal?
Falta de perspectiva, desorganização política e social, ausência de democracia e liberdade de expressão, limitação artística e cultural, podia enumerar aqui muito mais motivos mas não sairíamos daqui agora.
Ordem depois do Caos será o título do seu próximo álbum. Porque escolheu esse título?
O universo, ou seja o termo mais indicado para a formação do universo a cosmogonia também conhecida como o BIG BANG, foi derivada de um caos, várias explosões de átomos que formaram o mundo e tudo aquilo que nos rodeia, eu identifico-me bastante com essa teoria porque a minha carreira artística e a minha vida pessoal foi sempre muito atribulada. Neste momento sinto que está tudo em ordem, sinto-me em paz desde que decidi gravar este meu quinto álbum de originais, sinto a paz que nunca tinha sentido antes, a calma, a ordem que esperei alcançar um dia, sem imposições de editores ou terceiros a dizer o que devo ou não fazer, tive algumas opiniões construtivas obviamente mas a orientação musical e composição toda deste álbum foi organizada por mim, sozinho.
Qual é a sua abordagem neste disco, continua um músico revolucionário?
A abordagem é a mesma, quem acompanhou os meus trabalhos passados sabe perfeitamente que eu nunca me prendi a estereotipos e nunca fui limitado, daí nunca me ter auto-intitulado um músico revolucionário, nunca quis ter um rótulo. Eu gosto de filosofar sobre tudo e mais alguma coisa, sou um cidadão politizado sim e nunca consegui dissociar-me da política. Tudo o que gira à nossa volta é política e como qualquer jovem com consciência tento sempre denunciar as disparidades, alertar e despertar consciências adormecidas através da minha música. Qualquer um pode ter uma imagem revolucionária, eu considero- me mais um socialista libertário.
Já existe data marcada para o lançamento?
Não temos data prevista ainda, temos estado a organizar todo o plano promocional e em princípio arrancamos no mês de Agosto e só a partir daí é que se pode perspectivar a data oficial de lançamento.
Quais são as suas expectativas em relação a este novo trabalho?
(risos) Pode parecer impossível e quem me conhece sabe que eu nunca crio expectativas de nada nem mesmo dos meus trabalhos. Faço-o com toda a naturalidade do mundo e depois deixo que as pessoas decidam gostar ou não da obra.
Vê-se claramente que é um rapper ideológico. Quais os artistas que mais o influenciaram a ter essa veia revolucionária?
Sim, o meu trabalho e tudo o que envolve a minha personalidade é bastante ideológica, desde tenra idade que aprecio bastante a história política, sempre fui vidrado por grandes nomes como Marx, Engels, Lenine, Platão, G.W.F. Hegel, Trotsky, Bertolt Brecht, Ché Guevara entre outros. À medida que fui crescendo e percebendo a importância da música na sociedade enquanto expressão política, ouvi bastante Bob Marley & The Wailers, Bob Dylan, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, John Lennon, RATM, Public Enemy, Common Sense, NAS e muitos outros noutras artes também influenciaram e continuam a influenciar bastante o meu trabalho.
Lançou um Álbum Diários de Marcos Robert no dia 11 de Novembro, qual foi o objectivo por trás desta ideia?
Bem, a ideia foi passar a mensagem de que Angola ainda vive numa falsa ilusão de independência. O conceito de liberdade é uma farsa do ponto de vista de quem quer ver realmente Angola crescer enquanto país livre e democrático. Há uma música intitulada Reféns neste álbum, que não saiu na edição angolana porque a distribuidora não aceitou que a música fizesse parte do mesmo com medo de represálias pelo seu conteúdo político. Só um país governado a base da intimidação, que tem medo de opiniões que não são as mesmas que as dos senhores do poder é que se dá ao trabalho de perseguir, censurar e tentar matar a liberdade e criatividade dos artistas e isso infelizmente ainda acontece em Angola.
Que diferenças podemos esperar entre o seu último álbum e o novo?
Muitas diferenças(mais de 7) (risos)… Cada álbum é um álbum, os temas são totalmente diferentes, os beats são diferentes, muito mais maduro, mais musical e as participações também, embora o conteúdo e o propósito sejam os mesmos. O Bob que as pessoas ouvem e gostam não é o mesmo de há uns anos atrás, aquele Bob cresceu em muitos sentidos, conheceu outros mundos e amadureceu a sua opinião mas mantém a sua essência. Os meus princípios é que fazem de mim a pessoa e o artista que sou e não pretendo mudar isso por nada deste mundo.
Com que participações vai contar em termos de músicos e produtores musicais?
Neste álbum decidi trabalhar com pessoas com quem nunca tinha trabalhado (directamente) antes como o Milton Gulli (Cacique 97 & Cool Hipnoise), Sp (Produtor), o Finguerz que é um produtor moçambicano, o Kilú, uma lenda da produção em Portugal, o Ricardo 2R que é angolano mas encontra-se a estudar nos Estados Unidos e o New Max (Expensive Soul) com quem eu já tinha trabalhado antes mas numa participação cantada. Neste álbum o Max aparece como produtor de uma das faixas e quanto as participações cantadas: Sir Scratch, Sam The Kid, Milton Gulli, Fuse (Dealema), Maura Magarinhos, Capicua, Salvaterra, Celso Opp, Dino DSantiago (Nu-Soul Family), Virgul (Da Weasel/Nu-Soul Family), NBC, Selma Uamusse (WrayGun), Orlanda Guillande & Dj Glue (Da Weasel) é tudo pessoal da escola do Hiphop, Soul, Funk e Jazz. Tem também alguns músicos que tocaram instrumentos no álbum como o João Gomes (Teclista de Orelha Negra, Ana Moura e outros), Francisco Rebelo (Baixista de Orelha Negra, Cool Hipnoise e etc..), João Cabrita (Saxofonista de Sérgio Godinho, Virgem Suta e etc..) músicos amigos com quem já tinha trabalhado no álbum passado, Diários de Marcos Robert.
Como vê actualmente o mercado da música angolana?
Bem, neste momento o mercado angolano está dividido em dois: os que têm bastante apoio e têm bastante público e os que não têm muito apoio, movimentam-se de forma quase independente mas também têm muito público por impossível que pareça. Só que esses contam-se pelos dedos. A música fácil e banal é sempre bem vinda em qualquer mercado, essas labels têm dinheiro para investir em promoção e na imagem de artistas sem personalidade nenhuma, sem talento, artistas sem noção nenhuma de nada. Existe um elevado atraso social e cultural nesse país, cantam o que a grande maioria quer ouvir mas não se apercebeu ainda que não precisa daquilo. Angola carece de quase tudo o que é educação e cultura. Acho que qualquer que seja a prioridade está trocada, eu gosto bastante do rap lúdico que se faz em Angola embora sejam muito poucos artistas neste ramo e com relevância mas os que fazem acabam por compensar tudo aquilo a que eu chamo de lixo sonoro….
Acha que estando em Angola terá a mesma liberdade musical que teve em Portugal?
Eu nunca gostei de levar desaforo para casa e não acredito que será desta que vou levar. Não importa se não passar na rádio, se a televisão preferir passar a bimbalhada do que passar qualidade, não me importo muito com isso, vou continuar a fazer aquilo que gosto e sei fazer, a censura nunca condicionou a minha criatividade, portanto...
Deu um show em Luanda que lotou o Cine Atlântico. Como explica a simpatia que o público tem por si, mesmo tendo estado tantos anos fora do país?
Aquele concerto foi o meu prémio de carreira, não consigo explicar o que senti quando vi aquele público todo a vibrar e a cantar as minhas músicas. As pessoas às vezes viram e dizem que eu tenho esse amor por parte do público porque vivo fora. Mas ignoram tudo aquilo que eu andei a fazer durante esses anos todos. Eu construí uma carreira como mais nenhum Mc da minha geração construiu, tenho um repertório enorme e mercados para o meu trabalho fora de Angola, isso tudo fruto do meu esforço e dedicação. Sempre cantei para as pessoas e as pessoas retribuem o amor, acho que passa um pouco por aí.
Esse show gerou polémica pela intervenção de conteúdo político de alguns participantes. Esse facto chegou a afectar de alguma forma a sua carreira em Angola?
De forma alguma, aquilo foi um acto inconsequente e isolado. Há pessoas aqui em Angola que confundem coragem com esquizofrenia. Há milhares de maneiras de passar uma mensagem (político- -social principalmente) sem ter de recorrer ao insulto e à ofensa, até porque os grandes revolucionários que mudaram o rumo da história prezavam bastante pela disciplina e o respeito. O concerto era meu, ninguém disse que aquilo era um comício revolucionário. Há uma linha a separar revolução de falta de educação, arrogância e despotismo. No fim do dia, quem esteve lá, viu que eu cumpri com o que fui lá fazer.
Ouvimos dizer que tem como projecto fundar uma editora . Fale- nos sobre esse plano.
Sim, este é um dos meus objectivos cá mas não tenho ainda muito para adiantar em relação a isso.
O seu pai era grande admirador de Bob Marley. Foi daí que veio o seu nome?
Sim, o meu pai idolatrava o Bob Marley e o meu nome Robert (Bob) foi em honra do King of Reggae como é conhecido mundialmente. Nasci um ano após a sua morte 1982 e o meu pai achou que devia, que ficava bem e por acaso ficou (risos)….
Isso influenciou-o de alguma forma, em termos musicais?
Bob Marley & The Wailers são indubitavelmente a minha maior influência. Oiço Bob Marley desde que me lembro de alguma coisa. Desde a sonoridade musical até aos mais variados conteúdos da banda continuam muito presentes no meu quotidiano, quando oiço Bob Marley fico com a ligeira impressão de ter nascido na época errada, faz-me sentir que talvez gostasse mais de viver durante a década de 60 e 70 e morrer nos anos 80 mas depois volto a realidade consciente de que cada um tem a sua importância e a sua missão durante a sua época de vida.
Quem é Robert Montargil fora do mundo da musica?
Acho que não existe um Robert Montargil fora do mundo da música. Eu durmo, respiro, transbordo e vivo pela música. Não consigo passar uma hora sequer sem ouvir música. Não consigo passar um dia sem escrever ou pensar num tema para desenvolver, o resto vem por arrasto. Sou um grande apreciador de arte em geral, adoro ver filmes, ler, estar com pessoas, sou uma pessoa bastante sociável. Mas em primeiro lugar está a música.