O Novo Jornal visitou vários restaurantes de Luanda e conversou com alguns gestores, que dizem estar a ser difícil manter os estabelecimentos a funcionar. Dos considerados de luxo, como o café Del Mar, aos que se enquadram na categoria de restaurante familiar, como o Fininho, o Manilson, e o Vicente, os discursos não variaram muito: "Se o Executivo continuar a proibir os restaurantes e similares de abrirem as portas aos fins-de-semana e mantiver a restrição do horário de funcionamento até às 18:00, de segunda a sexta-feira, como estabelece o decreto presidencial em vigor, haverá o encerramento de muitos estabelecimentos e o despedimento de muitos trabalhadores". Mas há também quem se tenha preparado para enfrentar esta crise, como o conhecido São João, que há muitos anos funciona no Maculusso, em Luanda, que defende as medidas do Governo, apesar da perda de receitas.

No São João, o Novo Jornal falou com Licínio Barreira, que tem a concessão do estabelecimento desde 2012. É a pior crise que enfrenta desde que assumiu a gestão do estabelecimento, diz, mas não despediu nenhum dos seus 60 trabalhadores nem baixou salários a ninguém.

O restaurante é mesmo caso único entre os estabelecimentos visitados pelo Novo Jornal. "Mas não tem sido fácil", diz o gestor português, que avança que a perda das receitas ronda os 40% e só não é superior porque "o São João se preparou muito bem".

"Investimos muito nas entregas ao domicílio, criámos uma equipa própria para o efeito. Comprámos motas, preparámos os trabalhadores".

"As entregas ao domicílio e o take-away correspondem, neste momento, a 50% da facturação do restaurante, mas as perdas são muitas, claro, pois nessas modalidades não se vendem bebidas, entradas ou sobremesas. E aí perde-se muito dinheiro".

Apesar das perdas, Licínio Barreiro é o único que defende as medidas impostas pelo Governo.

"A saúde de todos está em primeiro lugar e um restaurante, mesmo cumprindo todas as medidas de biossegurança, pode ser um sítio onde o vírus circula mais à vontade. As pessoas tiram a máscara mal se sentam, há multicaixas a passar de mão em mão", afirma.

O Novo Jornal falou também com os gestores dos restaurantes da Ilha de Luanda, onde ouviu Carla Bumba, gerente do restaurante Fininho, Tânia Carvalho, administradora do Café Del Mar, e Manilson André, proprietário da esplanada Manilson.

Carla Bumba, que trabalha como gerente no restaurante Fininho, na Ilha de Luanda, disse que "esta medida só veio apertar mais as coisas que antes já eram difíceis".

"Perdemos e continuamos a perder muito dinheiro, 50 por cento da nossa facturação. É certo que antes da pandemia as coisas eram outras, hoje o rendimento não é igual, recebemos menos, porque aceitámos ver reduzidos os salários para não irmos para casa desempregados", contou.

A gerente salientou que só no restaurante Fininho, 22 pessoas foram mandados para casa desde o início da pandemia da covid-19. Hoje, aquele estabelecimento conta com 23 trabalhadores dos quais 13 se encontram em casa devido à redução do horário e do encerramento de um turno por conta da proibição do presente decreto.

O restaurante, que antes tinha várias mesas, hoje reduziu o número por conta do cumprimento das normas de biossegurança, constatou o Novo Jornal.

"Há muitas perdas, muitas perdas mesmo, que ameaçam os nossos empregos. O nosso restaurante baixou de rendimento por completo e os chefes já alertaram. Se isto continuar assim por mais um mês, vão encerrar", contou.

De acordo com Carla Bumba, não adianta estarem com o restaurante aberto sem vender refeições e ter de pagar as rendas e os salários.

"Há outros encargos a cumprir, não adianta manter isto aberto enquanto estamos limitados de segunda a sexta-feira e encerrados aos sábados e aos domingos. Estamos reduzidos na força de trabalho, trabalhamos apenas com 50 por cento do pessoal. Esse horário que estabeleceram não serve para nada", disse.

"Normalmente, os clientes vêm das 12 às 14:00, para o almoço, depois desse horário um ou outro que entra para beber um fino ou um chá, perdemos praticamente os jantares".

Na verdade, prossegue a gerente, "o actual decreto prejudica ainda mais o sector, pois o anterior, que ia até às 22:00, dava-nos mais jeito".

Carla Bumba lamentou ainda o facto de as praias continuarem encerradas para os banhistas e afirmou que tal facto contribui para a redução de clientes e receitas.

A gerente afirmou que no seu estabelecimento não se faz o serviço de take-away por não ser rentável e salientou que não encontram uma outra forma de se reinventar.

"Se antes facturávamos um milhão num dia, hoje facturamos apenas entre 250 a 300 mil kz, e aos fins-de-semana é agora zero", desabafou.

O restaurante Fininho na ilha de Luanda existe há seis anos, é frequentado, maioritariamente, por cidadãos expatriados, um deles que se juntou à conversa e preferiu anonimato, disse que o Estado angolano, se não abrandar estas restrições, vai deixar morrer os sítios de lazer em Luanda.

Tânia Carvalho, administradora do Café Del Mar, o luxuoso restaurante à beira-mar, afirmou ao Novo Jornal que o estabelecimento também está a viver dias difíceis e salientou que o restaurante " teve de sacrificar mais de 70 funcionários para se manter vivo".

"Tivemos de rescindir contratos com mais de 70 funcionários, isso foi um golpe para nós, mas não tivemos outra saída. Dói-nos a alma, mas não tínhamos escolha", lamentou.

Segundo esta responsável, as medidas de biossegurança são todas cumpridas no restaurante Café Del Mar e mostrou-se entristecida pelo facto de muitos outros restaurantes em Luanda não as estarem a cumprir.

"Cumprimos com tudo, porque o importante para nós é a saúde das pessoas, em particular dos nossos clientes. A covid-19 existe e nós fizemos a nossa parte, o que não vemos nos outros sítios, há até dirigentes do Governo que nos dizem que estamos a exagerar ", disse.

Segundo Tânia Carvalho, as medidas de restrições impostas pelo Executivo aos restaurantes e similares estão a causar um grande prejuízo na rentabilidade dos estabelecimentos.

O restaurante Café Del Mar, soube o Novo Jornal, antes do início da pandemia contava com mais de 190 funcionários, que já reduziu para 120, para manter funcional o estabelecimento que, segundo explicou a administradora, está à beira do encerramento caso as restrições se mantenham por mais 30 dias.

"Não vamos aguentar mais, visto que estamos sem as praias, quase sem clientes, com um monte de encargos, e com prejuízo de 50 por cento da nossa facturação mensal, não estamos a conseguir reinventar-nos, as coisas estão cada vez mais difíceis", contou.

"Caso as coisas não sejam alteradas, vamos ter de rescindir contratos e mandar para o desemprego mais alguns. Não é isso que queremos, mas não teremos outra saída", avisou a gestora do Café Del Mar, com capital 100% angolano.

Ainda na Ilha de Luanda, o Novo Jornal conversou com Manilson André, proprietário da Esplanada Manilson, um estabelecimento de pequenas dimensões, que está ao lados dos grandes restaurantes da Ilha de Luanda, como o Coconuts, o Lookal Mar, o Lookal Beach Club e o Chill Out.

Segundo Manilson André, desde a entrada do decreto, a 8 de Maio, já dispensou dois funcionários.

"Desde que veio a ordem deste triste decreto, só estamos a baixar ainda mais do que já estávamos, porque nós só tínhamos clientes a partir das 18:00 em diante. Antes funcionávamos até às 22:00, e trabalhávamos nos fins-de-semanas, na verdade, nós só começamos a ter clientes a partir das 16:00, o pior ainda é que nos tiram os fins-de-semana, que são os dias de facturação", lamentou.

O jovem empresário angolano lamentou o facto de não estarem abertas as praias, uma vez que o seu estabelecimento está à beira-mar e 80 por cento dos seus clientes são banhistas.

"O pessoal já não vem banhar-se e quando tiram mais os sábados e os domingos, apenas matam os nossos empregos. Desde que entrou em vigor este decreto, apenas vimos cá fazer limpeza e guardar os espaços ou cumprir calendário de trabalho, porque trabalho de facto deixou de existir", realçou.

Manilson André disse que desde o início da pandemia já dispensou 13 dos 18 funcionários que tinha devido às perdas avultadas e assegura que não consegue alternativas, apesar de estar a tentar já há algum tempo.

No pequeno restaurante Vincent, na baixa de Luanda, conversámos com Ângelo Adão, o gestor, que explicou estar à beira do encerramento se as coisas não forem alteradas.

O bonito mas não grandioso restaurante, que é frequentado maioritariamente por funcionários da petrolífera Sonangol, já dispensou sete dos 15 trabalhadores que tinha.

"Na minha opinião, o Estado não pensa com a cabeça, não sei como é possível manterem os restaurantes e similares encerrados das 18:00 em diante e aos sábados e domingos o dia todo", declara. E acrescenta: "Só estou a ter prejuízo, mesmo fazendo take-away, não há lucros".

"Os encargos que tenho de pagar são os mesmos, não há facilidades. Noutros países, o Governo reduziu os impostos, mas cá tudo permanece e ainda nos limitam exageradamente", desabafou.