Apesar de já serem uma relíquia da "guerra fria", tendo começado a ser produzidos na década de 1970, embora com permanentes actualizações, o BGM-109 Tomahawk é um míssil de cruzeiro com 2500 kms de alcance e ficou famoso na Guerra do Golfo, com as imagens dos seus disparos do navios norte-americanos em direcção a Bagdad rasgando a noite escura nos ecrãs da CNN International.

Mas não é pela sua fama que, em Moscovo, Putin se enfureceu com o amigo Trump, é porque os BGM-109 Tomahawk possuem capacidade de serem armados com ogivas nucleares e seriam uma escalada de vários patamares no conflito na Ucrânia, porque essa ameaça nuclear poderia ser em longa profundida no território da Federação Russa, com um raio que engloba todas as grandes cidades russas, excepto Vladivostok, no extremo oriente.

Apesar de, como disse o Presidente russo no Fórum Económico de Valdai, no fim de semana, em São Petersburgo, estes misseis de cruzeiro, mais lentos que os balísticos mas mais precisos nos ataques aos alvos, serem antigos e não terem capacidade para alterar o curso da guerra, o seu envio para a Ucrânia seria a demonstração de uma mudança radical nos EUA sobre o conflito que procuram media para alcançar a paz colocando-se assim claramente do lado de Kiev contra Moscovo.

Citado pela RT, o chefe do Kremlin avisou Donald Trump - que esta sexta-feira, 10, saberá se vai ter o tão ansiado Prémio Nobel da Paz -, para o inevitável colapso das conversações entre os dois países, e as duas maiores potências militares do mundo, devido aos seus arsenais nucleares, que visavam a normalização das relações entre Moscovo e Washington, o que pode abrir a porta a uma nova corrida às armas, como esteve quase a suceder na anterior Administração Biden.

A polémica dos Tomahawk começou quando o vice-Presidente dos EUA, JD Vance, há duas semanas, admitiu que se estava a ponderar em Washington o envio destas armas para Kiev, o que, logo, os analistas militares colocaram em cima da mesa o que isso significaria para o Kremlin, porque, sendo potencialmente misseis nucleares, um disparo em direcção a Moscovo teria de ser visto como um possível ataque de decapitação contra Moscovo com uso nuclear.

Além disso, como sublinhou igualmente Putin em São Petersburgo, ao colocar os BGM-109 Tomahawk na Ucrânia, os norte-americanos estão a dizer aos russos que são os seus miliares que os vão disparar, com informação fornecidas pelos satélites americanos, o que faria dos EUA entrarem em guerra aberta e directa com a Federação Russa e estaria, assim, aberta uma auto-estrada para a III Guerra Mundial e o muito provável fim da Humanidade num braseiro atómico.

Entretanto, claramente para mostrar que este assunto está no topo das prioridades e das preocupações do Kremlin, Vladimir Putin veio este Domingo, 05, de novo, falar dele, numa entrevista a um canal russo, o Russia-1, afirmando que se vier a suceder, "levará à destruição

Seja por causa da reacção robusta de Putin, ou porque se tratou de um teste à disposição do Kremlin, como tantas vezes sucede, nas últimas horas, embora citando fontes anónimas do Pentagono, a Reuters e o Financial Times vieram dizer que esse fornecimento destas armas a Kiev era "muito difícil de acontecer" e não está entre as prioridades americanas, tendo o jornal ido mais longe, sublinhando que tal se deve ao facto de os especialistas do Pentagono não acreditarem que isso possa alterar o curso do conflito e mudar a tendência de vitória dos russos.

Zelensky furioso com os aliados da NATO

Apesar de os países europeus da NATO, com Reino Unido, França e Alemanha no pódio dos mais férreos defensores verbais do aumento da pressão militar da Aliança Atlântica contra Moscovo, embora sempre fazendo isso depender do apoio norte-americano, a verdade é que, na prática, a resposta destes ao crescente vigor dos ataques da Federação à Ucrânia tem sido incipiente.

Apesar da retórica robusta para erguer uma "muralha de drones" nas fronteiras com a Rússia, de arregimentar biliões para oferecer armas a Kiev, das sucessivas e muito mediáticas reuniões da denominada "coligação da vontade", os líderes europeus, com o francês Emannuel Macron, que volta a ter em mãos a quada do Governo do primeiro-ministro Sebastien Lecornu, apenas 26 dias depois de tomar posse, o alemão Friedrich Merz, que tem a economia em farrapos, e o britânico Keir Starmer, prestes a ter de enfrentar problemas sérios de Governo, à frente, parecem ter cada vez menos vontade de ir além da conversa.

E em Kiev, Volodymyr Zelensky, que, por essa razão, na prática, mesmo que a conversa mostre um cenário distinto, está cada vez mais sozinho, como o parece mostrar igualmente a questão dos BGM-109 Tomahawk que tanto tem pedido a Donald Trump, já percebeu que corre risco de contar apenas com palavras para atirar aos russos em vez das armas que clama.

Isto, quando começa a ser cada vez mais evidente para os analistas que a Rússia está a virar o jogo e as suas regras, inicialmente ditadas pela NATO, de pernas para o ar, porque se americanos e britânicos, a parte forte da organização militar ocidental, queriam fazer da Ucrânia um território de testes para as suas armas no sentido de preparar as guerras do futuro, que serão, como em Washington há anos não se esconde, contra a China, o tiro está a sair pela culatra.

Isso mesmo fica claro agora, quando os misseis e drones russos estão a destruir diariamente as infra-estruturas energéticas - com o Inverno a chegar -, os complexos industriais militares e as vias ferroviárias ucranianas, sem que as defesas anti-aéreas pareçam ter qualquer eficácia, o que já levou os analistas, como o major-general Agostinho Costa, a aludir a uma ineficiências séria dos sistemas norte-americanos "Patriot".

O que sucede porque, ao contrário do que Londres e Washington estavam à espera, são os russos que estão a conseguir usar esta guerra, o que, para os objectivos de longo curso, é o mesmo que também a China, devido à "parceria ilimitada" entre Moscovo e Pequim, para criar mecanismos de ludibriação das defesas anti-aéreas ocidentais, como os Patriot, alterando os sistemas de navegação dos seus misseis balísticos, Iskander M, de cruzeiro, Calibr, e hipersónicos, Kinzhal e Zircon.

Pelas análises militares disponíveis, tudo indica que a porosidade das defesas anti-aéreas ucranianas que defendem os locais estratégicos no país, nomeadamente os nós logísticos ferroviários de acesso à frente de combate, as fábricas de material militar e as infra-estruturas energéticas, deve-se às alterações inseridas nos sistemas de guiamento dos misseis que, aumentando a manobrabilidade em voo, passam com facilidade pelos Patriot americanos.

Ora, uma das razões para que os norte-americanos estejam cada vez mais relutantes em fornecer armamento a Kiev é pela forma como os russos se estão a aproveitar disso para melhorar as suas armas face ás do "inimigo", que são todas fornecidas pelos países da NATO.

Ou seja: apesar da retórica cada vez mais agressiva e ruidosa de Paris, Londres e Berlin contra Moscovo, o apoio militar efectivo é cada vez menos volumoso, não apenas porque este é cada vez mais raro nos arsenais europeu e norte-americano devido às quantidades gigantescas que está a ser destruído nesta guerra desde Fevereiro de 2022, mas também porque russos e chineses estão a usar este conflito para estudar o armamento ocidental.

Zelensky parece também já ter percebido, voltando agora a abrir uma nova frente de pressão para que os seus aliados o ajudem a conseguir um cessar-fogo aéreo na Ucrânia, claramente para evitar uma ainda maior destruição das infra-estruturas vitais do país, mas também porque o apoio ocidental tem vindo a esvanecer perigosamente.

E é por isso que, como nota The Guardian, o Presidente ucraniano acusa os seus aliados de "reacção zero" à escalada russa nos ataques massivos com drones e misseis à Ucrânia, reiterando o pedido aos seus aliados ocidentais para ajudarem o seu país a "combater o teror aéreo russo", dando assim o seu aval à ideia de perda de eficácia dos Patriot norte-americanos ou os outros sistemas, como os Iris-T alemães.

"Os russos estão a destruir as nossas infra-estrutuiras, destroem tudo do que depende a vida normal dos cidadãos e precisamos de maior protecção, da aplicação dos acordos que temos com os parceiros ocidentais em matéria de defesa aérea", disse Zelensky, citado ainda pelo jornal britânico.

E acrescentou um lamento, mesmo antes de Kiev lançar igualmente um ataque de grandes proporções, com perto de 300 drones, contra a Rússia, de ter ameaçado o Kremlin de deixar Moscovo às escuras e garantir que se Washington lhe fornecer os BGM-109 Tomahawk atingirá com eles Moscovo, que está desiludido com a falta de apoio da NATO, permitindo a "Putin rir-se dos líderes ocidentais", uma frase que visa acicatar o orgulho de Macron, Merz e Starmer, no que é uma tentativa já antes usada em diversas ocasiões...

Isto, quando a Rússia está numa toada de ataques sobre a Ucrânia com intervalos cada vez mais curtos, menos de 48 horas, usando em média mais de 600 drones e meia centena de misseis, incluindo os hipersónicos, causando sucessivos apagões, destruição de ferrovias, zonas industriais e nós rodoviários...

Além disso, os relatos oriundos da frente de guerra, naquilo que começa igualmente a ser corroborado pelos media ocidentais, totalmente alinhados com Kiev, mostram que as linhas de defesa de Kiev nas principais cidades em disputa, como Pokrovsk e Slaviansk, na região de Donetsk, começam a ruir perigosamente...