Se no já distante 28 de Fevereiro, quando Zelensky foi expulso da Casa Branca, em Washington, Trump lhe disse que não tinha cartas para jogar este jogo de "High stakes", esta terça-feira, 23, em Nova Iorque, o americano não apenas lhe ofereceu as melhores cartas como lhe prometeu ajuda para ir "all in" contra Vladimir Putin, dizendo alto e bom som que "a Ucrânia vai recuperar todos os territórios" ocupados pela Federação Russa depois de 2022, o que deixa de fora apenas a Crimeia.

O que o Novo Jornal lembrava nessa mesma terça-feira de manhã, pela hora de Luanda, era que. dias antes deste encontro em Nova Iorque, Donald Trump tinha afirmado que o Presidente ucraniano estava obrigado a "fazer um acordo com Putin" quase ao mesmo tempo que garantia aos jornalistas, em Washington, que se os russos atacarem os países Bálticos ou a Polónia, os EUA vão "defender os aliados da NATO".

Apesar de não haver qualquer prova cabal de que os russos estejam a preparar ataques aos países europeus da NATO, até porque, como recorda amiúde o major-general Agostinho Costa, Moscovo não tem como ocupar o leste limitado da Ucrânia, como pode almejar ocupar um país da NATO, sabendo que ao atacar um estaria a atacar 33, incluindo os EUA, o Reino Unido e a França, três potências nucleares, com estas declarações Trump demonstra ter acreditado que a incursão de drones na Polónia e o caso dos MIG-31 nos céus da Estónia não foram acidentais.

E se dúvidas houvesse, Donald Trump escolheu Nova Iorque, no contexto do 80º aniversários das Nações Unidas, para anunciar ao mundo que tinha optado pela Ucrânia, porque sabe que, ao dizer que acredita que Kiev vai recuperar todos os territórios que a Rússia invadiu desde 24 de Fevereiro de 2022, isso vai ser lido como os EUA terem deixado a posição de mediadores para assumir a de co-beligerante, porque sem o seu apoio concreto e empenhado, os ucraniuanos, mesmo com o total apoio dos seus aliados europeus, jamais poderiam almejar retomar o leste ucraniano sob controlo russo.

Mas isso quer dizer ainda que Donald Trump, embora alguns analistas estejam a desvalorizar estas declarações, até porque o norte-americano é conhecido por fazer marcha-atrás uma após outra vez, está disponível para uma escalada na tensão com a Rússia do seu "amigo" Vladimir Putin, sobre quem, questionado pelos jornalistas, disse, sem explicar porquê, que "só daqui a um mês" poderá responder se ainda confia nele ou não.

Para já, se o actual contexto se mantiver, o mundo está a caminho da III Guerra Mundial, porque foi o ex-Presidente dos EUA, Joe Biden, corroborado por Putin, que disse que no dia em que for disparado um tiro entre russos e a NATO - o que será inevitável se os EUA apoiarem Kiev a expulsar os russos até às fronteiras de 1991 -, esse será o "tiro de partida" para um conflito global que culminará com uma catástrofe nuclear inimaginável...

Depois de ter estado com Zelensky, Trump foi para a sua rede social, Truth Social, escrever que, "depois de ter percebido total e cabalmente o conflito entre russos e ucranianos, e a situação económica problemática em que a Rússia está devido ao conflito, estou em crer que Kiev, com o apoio da União Europeia, está em condições de combater e recuperar a forma original da Ucrânia".

"Com tempo e paciência, e o apoio financeiro da Europa, em particular da NATO, recuperar as fronteiras originais a partir do início da guerra, é uma opção exequível. Porque não?", acrescentava Trump na sua nota, o que permite concluir que, quando se refere ao apoio da NATO está a colocar nesse "jogo" os EUA, que são, historicamente o país líder da Aliança Atlântica.

E ao mesmo tempo, depois de falar abertamente do que crê ser uma crise financeira na Rússia que levará aquele país ao descalabro, Donald Trump resolveu ainda achincalhar o Kremlin, afirmando que, referindo-se ao actual conflito entre ucranianos e russos, "uma verdadeira potência militar não precisaria de mais de uma semana para ganhar" e não mais de três anos e meio, "como é o caso", o que faz da Rússia "um tigre de papel".

Nesta publicação, Trump faz um exercício ainda mais flamejante, admitindo que os ucranianos não estão apenas em condições de recuperar os seus territórios mas podem mesmo "ir ainda mais além", o que seria conquistar partes da Federação Russa, que é a maior potência nuclear do mundo...

Mas o essencial, fora da retórica que pode ser interpretada como um "bluff" num arriscado jogo de póquer, aconteceu quando Trump, depois de dizer que a economia russa está de pantanas, se comprometeu a entregar armas num fluxo ilimitado à NATO para fazer com elas o que "bem entender", sendo que quem tudo decide no seio da NATO são os Estados Unidos.

Como não poderia deixar de ser, o Presidente ucraniano teve nestas palavras do anfitrião, o seu melhor momento desde que Trump regressou à Casa Branca, a 20 de Janeiro deste ano, porque, com este discurso, o norte-americano aproxima-se como nunca, e o que muitos analistas não acreditavam ser possível, da posição totalmente e ilimitadamente comprometida com Kiev do seu antecessor Joe Biden.

O ucraniano, citado pelo britânico The Guardian, considerou esta nova postura de Trump uma "tremenda mudança", aproveitando para meter lenha na fogueira ao dizer que acredita agora que o Presidente norte-americano pode convencer o Presidente chinês, Xi Jinping, a deixar de apoiar Vladimir Putin e os russos.

Há, contudo, uma brecha por onde todo este renovado empenho da Casa Branca com Kiev pode esvaziar, que é a exigência de Donald Trump, que voltou a afirmar na terça-feira, num encontro com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von Leyen, que é o corte total das compras de crude e gás russos pelos países da União Europeia, o que, apesar da retórica de Bruxelas anti-russa, está longe de ser uma realidade, até porque não existem alternativas, nalguns casos, como a Hungria e a Eslováquia, à energia russa.

Mas não só, são vários os países europeus que continuam a comprar gás e crude russos, não apenas indirectamente, através da Índia ou da China, mas directamente, como acontece com o LNG adquirido a Moscovo e entregue nos gigantescos navios metaneiros, como, por exemplo, tem sucedido com Portugal, que é, ainda assim, um dos que se comprometeu a não o fazer.

Mas a retirar faíscas na sala da pólvora, quase em simultâneo, o secretário de Estado e conselheiro para Segurança de Trump, Marco Rubio, defendeu que, depois de vários líderes europeus terem apelado a mais dureza contra a Rússia, incluindo o abate dos seus aviões, a NATO deve apenas disparar sobre os aviões russos que entrarem sem autorização no espaço aéreo soberano dos seus Estados-membros "apenas em caso de estarem a atacar".

Recordando que Trump tem vindo a condicionar qualquer aumento da pressão sobre os russos ao fim das compras de energia a Moscovo por parte dos seus aliados europeus, Trump aproveitou mesmo o púlpito da ONU para lembrar que estes estão longe de fazerem o que tem de ser feito, porque caso contrário, estão apenas a financiar a guerra do Kremlin contra Kiev.

"Os europeus da NATO estão a financiar a guerra contra eles próprios ao manter as compras de energia russa. Isto não é incrível?!! Soube disto há duas semanas e não fiquei nada contente! Quem iria imaginar uma coisa destas!!?", apontou o americano, acrescentando que os EUA estão disponíveis para aplicar tarifas pesadas a quem está a ajudar os russos (China e Índia), mas voltou a dizer que tal só acontecerá se os a União Europeia fizer o mesmo.

O que deixa à mostra a tal brecha por onde este discurso agressivo contra a Rússia pode ser esvaziado, permitindo a alguns analistas somar as parcelas conhecidas e concluir que toda esta teatralização de Trump pode não ser mais que uma artimanha para obrigar os europeus a comprar mais crude e gás americano, a preços três a quatro vezes mais caro, além das armas do seu complexo militar industrial.

E essa pode ser a razão perla qual Trump disse que só dentro de um mês, tempo mais que suficiente para a União Europeia desligar as torneiras que ainda a ligam à energia russa, poderá falar sobre se mantém a sua confiança em Putin ou não.

Se é verdade que a complexidade do conflito no leste europeu aumenta com este reposicionamento dos EUA, não o é menos que aos europeus não resta alternativa a não ser desligar mesmo a torneira do gás e crude russos na totalidade, o que alguns analistas, como o renomado economista e professor da Universidade de Columbia, norte-americano Jeffrey Sachs, tem advertido, significará acelerar a queda no abismo económico para onde já se encaminha a Europa Ocidental.