Só nas últimas 24 horas, os misseis e bombas lançadas pela Força Aérea israelita sobre o sul do Líbano, baluarte do Hezbollah, fizeram cerca de 500 mortos e perto de 3 mil feridos, a maior parte civis.
O jogo que se está a jogar nesta delicada região é perigoso, como todos os analistas admitem, sejam a favor ou contra esta opção de Benjamin Netanyhau, e nunca como agora esteve tão perto de arrastar o mundo para uma das mais graves crises de sempre.
Não é apenas porque um conflito aberto entre Israel e o Irão levaria à disrupção quase total do fornecimento do petróleo que sai do Médio Oriente para o mundo, perto de 35%, mas essencialmente porque o nível de compromisso dos EUA na defesa de Israel os arrastaria para a fornalha.
Só que não são apenas os EUA, a maior potência militar global, que têm um compromisso robusto no apoio a Israel; na última década, o Irão assinou tratados de segurança igualmente sólidos com a Rússia e a China, seus parceiros estratégicos em diversas organizações, como os BRICS.
De Gaza para o fim do mundo?
Há largos meses que se adivinhava este evoluir dos confrontos nesta região a partir de Gaza, onde Israel mantém uma operação militar desde 07 de Outubro de 2023, para o sul do Líbano, onde o Hezbollah tem o grosso das suas forças estacionadas, embora a Síria seja igualmente território sob risco de ataque.
Apesar de alguns roquetes disparados sobre o norte de Israel, o Hezbollah tem mantido uma contenção estratégica que é, até para os analistas militares mais experientes, difícil de perceber, mas que pode ser contextualizada na igualmente estratégica contenção do Irão.
Irão que, depois do assassinato do líder do Hamas, Ismail Hanyieh, em Teerão, prometeu, uma primeira reacção, vingar a morte do seu hóspede com um ataque histórico contra Israel, mas, pouco depois, após uma visita de figuras de topo russas ao país, mudou o tom e optou por uma rara contenção estratégica.
Sendo a ligação entre o Hezbollah e o Irão umbilical, é quase certo que Hassan Nasrallah, o líder do grupo xiita, segue as orientações de Teerão, contendo os seus mais de 150 mil combatentes nos postos de combate mas sem usar os seus misseis, que se estimam serem mais de 200 mil, incluindo de simples roquetes a complexos projecteis balísticos.
Aparentemente, esta contenção estratégica do Irão e do Hezbollah tem uma ligação ao que se passa na Rússia, país que, apesar do empenho de recursos gigantescos no conflito ucraniano, tem enviado equipamento de defesa antiaérea para o Irão, incluindo os sistemas sofisticados S-400.
Há, porém, uma questão sempre pendente nesta matéria, que é a possibilidade de a Rússia fornecer igualmente outro tipo de equipamento militar (ver aqui) como, de resto o Presidnete Putin avisou que faria se os ocidentais permitirem à Ucrânia usar os seus misseis de longo alcance na Federação.
Resta qual o ponto de não retorno nesta escalada que pode colocar, tal como na Ucrânia, em confronto directo as grandes potências militares e nucleares globais, que são a Rússia e os EUA.
Os diluentes para a acidez belicista
Mas também há questão da política interna nos Estados Unidos, que tem eleições Presidenciais a 05 de Novembro, onde a candidata democrata, a actual vice-Presidente Kamala Harris, está claramente constrangida em manifestar apoio ilimitado a Telavive devido à crescente vaga de contestação entre o eleitorado democrata ao apoio de Washington a Benjamin Netanyhau.
O que permite admitir que tanto o Irão como o Hezbollah, provavelmente sob aconselhamento de Moscovo e de Pequim, estão apostados em não responder olho por olho a Israel de forma a inflamar a contestação interna e externa ao Governo de Netanyhau.
E nem o mais brutal e humilhante ataque ao Hezbollah em décadas, que foi a operação da Mossad com os pagers e os walkie-talkies explosivos (ver aqui), expondo uma fragilidade de segurança que não se pensava existir na organização, os demoveu da contenção estratégica.
Há cerca de duas semanas, o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, anunciava uma mudança do eixo de gravidade da guerra de Gaza para o sul do Líbano, norte de Israel, fazendo deslocar as forças presentes em Gaza para a fronteira israelo-libanesa.
A justificação é aniquilar o Hezbollah de forma a criar condições de segurança para o regresso de cerca de 70 mil pessoas às suas casas no norte de Israel, que dali saíram devido aos ataques do grupo xiita a partir do território libanês.
Até tu, Brutus?
Porém, como sugerem vários analistas, incluindo israelitas, como Gideon Levy, que escreve no Haaretz, esta é apenas uma desculpa para Benjamin Netanyhau continuar a sua guerra pessoal que visa arrastar os EUA para um confronto alargado e definitivo com o Irão, ao mesmo tempo que lhe garante tempo e protecção face à sua crescente fragilidade política no seu país.
GIdeon Levy escreve no Haaretz que se Netanyhau quisesse mesmo garantir o regresso das populações israelitas ao norte do país, bastar-lhe-ia ter concordado com o plano dos EUA para um cessar-fogo em Gaza e não teria assassinado o líder do Hamas que chefiava as negociações de paz, ou o número 2 do Hezbollah, general Fuad Shukr, dias antes, em Beirute.
Este colunista sublinha ainda que Israel não foi capaz de cumprir os objectivos em Gaza e tem agora outra guerra pela frente como Hezbollah, o que permite a ideia de que Netanyhau não almeja a paz, porque o Hamas tinha menos de 50 mil combatentes e apenas armas ligeiras, como acha que pode agora derrotar o Hezbollah, que é cinco vezes mais forte que o grupo de Gaza?
A resposta, como notam outros analistas, como o catedrático norte-americano John Mearsheimer, da Universidade de Chicago, é que Netanyhau sabe que os Estados Unidos não vão hesitar em avançar ao lado de Israel se despontar uma guerra com o Irão.
E o primeiro-ministro israelita também sabe que actualmente em Washington esse passo só será dado se for o Irão a lançar primeiro um ataque directo, mesmo que seja retaliatório, porque se assim não for, o preço eleitoral a pagar poderá ser catastrófico para os democratas de Kamala Harris e Joe Biden.
Até quando?
É que o Hezbollah poderá aguentar, depois de dias consecutivos de bombardeamentos israelitas sobre as suas posições no sul do Líbano?
A resposta mais aceitável face ao contexto é que pelo menos até ao dia das eleições nos EUA, 05 de Novembro, não haverá mexidas nos planos, mas também pode ser mais que isso se a razão para a contenção for menos estratégica e mais operacional.
Ou seja, se o que o Hezbollah está a fazer não é seguir as directrizes do Irão mas sim lamber as feridas dos recentes ataques da Mossad com os pagers e os walkie-talkies que, pela sua natureza, atingiu o grosso dos seus elementos de comando hierárquico nas posições de combate, que eram quem usava os aparelhos armadilhados que mataram perto de 50 e feriram mais de 3 mil.
A ser esta a razão, mesmo que os iranianos possam fornecer novos elementos para comandar as unidades de combate directo do Hezbollah, a sua adaptação e conhecimento do tereno levarão pelo menos três meses.
O que pode, por outro lado, levar a que, havendo mesmo sinais disso mesmo, como seja o facto de Telavive já ter declarado, esta terça-feira, 24, situação de emergência em todo o território israelita, as Forças de Defesa (IDF) a avançar no terreno sobre o baluarte xiita no sul do Líbano.
Se tal suceder, será uma repetição do que sucedeu em 2006, quando, naquela que ficou conhecido com a "guerra dos 30 dias", o Hezbollah desferiu uma humilhante derrota às IDF, que terminou com largas cedências de Telavive e a retirada dos territórios que ocupavam há décadas naquele país árabe.
Os sinais de Washington...
... não são totalmente favoráveis a esta estratégia belicista de Netanyhau, porque nas últimas semanas, o Pentagono mandou sair da região o seu porta-aviões que tinha no Mediterrâneo Oriental, bem como os navios de guerra e submarinos que fazem parte da sua guarnição.
Se bem que ali tenha ficado ainda uma frota de guerra robusta, este é um sinal de que Washington não está a dar luz verde a Israel para avançar sobre o Hezbollah porque tem a sua retaguarda garantida pelos meios norte-americanos, britânicos e franceses estacionados no Médio Oriente.
Alias, mesmo com esta recolocação da frota naval, os EUA acabam de anunciar o envio de tropas adicionais para as suas bases na região.
Segundo o porta-voz do Pentagono, general Pat Ryder, "devido à crescente tensão no Médio Oriente, e por precação, vamos enviar um pequeno número de tropas adicionais para reforçar a presença na região".
Oficialmente, tanto o Presidente Joe Biden, como o seu secretário de Estado, Antony Blinken, persistem na retórica pró cessar-fogo em Gaza como meio de chegar à paz regional e evitar um conflito alargado no Médio Oriente, como, de resto, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, veio dizer que dificilmente poderá já ser evitado.
O que conduz a uma questão tão polémica quanto visível no terreno: se Israel não possui capacidade militar convencional para derrotar o Hezbollah, como não teve para aniquilar o Hamas, e muito menos terá para se bater com o Irão, sem o apoio expresso dos EUA, então porque é que insiste nesta caminhada que levará inequivocamente a esse conflito?
A resposta é simples, e divide-se em duas possibilidades: ou Netanyhau tem um acordo secreto com Joe Biden no sentido de poder contar com os EUA se essa necessidade se revelar premente; ou o primeiro-ministro israelita, que tem sérios problemas internos (ver aqui), sabe que a única forma de sobreviver politicamente é usar a guerra como escudo protector.
Em Israel também já se diz publicamente que as IDF não têm poder para lidar com tantas frentes ao mesmo tempo, tendo mesmo Gideon Levy notado que assim que a incursão terrestre começar, depois de longas semanas, muitos mortos, nada mudará no terreno e tudo o que for conseguido, se for, poderia ter sido alcançado através da diplomacia...
Egipto, Turquia e Iraque "atacam" Israel com as suas armas diplomáticas
Este escaldante cenário levou a Turquia e o Egipto a pedirem uma intervenção do Conselho de Segurança da ONU para travar uma "perigosa escalada" no conflito que opõe Israel e o Hezbollah.
O mesmo conflito que levou o Iraque a pedir uma reunião de urgência dos países árabes para desenhar uma posição conjunta sobre os ataques de Israel no sul do Líbano.
Citado pelos media internacionais, em comunicado, a diplomacia egípcia "exprime toda a solidariedade com o Líbano" ao mesmo tempo que insiste na "total rejeição de qualquer violação da soberania do Líbano e do seu território".
O ministério dos Negócios Estrangeiros do Egipto avisa que estes ataques são uma clara ameaça que pode "mergulhar a região numa guerra de grande escala".
Quase ao mesmo tempo, a Turquia acusou Israel de ter "entrado numa nova fase" que compreende um enorme risco de "conduzir toda a região ao caos".
"Os ataques de Israel no Líbano marcam uma nova fase na sua tentativa de levar o caos a toda a região", declarou o Ministério dos Negócios Estrangeiros turco em comunicado, citado pela Lusa.
A diplomacia turca considerou "imperativo que todas as instituições responsáveis pela manutenção da paz e da segurança internacionais, nomeadamente o Conselho de Segurança das Nações Unidas, bem como a comunidade internacional, tomem sem demora as medidas necessárias".
"Os países que apoiam incondicionalmente Israel estão a ajudar [o primeiro-ministro israelita, Benjamin] Netanyahu a derramar sangue para servir os seus interesses políticos", acrescentou o ministério turco.
Por outro lado, o Iraque anunciou que pretende organizar uma "reunião urgente" das delegações árabes presentes em Nova Iorque, à margem da Assembleia Geral anual das Nações Unidas.
"O Iraque está a convocar e a trabalhar para uma reunião urgente para discutir as repercussões da agressão sionista ao (...) Líbano e trabalhar em conjunto para pôr fim ao seu comportamento criminoso", segundo uma declaração do primeiro-ministro iraquiano, Mohamed Shia al-Soudani, que se encontra actualmente nos Estados Unidos.
Bagdade anunciou ainda que vai enviar combustível para o Líbano para alimentar as centrais eléctricas dos hospitais e os serviços públicos.