Para que vão servir as armas roubadas no Palácio Presidencial pelos radicais apoiantes do ex-Presidente Jair Bolsonaro, ainda em número e tipo por confirmar, é agora uma das questões para resolver pelo Governo de Lula da Silva, até porque ninguém acredita que o bolsonarismo radical tenha morrido neste que foi dos dias mais vergonhosos da democracia brasileira, apesar de o próprio Jair Bolsonaro ter vindo a público mostrar uma ligeira condenação à invasão dos "Três Poderes".

Se as hordas de radicais bolsonaristas . foram detidos mais de 400 neste Domingo - esperavam que o Brasil da extrema-direita infiltrado nas forças de segurança e de Defesa fosse dar o passo decisivo para uma sublevação militar para devolver o poder ao ex-Presidente, derrotado em duas voltas em Outubro de 2022, tal não sucedeu e, pelo contrário, a generalidade dos analistas dão como certo que se tratou de um tiro que saiu pela culatra e atingiu Jair Bolsonaro na cara.

Foi perto das 15:00, hora em Brasília, 19:00 em Luanda, que vários milhares de apoiantes de Bolsonaro avançaram sobre as frágeis barreiras policiais, apenas duas a três dezenas de agentes, que faziam protecção à Esplanada dos Ministérios, onde se situa a Praça dos Três Poderes, começando por destruir uma boa parte do interior do Congresso, seguindo depois uma segunda secção de radicais para o STF, onde sucedeu o mesmo tipo de vandalização, e, por fim, uma terceira leva de "bárbaros nazistas", como lhes chamou Lula da Silva, tomaram o Palácio do Planalto, ou Presidencial, local de trabalho do Chefe de Estado.

Esta invasão já era esperada desde a tomada de posse de Lula da Silva, a 01 de Janeiro, como não o escondiam os milhares de bolsonaristas acampados há semanas nos arredores de Brasília por não aceitarem a derrota do seu líder, o que deixa no ar a dúvida sobre a possível coordenação prévia com as chefias das forças de segurança, o que faria com que este episódio tivesse uma maior gravidade e ganhasse, de facto, a qualidade de tentativa de golpe de Estado.

Até porque, pelo que disse Lula da Silva, quando se pronunciou sobre a invasão, horas depois do avanço das hordas bolosonaristas sobre a geografia simbólica e de facto do poder democrático no Brasil, por detrás de um dos mais "vergonhosos episódios" da história brasileira, esteve uma capacidade financeira enorme para pagar hotéis, autocarros e alimentação a milhares largos de manifestantes durante semanas.

E o Presidente brasileiro disse ainda que todos, "dos que estiveram no terreno a invadir os Três Poderes, aos que, por detrás, organizaram e financiaram, vão ser punidos com toda a força da lei", tendo assinado, no Domingo, um decreto onde permite praticamente que todos os mecanismos e ferramentas do Estado sejam chamados à acção, desde as Forças Armadas aos serviços de intelligentsia e judiciais.

"A democracia garante o direito à liberdade, mas também exige o respeito às instituições", disse Lula da Silva, sublinhando que ninguém saíra "impune" desde "dia sem paralelo" na história do Brasil, "seja quem esteve presente, seja aqueles que estiveram por detrás a financiar e a organizar este "momento vergonhoso".

"Esses Vandalos, nazistas fanáticos, fizeram o que nunca foi feito na história deste país", lembrou Lula da Silva, que aproveitou para classifidar o anterior Presidente como a figura central deste "episódio triste na história do Brasil"

"Vamos descobrir quem são os financiadores destes vândalos e todos eles vão pagar com a força da lei", repetiu Lula numa conferência de imprensa improvisada a partir do interior do estado de São Paulo, onde estava a acompanhar a situação de catástrofe provocada pelas chuvas, e que foi transmitida pela Band News.

Entre os bens destruídos e roubados pelos manifestantes dos edifícios do Congresso, do STF e do Palácio Presidencial estão obras de arte únicas, armas e documentos cuja importância estratégica do Estado brasileiro ainda está por apurar.

A primeira vítima política

Para já, a primeira vítima deste episódio é Ibaneis Rocha, governador do Distrito Federal, que foi suspenso do cargo por 90 dias pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, para que as investigações prossigam sem constrangimentos, deixando ainda claro que o Estado desconfia que este responsável tenha tido uma acção cúmplice no avanço das hordas bolsonaristas sobre os Três Poderes.

Alexandre Moraes Moraes ordenou ainda que todos os acampamentos de bolsonatistas sejam desmantelados em 24 horas, nas imediações de quartéis, e que seja considerado flagrante para a prisão dos protagonistas dos "actos terroristas, associação criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, ameaça, perseguição e incitação ao crime".

O regresso de Lula quando ainda cheirava a fumo

Ainda era visível fumo a sair do Congresso e do seu escritório (Palácio Presidencial) quando Lula da Silva voltou a Brasília, depois de uma acção em massa das forças policiais de choque, muito tardia e de forma inexplicável, que afastou as hordas bolsonaristas da Esplanada dos Ministérios, ido de São Paulo, onde acompanhou os efeitos devastadores de chuvas torrenciais no interior deste estado.

Depois de, no Domingo, olhar para a destruição dos bens materiais, e com eles a impossível de avaliar imaterialidade da democracia brasileira, claramente atacada pelos "nazistas e bárbaros" ao serviço de Bolsonaro, como acusou Lula, o Presidente brasileiro prometeu começar já esta manhã de segunda-feira a trabalhar no seu local de trabalho, dando assim um sinal claro de que a tentativa de golpe de estado bolsonarista falhou, rotundamente.

E um dos primeiros passos a dar nesta fase, que Lula considerou a mais "vergonhosa" desde o fim da ditadura militar, que durou de 1964 a 1985, fazendo questão de sublinhar que se tratou de uma acção ligada claramente ao seu antecessor, que vai ser igualmente investigado para posterior acusação, é acompanhar a aprovação do seu decreto pelo Congresso, que deve ocorrer esta segunda-feira, 09, e depois garantir que os autores da "intentona" são identificados e punidos "com toda a força da lei".

O momento "mais vergonhoso" da democracia brasileira foi, no entanto, muito parecido ao que sucedeu dois anos e dois dias antes, nos EUA, quando, em Washington, apoiantes do Presidente Donald Trump, já com as eleições perdidas para Joe Biden, galvanizou milhares de radicais ao seu serviço para invadirem o Congresso, naquilo que se transformou num achincalhante momento para a democracia norte-americana quando chegou aos ecrãs das Tv"s de todo o mundo.

A reacção de Bolsonaro

Na sua primeira reacção a este episódio, Jair Bolsonaro, que nas redes sociais ainda mantém a sua configuração e identificação como Presidente do Brasil - "Capitão Paraquedista do Exército Brasileiro. Presidente da República Federativa do Brasil" - foi ao Twitter tentar afastar-se deste dia negro na história do Brasil.

Na primeira das três entradas no Twitter, disse que "manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra".

Na segunda, apontou que durante o seu mandato esteve sempre "dentro das quatro linhas da Constituição respeitando e defendendo as leis, a democracia, a transparência e a sagrada liberdade".

E na terceira, acrescentou o seu "repudio às acusações, sem provas" que lhe foram "atribuídas por parte do atual chefe do executivo do Brasil".

Esta tentativa de Bolsonaro de descolar dos acontecimentos deste Domingo já estava a ser antecipada pelos analistas ouvidos pelos media brasileiros, mais posicionados à esquerda e ao centro, enquanto os mais próximos da extrema-direita bolsonarista apontavam para uma injustiça clara na acusação ao ex-Presidente, que até se encontra fora do país.

Para alguns sectores bolsonaristas, o empenho está agora colocado em sublinhar que os invasores dos "Três Poderes" eram infiltrados da extrema-esquerda para colocar em sarilhos Jair Bolsonaro, criando exactamente este efeito de condenação internacional generalizada deste acto, sendo o objectivo tirar já o viço a uma candidatura Presidencial em 2026.

O mundo condena sem titubear

Foi sem rebuço que de todo o mundo chegaram manifestações de solidariedade a Lula da Silva e ao seu Governo.

De Luanda, o Presidente João Lourenço, também na qualidade de líder actual da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, expressou "a mais vigorosa e firme condenação aos actos anti-democráticos" praticados no Brasil "contra instituições que representam e simbolizam a Democracia brasileira".

"Consideramos estas manifestações lamentáveis e reveladoras de um elevado grau de intolerância não compatível com as regras do jogo democrático, em que os resultados legitimados pelo voto popular devem ser reconhecidos e aceites por todos", diz o Chefe de Estado angolano nesta posição divulgada na sua página oficial no Facebook.

"As eleições recentemente realizadas no Brasil foram reconhecidas mundialmente como livres, justas e transparentes, não fazendo assim qualquer sentido as reivindicações actuais", notou e acrescentou a sua convicção de que o Governo brasileiro, com o qual garante estar solidário, "exerça a sua autoridade e reponha sem demora a ordem democrática no país"

O mesmo se fez ouvir pela líder do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, que afirmou já no Domingo estar "profundamente preocupada" com a violência na capital brasileira, sublinhando com vigor que "a democracia deve ser sempre respeitada".

Metsola acrescentou que, inequivocamente, o Parlamento Europeu "está ao lado do Governo" de Lula da Silva bem como das instituições democráticas brasileiras.

Também o alto representante da União Europeia para a Política Externa, Josep Borrell, expressou o seu "desânimo" perante as "acções violentas e ocupação ilegal" de instituições por milhares de "extremistas".

"A democracia brasileira prevalecerá sobre a violência e o extremismo", sublinhou, no Twitter, citado pela Lusa.

Com igual teor e viço, o Presidente francês, Emmanuel Macron, foi às redes sociais dizer que "a vontade do povo e as instituições democráticas brasileiras devem ser respeitadas!", deixando claro que Lula da Silva pode contar com o seu apoio total, bem como do povo francês.

O mesmo fez o chefe do Governo espanhol, Pedro Sánchez, também transmitiu no Twitter "todo" o seu "apoio" ao chefe de Estado brasileiro e "às instituições eleitas livre e democraticamente pelo povo brasileiro".

"Condenamos veementemente o assalto ao Congresso do Brasil e pedimos o regresso imediato à normalidade democrática", referiu ainda o primeiro-ministro espanhol.

Dos EUA e de Portugal surgiram igualmente das primeiras reacções, tendo o Chefe de Estado português sido o primeiro a estar ao telefone com o seu homólogo brasileiro, mostrando o total apoio de Lisboa.