O tema do uso de armas nucleares, lançado pelo chefe do Kremlin numa declaração ao país na passada semana, onde Putin anunciou uma mobilização de 300 mil reservistas para atirar para a linha da frente da guerra que teve início a 24 de Fevereiro com a invasão da Ucrânia pelas forças de Moscovo, não está, porém, a "queimar" mediaticamente os fortes protestos que se começam a fazer sentir um pouco por toda a Federação Russa de milhares de jovens - pelo menos 2.000 foram presos - que se manifestam contra a guerra e contra a mobilização.
Ao mesmo tempo que o Kremlin faz saber que quase 15 mil homens se apresentaram voluntariamente para combaterem na Ucrânia, os media ocidentais mostram longas filas de viaturas à espera de atravessarem a fronteira com países vizinhos, embora não existam quaisquer dados oficiais sobre quantos jovens saíram para o estrangeiro para fugir à guerra, até porque fontes russas notam que as longas filas resultam de um aumento das dificuldades burocráticas impostas pelos países vizinhos, desde logo a Finlândia, que, juntamente com a Estónia, Lituânia e Letónia, impediram totalmente a entrada de cidadãos da Rússia.
Numa altura em que na frente das batalhas, que se estendem por mais de mil quilómetros, os avanços e recuos de ucranianos, que conseguiram ganhos substanciais nas últimas semanas, no nordeste, e russos estão a ser menorizados pela realização de referendos que visam a agregação das duas repúblicas do Donbass, Lugansk e Donetsk, e ainda as províncias de Kherson e Zaporijia, na Federação Russa, que alguns analistas admitem que pode revelar-se um momento de mudança estrutural deste conflito.
Apesar de os países ocidentais apontarem falhas clamorosas nas regras democráticas para a realização de referendos populares, como estando a decorrer em tempo de guerra, não ter havido campanha eleitoral, haver uma ameaça de armas sobre as populações, uma elevada percentagem estar exilada ou refugiada longe das suas casas, e o resultado estar, à partida, garantido para representar uma votação esmagadora pela agregação, além de as localidades do Donbass estarem a ser alvo da artilharia ucraniana, com dezenas de vítimas, a verdade é que os analistas militares e políticos colocam já como facto uma mudança profunda no correr desta guerra assim que a anexação destas quatro regiões estiver concluída.
Estes referendos terminam esta terça-feira e a sua validação deverá ter lugar de imediato, com a legislação inerente a ser aprovada já na quinta-feira, segundo os media russos.
O que esperar de Moscovo?
Em causa está a forma como Moscovo vai reagir face aos ataques ucranianos a estas quatro regiões, que deixarão de ser territórios sob controlo das forças russas, como é o caso de Zaporijia e Kherson, a sul, ou as repúblicas independentes de Donetsk e Lugansk, no leste, apenas reconhecidas pela Rússia, para passarem a ter o estatuto de províncias da Federação Russa de pleno direito, o que conduzirá à passagem daquilo que o Kremlin diz ser uma "operação militar especial" para uma guerra plena com a Ucrânia, com as inerentes alterações tácticas e estratégicas.
Os analistas admitem que esta alteração de estatuto do conflito de operação especial para guerra, que será inevitável após a anexação plena das quatro províncias onde decorrem os referendos, vai levar a uma mudança dos alvos na Ucrânia, sendo, desde logo, esperado que as centrais eléctricas, as barragens, as grandes vias de comunicação, ferroviárias, rodoviárias, e aéreas (aeroportos) sejam flagelados, e até é ainda possível que as lideranças ucranianas (centros de decisão) até aqui fora dos alvos russos, passem a ser fustigados com os mísseis de longo alcance aeronavais da Federação Russa.
O próprio Presidente Zelensky, numa entrevista difundida pela norte-americana CBS News, veio admitir que a Rússia poderá usar as armas nucleares, ao contrário do que pensava anteriormente.
O líder ucraniano admitiu mesmo que aquilo que antes pensava ser um "bluff" de Putin, hoje pode não ser assim tanto improvável e pode "ser mesmo realidade".
Também o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, veio admitir que não se pode continuar a dizer que se trata de bluff quando quem tem a decisão na mão diz claramente que não se trata de bluff.
Mas o mais claro e inequívoco posicionamento perante essa possibilidade, de uso do nuclear por Moscovo, veio do conselheiro de segurança nacional do Presidente norte-americano, Jack Sullivan, optando por contra-atacar com um aviso claro ao Kremlin: "O uso de qualquer arma nuclear por parte da Rússia terá uma resposta inequívoca com consequências catastróficas para a Rússia".
Sullivan, num novo posicionamento norte-americano, veio ainda dizer, também em entrevista à CBS News, que os EUA já comunicaram, através de vias institucionais e privadas, com os decisores de topo russos, que o uso deste tipo de armas terá um resultado inequívoco: Os EUA e os seus aliados "responderão de forma decisiva".
O conselheiro de segurança de Joe Biden admitiu ainda que "é para ser levada muito a sério" a ameaça de Putin, que, na passada quarta-feira, veio dizer que a Federação Russa tem as armas adequadas, algumas superiores às da NATO e dos EUA, que permitem tirar quaisquer dúvidas sobre o que está em causa e que serão utilizadas se a existência do país estiver posta em causa.
Este responsável norte-americano não esmoreceu as promessas de apoio continuado à Ucrânia em equipamento militar e financeiro para mantar a capacidade de resposta aos ataques russos.
Uma demonstração clara de que se vai assistir a uma escalada violenta nesta guerra surge pela aprovação, na Duma, Parlamento russo, de legislação fortemente punitiva para comportamentos desviantes por parte dos militares russos em combate ou em fase de mobilização, entre os vários procedimentos estão punições com 10 anos de cadeia para quem se render ao inimigo,
Os mesmos 10 anos de cadeia esperam aqueles que se recusarem a combater ou desertarem, e ainda 15 anos para quem roubar bens de pessoas ou instituições em tempos de guerra ou numa operação militar.
A fresta de esperança na forma de troca de prisioneiros
E quando nada o fazia supor, o que deixa claro que outras negociações podem estar igualmente a decorrer outras negociações, Kiev e Moscovo anunciaram ao mundo uma troca de prisioneiros de grande "calibre", que abrange os comandantes de topo do batalhão Azov, considerado pelos russos como nazis odiosos, e centenas de militares de diversas patentes, entregues pelo Kremlin, tendo recebido, além de um grupo de 55 militares, Viktor Medvedchuk, um homem de negócios multimilionário (oligarca) ucraniano, antigo deputado em KIev, líder de um partido pró-russo, e amigo íntimo de Putin, que tinha sido detido pelos serviços secretos ucranianos no início da guerra, acusado de traição, vendo, tal como outros 10 com assento parlamentar, o seu partido da oposição extinto legalmente.
Esta troca de prisioneiros, que apanhou toda a gente de surpresa, incluindo 10 mercenários estrangeiros, vem reforçar a tese de que por detrás dos panos procura-se uma solução que permita aliviar as economias ocidentais, especialmente da Europa ocidental e dos EUA, da inflação histórica, da crise económica que se abespinha e da recessão que se insinua cada vez com maior ênfase, sendo que os bancos centrais procuram travar esta corrida para o precipício através de subidas históricas de taxas de juro que, para já, tardam a fazer efeito, deixando o fim da guerra na Ucrânia como a única garantia de acabar com este pesadelo global.
No total foram envolvidos 215 militares e outras figuras do regime de Kiev que estavam detidos pelos russos, abrangendo ainda 188 dos seus militares que tinham sido capturados durante o cerco russo à Azovstal, onde estava o famoso batalhão de cariz nazi-fascista Azov.
Zelensky disse que esta troca de detidos é uma grande vitória de Kiev, prometendo fazer tudo o que lhe for possível para "salvar todos aqueles que continuam cativos das forças russas".
Mas o líder ucraniano revelou um pormenor interessante, que foi a troca directa de Viktor Medvedchuk contra 200 militares russos detidos pelos ucranianos, e depois, numa segunda fase, mais 55 russos, entre civis e militares, onde se crê estarem elementos dos serviços secretos russos, contra cinco dos comandantes do Batalhão Azov, que foram transferidos para a Turquia, edstando estes sob a guarda das autoridades turcas até ao fim do conflito e impedidos de voltar à Ucrânia.
O Kremlin não se referiu a esta negociação em nenhuma ocasião.
Apenas meio passo rumo à paz?
Parece que sim, porque o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, voltou a avisar os Estados Unidos de estarem a "brincar com fogo nuclear" quando demonstram cada vez menos preocupações no seu apoio avassalador a Kiev no esforço de guerra.
Numa entrevista à Newsweek, Lavrov, que é um dos mais experimentados diplomatas em serviço no mundo, disse que os EUA e os seus aliados da NATO "não estão à procura de paz" na Ucrânia, mas sim a "usar a Ucrânia para infligir a estratégica derrota da Rússia", como te sido admitido ao longo dos quase sete meses de guerra por responsáveis norte-americanos, como os Secretários da Defesa, Lloyd Austin, ou de Estado, Antony Blinken.
"Hoje, os países ocidentais enviar ininterruptamente e cada vez mais armamento para o regime neo-nazi da Ucrânia e treinam as suas forças armadas, quando as armas sofisticadas da NATO e dos EUA estão a ser usadas para atacar a Rússia, matando civis em território russo", disse Lavrov.
O chefe da diplomacia russa avançou ainda nesta entrevista que Washington "não esconde que está a fornecer informação estratégica a Kiev e a especificar alvos russos para a suas armas manipuladas por mercenários e conselheiros americanos neste conflito".
"Tudo isto é brincar com o fogo nuclear", advertiu Lavrov, a senda do que dissera já o Presidente Putin ao afirmar que não hesitará no uso de armas nucleares face a uma ameaça existencial para a Rússia, notando ainda o ministro dos Negócios Estrangeiros que falta muito pouco para que os EUA passem a de facto parte inteira neste conflito, o que dará o tiro de partida para um armagedão nuclear.
Recorde-se que no início da guerra, o Presidente Joe Biden disse concordar com Putin, admitindo que no dia em que as forças da NATO combaterem directamente com as forças russas, a escalada para o patamar nuclear será inevitável.
Biden na ONU
O Presidente dos EUA foi ao púlpito das Nações Unidas, na quarta-feira, descarregar todo o seu arsenal de críticas e acusações ao Presidente russo, Vladimir Putin, deixando um aviso à navegação global: as ambições imperiais não podem ficar sem consequências.
"Se as nações puderem perseguir as suas ambições imperiais sem consequências, isso significa que estamos a colocar em risco tudo o que as Nações Unidas defendem e pelo qual foram criadas", disse Joe Biden em frente aos lideres do mundo que se deslocaram a Nova Iorque para mais uma Assembleia-Geral da ONU.
Referindo-se claramente à Federação Russa, principal tópico do seu discurso, Biden atirou um aviso a Moscovo: "Um país não pode tomar pela força território de outra Nação".
"A Ucrânia tem os mesmos direitos de qualquer outro país soberano e nós vamos estar ao seu lado em solidariedade contra a agressão russa", sublinhou, acrescentando que se o que está a acontecer na Ucrânia não for travado, pode acontecer a qualquer outro país que tenha uma potência maior ao seu lado.
Procurando incentivar o resto do mundo para apoiar igualmente Kiev, Biden dirigiu-se especialmente aos que até aqui têm estado renitentes em condenar a Rússia ou se abstiveram nas moções levadas à AG da ONU para condenar a atitude do Kremlin.
Num contexto de forte retórica acusatória a Moscovo, o chefe da Casa Branca disse que a Federação Russa está a tentar apagar do mapa um vizinho, violando, na sua condição agravada de ser um membro permanente do Conselho de Segurança, todas as leis internacionais, e a Carta das Nações Unidas nos seus princípios mais básicos.
"A Rússia provocou uma guerra desnecessária", atirou.
E acrescentou: "Esta é uma guerra que visa extinguir a Ucrânia, de lhe tirar o direito a existir enquanto Estado e enquanto povo, simples quanto isso", deixando perceber que o apoio de Washington a Kiev não vai esmorecer depois de ainda hoje Putin ter anunciado um reforço na frente de ataque com mais 300 mil reservistas, como pode ler aqui, no Novo Jornal, Biden disse que aquilo que a Rússia está a fazer "tem de congelar o sangue de toda a gente, esteja onde estiver, viva onde viver, acredite no que acreditar".
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.