Os resultados oficiais apontavam para uma vitória de Ali Bongo, com 64,27 por cento dos votos, numas eleições em que já ninguém acreditava mas permitiam ao Presidente manter-se no poder graças ao apoio das suas Forças Armadas, o que acabou agora com um golpe protagonizada por essas mesmas unidades militares.
Num comunicado lido na televisão gabonesa, uma junta militar anunciou o fim de uma dinastia que governa o Gabão desde 1967, primeiro com Omar Bongo Ondimba nas rédeas do poder em Libreville, até 2009, e depois com o seu filho, Ali, que foi ganhando eleições fortemente contestadas e nas quais já ninguém acreditava.
Doente e em tratamento fora do país nos últimos anos, em Marrocos, Ali Bongo, regressado ao país para recuperação, e agora em prisão domiciliária, tal como o seu filho mais velho, Noureddin Bongo Valentin, que está a ser acusado de traição e corrupção, manteve-se inamovível do poder apesar de fortemente contestado nas ruas, apoiando-se nas forças que agora lhe tiraram o tapete, alegando precisamente aquilo que tanto a oposição interna como grande parte das organizações internacionais que pugnam pela consolidação democrática, que é a degenerescência das instituições do país, desde logo as que conduzem as eleições.
Esta "junta" militar, que apareceu na televisão gabonesa Gabon 24 em grande número, ladeando o porta-voz que leu o comunicado que dita o fim do regime de Ali Bongo e a mais de cinco décadas de ditadura familiar, anunciou um período de transição para restabelecer a democracia gabonesa, mandou fechar as fronteiras, dissolveu todas as instituições do Estado e prometeu um novo começo para o país.
Algumas agências noticiaram que foram ouvidos tiros em Libreville, especialmente junto ao Palácio Presidencial, embora sejam ainda escassas as informações sobre a eventualidade de parte das forças armadas gabonesas estar ainda ao lado de Ali Bongo.
No comunicado lido pelo oficial é dito claramente que o país está a atravessar uma "crise institucional, política e económica" sem precedentes e que as eleições ficaram muito longe de poderem ser consideradas minimamente credíveis e democráticas.
Este golpe, adianta o documento, tem como objectivo "defender a paz e acabar com o regime" que é substituído de forma transitória, embora sem prazo definido, pelo Comité para a Transição e Restauração das Instituições (CTRI).
Nas eleições de 26 de Agosto, cujos resultados foram anunciados na terça-feira, o candidato da oposição, Ondo Ossa, obteve apenas 33, 7% dos votos, o que deixou uma maré de indignação varrer o país, especialmente pelo recolher obrigatório imposto durante a campanha e a interrupção da internet, à qual as Forças Armadas não ficaram indiferentes.
Claramente cansados do abuso de poder de Bongo, os militares intervieram e isso resultou no golpe que agora acaba com mais de meio século de poder ditatorial dinástico em Libreville, começado em 1967.
O pai de Ali, Omar Bongo Ondimba sucedeu a Léon M'ba, o primeiro Presidente do país e líder do regime de partido único, governando até 2009, quando morreu de doença, tendo sido eleito três vezes, após a abertura ao multipartidarismo, em 1991, embora sempre com fortes suspeitas de fraude eleitoral em 1993, 1998 e 2005.
Entalado entre a Guiné Equatorial, os Camarões e a República do Congo, o Gabão tem marcado uma posição na cena internacional pela forma como se tem comprometido com a causa ambiental, especialmente na defesa das áreas essenciais para espécies como o gorila e o chimpanzé, além de um forte investimento na protecção das suas reservas marinhas, que estão entre as mais importantes do mundo.
Uma das mais referenciadas iniciaivas ambientalistas de Ali Bongo é a sua forte resistência às companhias petrolíferas que pressionam há largos anos para obterem autorização de exploração on shore, coincidindo essas zonas com as luxuriantes reservas e parques naturais, essencialmente abrangendo a floresta tropical, habitat de dezenas de espécies protegidas, como, além do gorila e do chimpanzé, os pangolins, felinos únicos ou o elefante da floresta...
Uma das questões em cima da mesa com este golpe militar é se a dimensão internacional conquistada pelo Gabão pela sua aposta na defesa da natureza e da floresta tropical, fortemente ameaçadas nos países vizinhos, entre os quais está Angola, com a sua província de Cabinda, está agora em risco com a chegada do CTRI ao poder.
Outra dúvida que não foi ainda esclarecida é se este golpe militar tem alguma ligação aos que desde 2020 têm varrido a África Ocidental, como o da Guiné Conacri, Mali, Burquia Faso ou mesmo no Níger e no Sudão, sendo evidente que, tal como aqueles, se trata de uma antiga colónia francesa.
Com pouco mais de 2,2 milhões de habitantes, o Gabão é um dos países mais ricos do continente devido às receitas petrolíferas e um dos mais importantes aliados da França na África Ocidental, embora não existam ainda dados que permitam estabelecer ligações entre este "coup" e os ocorridos nos países do Sahel.
E também não se sabe ainda se este golpe pode ter alguma influência nos regimes próximos em que homens como Denis Sessou-Nguesso, na República do Congo, e Teodoro Obiang Nguema, na Guiné Equatorial.