Há dezenas de anos que a fronteira israelo-libanesa, que abrange, além do sul libanês e o norte israelita, os Montes Golã, a nordeste, região da Síria ocupada por Israel desde 1967, é palco de confrontos regulares entre o Hezbollah e o Exército de Telavive.

A dureza dos combates tem tido altos e baixos desde que em 2006 estas duas forças se testarem numa guerra de 30 dias que acabou com Israel a pedir à ONU que intermediasse um cessar-fogo no meio de uma inesperada supremacia dos combatentes islâmicos.

Desde então, Israel almeja a desforra dessa guerra que obrigou a uma humilhante retirada de várias zonas ocupadas no sul do Líbano e a levantar um bloqueio naval que mantinha sobre a costa libanesa.

E, ao que tudo indica, depois de nove meses de escalada, paulatina, mas em evolução, iniciada a 07 de Outubro, com o assalto do Hamas, a partir de Gaza, sobre o sul de Israel, que levou à actual devastadora operação militar israelita sobre a Faixa de Gaza, esse momento de confrontação directa está prestes a acontecer.

E o momento determinante para o sobressalto mundial com a hipótese de uma guerra aberta na região, que dificilmente poderá ser limitada à fronteira israelo-libanesa, foi o alegado lançamento de um roquete pelo Hezbollah sobre um recinto desportivo situado numa área dos Montes Golã ocupada pelos israelitas.

Nessa explosão, que o Hezbollah já negou ter sido o autor, embora Israel insista, afirmando ter-se tratado de um roquete fabricado no Irão, Falaq 1, a que o movimento xiita garante ser fácil encenar pelos israelitas, morreram 12 pessoas, na sua maioria crianças e jovens, de etnia drusa, a minoria árabe que habita aquela região ocupada por Israel e que já ameaçou entrar em guerra com o Hezbollah.

E este momento está a ser usado pelo Governo de Benjamin Netanyhau, depois de o seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, se ter deslocado ao local, onde prometeu uma vingança superlativa sobre o Hezbollah para servir como antecâmara de uma provável guerra aberta com este grupo, podendo contar com o apoio druso...

Isto, quando Gallant e as várias agências do aparelho de segurança de Israel têm afirmado estar em preparação uma operação militar de grande envergadura contra o Hezbollah para erradicar este movimento das áreas fronteiriças do norte e nordeste israelita.

Para Israel, as 12 crianças e jovens mortas na explosão do roquete são a razão de maior proximidade para esta escalada, sendo que as 20 mil crianças assassinadas pelas forças israelitas na sua operação sobre Gaza nos últimos nove meses é a razão afirmada pelo Hezbollah para os ataques sobre o norte de Israel.

Todavia, não foi o mote para a preparação da operação contra o Hezbollah, que já foi anunciada há meses, sob a alegação de que há milhares de pessoas que foram obrigadas a deixar o norte de Israel devido à ameaça persistente de ataque oriundos do outro lado da fronteira, e devem poder regressar às suas casas em segurança.

Vários analistas têm notado que Israel não tem capacidade militar para derrotar o Hezbollah, como se viu em 2006, sendo que este movimento xiita aliado directo e apoiado pelo Irão, tem hoje ainda mais força, está melhor armado, melhor treinado e mais motivado devido ao massacre de palestinianos em Gaza, onde em nove meses já foram mortas 40 mil pessoas e mais de 100 mil foram feridas.

Apesar de ser um dos exércitos melhor equipados do mundo, graças ao acesso ilimitado aos arsenais norte-americanos, dificilmente poderia arriscar abrir agora uma nova frente de guerra a norte, quando já tem fortes dores de cabeça para lidar com o Hamas em Gaza, uma força muito inferior ao Hezbollah.

Assim sendo, por detrás desta retórica belicista contra o Hezbollah, acompanhada de sucessivos bombardeamentos sobre as posições deste movimento no sul do Líbano, especialmente com uso dos caças F-35 fornecidos pelos EUA, estará uma velada intenção do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyhau de arrastar Washington para a guerra com o Irão.

Tal possibilidade serviria para desviar as atenções de Gaza, onde todos os objectivos traçados por Netanyhau, a 07 de Outubro, depois de 9 meses de um conflito atroz, estão por cumprir, que são a derrota total do Hamas, a libertação de todos os reféns e fazer de Gaza uma geografia segura para Israel.

Ora, se as Forças de Defesa de Israel (IDF), empegando 350 mil soldados, um manancial de poder aéreo, naval e artilharia pesada modernos, sistemas de vigilância telecomandados, e com o apoio ocidental quase sem limites, não conseguiram bater o Hamas, com pouco mais de 70 mil combatentes, arnados com armas ligeiras e roquetes caseiros, como poderão vencer o Hezbollah, com mais de 150 mil homens, um stock estimado de 100 mil misseis e roquetes de vários tipos, e uma logística em tudo semelhante a um Exército nacional...

Tal cenário só fará um sentido mínimo se por detrás estiver um plano mais abrangente, que envolva um confronto com o Irão por uma frente composta por Israel e os seus mais empenhados aliados, os EUA, a Alemanha, a França e o Reino Unido, procurando com isso obter resultados na frente política.

Nos EUA, apesar da retórica do chefe da diplomacia de Washington, Antony Blinken, no sentido de querer evitar um alastramento da guerra israelo-palestiniana, esse tipo de conflito poderá ser visto como uma forma de mudar o contexto eleitoral, onde a actual administração democrata tende para a derrota face à republicana de Donald Trump.

E em Israel, como pode ser revisitado aqui, Netanyhau está sob uma inédita pressão interna, com sucessivas manifestações populares contra as suas políticas, na justiça sabe que voltará ao banco dos réus após a guerra, acusado de corrupção agravada, e tem a sua governação por um fio face à ameaça dos partidos mais radicais da sua coligação de derrubarem o Executivo se o primeiro-ministro mantiver as negociações de paz com o Hamas.

Aquilo que parece agora um beco sem saída, seria facilmente resolvido com uma nova e alargada frente de guerra com o Hezbollah, se para isso puder contar com o apoio ocidental, o que, segundo alguns media, foi o objectivo maior da sua recente visita aos EUA, onde procurou convencer o seu maior e incontornável aliado a apoiá-lo numa guerra com o Hezbollah e o Irão.

Por exemplo, The Times of Israel, o jornal israelita em língua inglesa mais insuspeito, avançaca a 22 de Julho que Washington garantiu apoio total a Netanyhau em caso de uma guerra aberta com o Hezbollah, o que não é uma novidade, estando esta sim na condição de que tal apoio se estenderá ao Irão caso for necessário.

E esse cenário é cada vez mais provável, tendo em consideração que o conselho de ministros deu luz verde a Benjamin Netanyhau, segundo The Times of Israel, para decidir a dimensão da resposta a dar ao Hezbollah depois da morte das 12 crianças e jovens na área de Golã.

Essa resposta será a que Netanyhau quiser e quando quiser, de onde facilmente se depreende que Israel está a preparar a envolvência interna e externa para lançar uma poderosa ofensiva contra o sul do Líbano, geografia onde o Hezbollah está implantado até às raízes sociais mais profundas e com o terreno preparado durante anos a fio para esse momento.

Para já, o terreno está a ser preparado com sucessivas vagas de ataques aéreos sobre as posições do Hezbollah e, segundo a CNN, as bases militares que servem o norte de Israel estão em grande alvoroço pré-guerra, assim como os portos marítimos, além da frente diplomática, que visa diluir a pressão internacional para evitar uma escalada que ninguém sabe como evoluirá.

Recorde-se que se Israel tem acordos de segurança sólidos e testados pelo tempo com as grandes potências ocidentais, como EUA, Reino Unido ou a França, o Irão tem consolidado as suas parcerias com a Rússia e a China, além de que recentemente Teerão reatou as relações diplomáticas com os países árabes do Médio Oriente, com destaque para a Arábia Saudita.

Ainda a demonstrar que a guerra tem o vento pela popa, nas últimas semanas o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, veio publicamente defender que o Irão está a duas a três semanas para ter pronta a bomba nuclear.

E, recorde-se, essa foi sempre a linha vermelha desenhada no seu mapa dos interesses geoestratégicos no Médio Oriente pelos Estados Unidos e por Israel, onde Benjamin Netanyhau tem jurado sucessivamente que jamais permitirá que Teerão disponha de um engenho atómico pronto a usar...

Lendo entrelinhas e as próprias linhas que saem da região, facilmente se revela dessa leitura a crescente preparação de uma guerra de grande dimensão, que, a surgir, terá, de um lado Israel e os seus aliados ocidentais, e do outro o Irão, com apoio externo, mas sem envolvimento de China e Rússia, e os países da região alinhados com Teerão, como a Síria e o Iémen, além das dezenas de milícias armadas xiitas no Iraque...

Além disso, ao longo dos últimos meses, dois gigantes militares euroasiáticos, como o Paquistão, potência nuclear, e a Turquia, têm mostrado uma aproximação ao Irão na questão de Gaza, reagindo especialmente ao genocídio israelita que ali está em curso...

Será essa aproximação estendida neste novo cenário? Para já, ninguém pode ter a certeza de nada.

Mas, pelo sim, pelo não, quanto ao evoluir deste cenário flamejante, várias companhias aéreas já deixaram de voar para o Líbano, e mesmo de sobrevoar a região, estando neste lote as companhias Lufthansa, alemã, a Turkish Airlines, a Ethiopian Airlines, as do grupo suíço Swiss International, do europeu Eurowings, a grega Aegean Airlines...