Mas Volodymyr Zelensky está a tentar, usando uma retórica mista de querer negociar a paz com a Rússia através da conquista de territórios ao inimigo para usar como moeda de troca num futuro cenário de negociações onde Moscovo e Kiev poderão trocar terra por terra de forma a ambos terem uma saída honrosa para mostrar aos seus povos.
Está a tentar mas sem sucesso, porque, a partir do Kremlin, Vladimir Putin já veio dizer que não haverá quaisquer negociações com Kiev - demonstrando alguma fragilidade - enquanto os ucranianos bombardearem civis e infra-estruturas civis, como é o caso da central nuclear de Zaporizhia, localizada nos territórios anexados pela Rússia em 2022.
Para já, o que Zelensky diz é que "a Rússia tem de ser forçada a negociar a paz", o que é um evidente e novo capítulo aberto em Kiev porque esta frase consiste num convite ao Kremlin para negociar o mais rapidamente possível.
E quanto mais depressa melhor, porque como é defendido por vários observadores, entre estes o major general Agostinho Costa, analista militar da CNN Portugal, a Ucrânia conseguiu um feito táctico e mediático relevante tomando de assalto territórios russos na região de Kursk mas sem condições para aguentar posições muito mais tempo.
Agostinho Costa deixa mesmo entender que os estrategas de Kiev correram um sério risco ao desnudar da frente de guerra principal, no Donetsk, as suas forças, levando unidades essenciais e insubstituíveis para esta incursão em Kursk.
Isto, porque sabem não poder prolongar por muito mais tempo a presença nos territórios russos antes da contra-ofensiva russa, que conta com superioridade aérea, em artilharia e em meios humanos, o que torna a presença ucraniana insustentável.
A grande questão é agora de tempo
O tempo em que as forças ucranianas aguentam a ocupação em Kursk - Kiev diz que já tomou mais de 1.000 kms2 - é tempo suficiente para o Presidente Zelensky usar essa ocupação como moeda de troca com o Kremlin, em conversações realizadas por detrás do palco onde esta "encenação" decorre?
Talvez seja, mas apenas se Putin estiver interessado em fazer de conta que é uma ocupação em profundidade consolidada e que serve para moeda de troca em negociações cujos contornos é intempestivo definir mas que será sempre no âmbito de cedências mínimas dos russos, como, por exemplo, travar os avanços no Donbass e sair dos territórios de Kiev na região de Kharkiv, fora da frente de guerra inicial, no leste ucraniano.
O tempo é aqui o elemento fundamental, porque, segundo números "oficiais" de Kiev e de Moscovo, ambos os lados já perderam, em apenas uma semana, mais de 1.500 soldados nos combates em Kursk, tendo sido derretidos dezenas de veículos militares, incluído carros de combate, o que é claramente insustentável para a Ucrânia, onde não apenas escasseia material como é quase impossível repor as baixas humanas devido às crescentes dificuldades de mobilização.
Hà ainda outro elemento que garante dores de cabeça a Zelensky. Como é que o seu principal aliado, e garante de apoio financeiro e em equipamento militar, os EUA, vai manter esse fluxo de armas e dinheiro para KIev quando o seu maior aliado em todo o mundo, Israel, está à beira de um conflito que pode ser existencial?
A resposta é simples: entre Israel e a Ucrânia, em Washington não há quaisquer dúvidas... É para Telavive, que depende tanto ou mais dos americanos que a Ucrânia, que vão todas as atenções, estando mesmo os EUA, já quase sem o esconder, à espera que em Kiev se encontre uma saída negociada para a guerra com a Rússia de forma a libertarem-se desse peso incómodo.
Alias, a incursão em Kursk foi, e é, segundo alguns analistas, ma forma de obrigar Washington a manter-se dentro do barco ucraniano, nomeadamente com o envio de mais armas e mais dinheiro agora que Kiev levou a guerra em profundidade para dentro do território russo.
O link entre o leste europeu e o Médio Oriente
Aparentemente, a necessidade de tempo é igualmente sentida em Moscovo, que tem de lidar com a pressão oriunda do Médio Oriente, onde está iminente um conflito aberto e de larga escala entre o seu aliado estratégico, o Irão, e Israel.
Isto, porque a Rússia tem de dividir o foco da sua atenção do conflito na Ucrânia para o Médio Oriente, não apenas porque está a ceder equipamento a Teerão, como sistemas de defesa antiaérea S-400 e radares de longo alcance, como vê mais difícil o fornecimento de sistemas de misseis balísticos iranianos que estavam previstos, segundo fontes ocidentais.
Este cenário é de grande melindre, especialmente depois de Israel ter ido a Teerão assassinar o líder do Hamas, Ismail Henayieh, no final de Julho, quase que obrigando o Irão, sem alternativa, a contra-atacar Israel, como fez a 13 de Abril, depois da morte de dois generais de topo no seu consulado em Damasco, na Síria, por um míssil israelita.
Foi perante essa escalada quase impossível de conter que Putin enviou de urgência o seu antigo ministro da defesa e agora secretário do Conselho de Segurança, Sergei Shoigu, a Teerão, para convencer as autoridades iranianas a uma espera estratégica, de forma a poder, não apenas lidar sem essa pressão com a invasão ucraniana em Kursk, como também permitir uma preparação mais esmiuçada do plano para o Médio Oriente.
Isto, porque o conflito entre Israel e o Irão não é apenas mais um conflito entre países, é parte substantiva do conflito pela mudança das regras no xadrez mundial, como o demonstra o facto de os Estados Unidos estarem 100% empenhados no apoio incondicional a Telavive.
E se o Irão sair derrotado deste embate com o eixo Israel/EUA/Reino Unido, também será uma derrota para o eixo Moscovo/Pequim/Irão no contexto alargado da luta pela mudança na Ordem Mundial em disputa entre o Ocidente Alargado e o Sul Global.
O que, com a China a manter-se estrategicamente na condição de equidistância relativa, para emergir como mediador num eventual cenário negocial, cabe à Rússia fornecer o apoio a Teerão que lhe permita, mesmo que não derrotar Israel e os seus aliados, pelo menos não perder totalmente a face...
E a guerra Israel/Israel só pode ser evitada com a saída de cena de Netanyhau
Como o Novo Jornal avançava na segunda-feira, se o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau não conseguir a sua guerra, que parece quase impossível que não aconteça, depois da humilhação feita aos iranianos ao assassinar na sua capital, Teerão, o seu "hospede" no dia da tomada de posse do seu novo Presidente, Masoud Pezeshkian, provavelmente não sobreviverá aos próximos meses.
Mais de 70% dos israelitas, de acordo com a última sondagem feita sobre a sua popularidade, querem ver Netanyhau fora do Governo, e sem um ataque escalatório do Irão, dificilmente o primeiro-ministro israelita sobreviverá à pressão das ruas e da oposição.
Isto, porque Benjamin Netanyhau, mesmo tendo acesso ilimitado às armas mais sofisticadas dos arsenais dos EUA, com um exército de 350 mil soldados, ao fim de 10 meses de guerra, depois de ter morto mais de 30 mil civis palestinianos e destruído totalmente a geografia urbana de Gaza, não conseguiu nenhum dos objectivos a que se propôs.
Não conseguiu derrotar o Hamas, entre 20 mil e 50 mil combatentes, armados apenas com armas ligeiras e roquetes caseiros; não conseguiu libertar os reféns levados para Gaza pelo Hamas a 07 de Outubro do ano passado; e Gaza não é, como disse que seria, um local seguro para os israelitas...
Para evitar responder a estes falhanços, que podem mesmo ser uma humilhação ainda maior que em 2006, quando o Exército israelita foi derrotado pelo Hezbollah, na denominada "guerra dos 30 dias", Netanyhau precisa que o Irão e o Hezbollah caiam na sua armadilha e lancem uma vaga de ataques sobre Israel, ainda mais forte que o de 13 de Abril (ver links em baixo), de forma a arrastar os EUA para um conflito com o Irão.
Como avançava em Julho The Times os Israel, 72% dos israelitas querem que Netanyhau se demita, sendo que apenas 44% querem que o faça imediatamente e apenas 28% depois da guerra, o que foi um alerta pesado para o chefe do Governo.
Além disso, sem a sua guerra, que é uma espécie de fire wall para o proteger dos imbróglios internos, Netanyhau terá de começar a responder a questões às quais dificilmente sobreviverá politicamente.
Desde logo as suspeitas de conluio interno para as inexplicáveis falhas de segurança no 07 de Outubro de 2023, onde algumas das secretas mais famosas do mundo, a Mossad (externa), o Shin Bet (interna) e AMAN (militar) não foram capazes de antever e perceber que o Hamas estava a preparar um assalto histórico ao sul de Israel com mais de 3 mil combatentes, que levou meses a preparar e organizar.
Mas ainda terá de lidar com as acusações de corrupção agravada que antes da operação militar lançada sobre Gaza estava a enfrentar em tribunal na condição já de acusado.
Provavelmente, apesar de o Irão estar em plena guerra psicológica, gerando tensão tanto em Telavive como em Washington, com a extensão estratégica da iminência de um ataque que tarda, a punição pela morte de Ismail Henayeh, e também pelo, dias antes, nº 2 do Hezbolah, general Fuad Shukr, vai mesmo acontecer...
Só que, como sublinha nesta segunda-feira, 12, citado pela Al Jazeera, Rami Khouri, director do departamento internacional da Universidade Americana de Beirute, o Irão está "numa extensiva guerra psicológica".
"Quando se espera um grande ataque a Israel, os iranianos e o Hezbollah estão a ser muito reservados sobre isso... o que estão a fazer é uma verdadeiramente extensiva guerra guerra, mais que tudo o resto, mantendo os israelitas em permanente sobressalto", disse.
E acrescentou: "Não é apenas o exército israelita, exausto e a lidar com muitas pontas soltas, sem conseguir os seus objectivos em Gaza, mas também a população e a economia israelitas estão a ser fustigadas com uma arma letal para os seus nervos, a espera tensa por uma ameaça pesada".
A tensão social é ainda visível no esgotamento dos lugares nos voos que partem de Telavive para a Europa e EUA, que reduzem substancialmente com cada vez mais companhias aéreas ocidentais a deixarem de voar para a região.
Os israelitas já sabem que o Irão possui armas com capacidade para trespassar as suas defdasa antiaéreas, que os media ocidentais sacralizam como inexpugnáveis mas que se mostraram impotentes face aos misseis hipersónicos lançados pelo Irão a 13 de Abril como punição pela morte de dois generais na Embaixada do Irão em Damasco, Síria.
Nesse ataque o Irão, que avisou com antecedência efectiva, usou (ver links em baixo) perto de 400 projecteis de longo alcance, incluindo drones e misseis de cruzeiro antigos, todos abatidos pelos israelitas e pelos seus aliados na região, nomeadamente os navios e aviões das bases dos EUA e do Reino Unido, e entre 4 a 8 misseis hipersónicos, tendo todos eles, ou quase todos, atingido os objectivos, duas bases israelitas nos Montesa Golã e no Deserto do Neguev.
Como vai ser efectivada a retaliação desta feita? Uma possibilidade é os aliados do Irão, Hezbollah, no sul do Líbano, fronteira norte de Israel, os Houthis, no Iémen, e o Hamas e a Jihad Islâmica, em Gaza, exaurirem as defesas antiaéreas de Israel com vagas sucessivas de roquetes, provavelmente como engodos sem explosivos.
E, depois, no que podem ser dias ou semanas, o Irão e estes grupos lançarão uma vaga de ataques com armas modernas e mais sofisticadas, como os Fattah -1, os misseis hipersónicos já testados por Teerão e que, entretanto, podem ter sido deslocados previamente para os territórios mais próximos dos alvos.
Ciente desta realidade, o ministério da Defesa israelita já avisou que o Irão e o Hezbollah vão sofrer um ataque nunca visto na resposta ao esperado acto de retaliação pela morte de Henayeh e Fuad Shukr.
Segundo os serviços de intelligentsia norte-americanos, o Irão lançará o seu ataque até quarta-feira. Os EUA já têm uma poderosa concentração de meios navais e aéreos na região para ajudar Israel, incluindo porta-aviões e submarinos nucleares.
Para tentar impedir esta escalada, a comunidade internacional procura amaciar o Irão de forma a reduzir a escala e intensidade da retaliação.