E não é para menos, porque ambos os países precisam um do outro para resolver problemas urgentes, como a abertura de espaço para relações internacionais de dois Estados a braços com tentativas de isolamento por parte do Ocidente Alargado liderado pelos EUA.

Só que o mais importante não é o palco internacional que se oferecem mutuamente, embora isso seja mais importante para Pyongyang do que para Moscovo.

O que sobressai de imediato é que a Coreia do Norte precisa da tecnologia e dos alimentos russos e os russos dos milhões de munições que Kim tem nos seus paióis.

E tem mais munições que as que precisa porque a Coreia do Norte é efectivamente um país em guerra desde 1953, com o vizinho, a Coreia do Sul, e em permanente robustecimento das suas capacidades militares, tanto convencionais como nucleares.

A agenda pública desta visita histórica de Putin a Pyongyang, à qual os media globais estão muito atentos, não vai além da demonstração de vontade de reforçar os laços de amizade e cooperação, Mas em segredo os dois lados têm muito para conversar.

Kim e Putin estiveram juntos ainda em Setembro do ano passado, numa igualmente vistosa visita do líder coreano à Rússia, mas o chefe do Kremlin não ia a Pyongyang desde 2000, onde se encontrou com o pai do actual Presidente, Kim Jong-il.

Sendo esta deslocação tão histórica como a primeira, é, no entanto, muito mais importante pelo contexto em que acontece.

Na altura, a Coreia do Norte estava longe de ser uma potência nuclear e espacial, como é hoje, embora ainda incipiente, enquanto a Rússia estava com a guerra da Chechénia à perna.

Mas as necessidades não se comparam com as que Moscovo tem agora na guerra da Ucrânia, onde se bate com uma frente ocidental que usa os ucranianos como "proxy" para fragilizar a Federação.

Deste cenário não se pode igualmente afastar a união dos dois países no confronto com a hegemonia global dos Estados Unidos, como, de resto, Putin o frisou na primeira reunião com Jong-un.

E ninguém ignora que russos e norte-coreanos têm uma vasta gama de áreas de cooperação para explorar e reforçar as que já existem...

E o que pode Kim dar a Putin e Putin a Kim?

Por mais secreta que sejam as suas agendas, a Coreia do Norte precisa dos cereais que a Rússia tem em abundância para matar a fome ao povo, e a Rússia precisa das munições e misseis que os coreanos têm em abundância para alimentar o seu esforço de guerra na Ucrânia.

Além disso, Putin conta com Kim para alargar o mapa de confrontação com a ordem mundial baseada nas regras ocidentais e Kim conta com Putin para melhorar o seu programa de armamento nuclear e espacial, que já é uma realidade que o mundo não pode ignorar.

Moscovo vê na Coreia do Norte uma "firewall" para eventuais complicações nesta estratégica região da Ásia Oriental, alvo de disputas acesas envolvendo os EUA, o Japão e a Coreia do Sul com a China e a Rússia.

A dar solidez ao "namoro" entre Kim e Putin está a celebração de um acordo de cooperação que será assinado nesta visita de dois dias que o chefe do Kremlin está a fazer à Coreia do Norte.

Acordo esse que vai reforçar com novas alíneas o tratado de amizade assinado entre os dois países em 1961, e depois reformulado em 2000.

Este novo documento, segundo a agência de notícias russa, Tass, abrange um vasto leque de áreas e tem como pano de fundo a "profunda evolução da situação geopolítica global e regional".

No entanto, a TASS assegura que este tratado não tem como objectivo qualquer agressividade contra nenhum outro país e é cumpridos de todas as leis internacionais.

Para os países ocidentais, esta visita é um problema em expansão porque, com o apoio da Rússia, a modernização e adequação tecnológica do sistema de defesa norte-coreano poderá se de grande relevo, especialmente em tecnologia de satélites e de foguetes.

Mas é em Kiev que os passos de Putin em Pyongyang mais reverberam, pelo que elas podem traduzir em maior disponibilidade de munições de artilharia e misseis para as forças russas a combater no leste ucraniano.

Alias, os EUA têm acusado sistematicamente Pyongyang de estar há largos meses a fornecer milhões de munições à Rússia, o que garante uma superioridade na capacidade de combate contra a Ucrânia.

Por outro lado, a Rússia a maior potência nuclear global, pode ajudar a Coreia do Norte a desenvolver o seu sistema de armas nucleares estratégicas, evoluir os sistemas de lançamento e a criar uma capacidade nuclear táctica, que será uma ameaça substantiva para a Coreia do Sul.

Coreia do Sul com quem a Coreia do Norte mantem um estado de guerra desde 1953, ano em que um armistício, sem tratado de paz, pôs fim a três anos da chamada Guerra da Coreia, deixando, todavia, a Península Coreana numa estranha campânula marcial que nunca deixou baixar a tensão.

E é por isso que ainda hoje os EUA mantêm largos milhares de militares e unidades de combate em prontidão permanente para obstaculizar quaisquer iniciativas agressivas por parte do vizinho do Norte.