O Presidente da Rússia fez coincidir com as celebrações do 80º aniversário do Dia D, que marcou o arranque da invasão aliada da Europa ocupada pela Alemanha nazi, em 1944, o desenho da resposta de Moscovo à escalada no apoio a Kiev dos seus aliados ocidentais.

Há semanas que se esperava um vislumbre de qual poderia ser a resposta russa à autorização norte-americana e de alguns dos seus aliados europeus para que a Ucrânia pudesse usar os seus misseis de longo alcance para atacar alvos no território russo.

Este era um dos momentos mais flamejantes deste conflito na Ucrânia que já corre para o seu 3º ano, mas, naquilo que parece ser um momento combinado entre Moscovo e Washington, por um lado Putin retira a questão nuclear da equação e Joe Biden dá uma entrevista onde descarta qualquer possibilidade de entrada da Ucrânia na NATO.

Isto não quer dizer que se esteja a entrar em qualquer tipo de fade out para esta guerra, até porque na mesma entrevista à Time Magazine, o Presidente dos EUA reafirmou que só pode haver paz na Europa se a Rússia for derrotada "totalmente" na Ucrânia.

Porém, para quem analisa de mais perto este prolongado conflito, a repetição da ideia de que a paz só pode derivar da derrota dos russos, algo que nada tem de novo nas muitas declarações de Biden a esse propósito, não é denso suficiente para tapar a questão decisiva da não entrada da Ucrânia na NATO.

Alias, com esta entrevista, Biden sabia que iria enfurecer o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a quem deverá fornecer uma difícil explicação no encontro que com ele vai manter durante esta estadia em França, onde ambos se encontram para as celebrações do Dia D.

Até porque o chefe do regime de Kiev terá agora de explicar ao seu povo que uma das razões mais pesadas para justificar centenas de milhares de mortos acaba de deixar de fazer sentido, que era a entrada da Ucrânia na NATO.

Recorde-se que das três questões apresentadas como justificação para a invasão da Ucrânia, em 24 de Fevereiro de 2022, Putin colocou como a mais incandescente a questão da recusa liminar da entrada deste país na organização militar ocidental liderada pelos EUA.

E agora Biden veio anunciar a sua cedência à exigência do Kremlin.

Isto, porque Vladimir Putin desde logo colocou como "existencial" para a Federação Russa impor uma Ucrânia neutral no contexto da defesa colectiva da Europa, o que só é possível com a Ucrânia fora da NATO.

Como existencial seria para os EUA, e para o mundo, a questão do deflagrar de um conflito nuclear, como Kremlin foi alimentando como possibilidade no contexto da sua resposta ao envio de militares ocidentais para a guerra, ao lado de Kiev, e que Putin acaba de diluir no igualmente agressivo mas longe do Armagedão nuclear que é fornecer armas sofisticadas aos inimigos dos países ocidentais para atacarem os seus interesses dispersos pelo planeta.

"Se alguém pensa que é possível fornecer armas numa zona de guerra para atacar o nosso território e criar-nos problemas, o que nos pode impedir de também fornecer as nossas armas em territórios espalhados pelo mundo onde podem ser usadas contra alvos sensíveis destes países?", questionou retoricamente Putin numa conferência de imprensa em São Petersburgo.

Esta é, assim, a resposta mais directamente relacionada com a autorização recente de Joe Biden para os ucranianos usarem os misseis balísticos de médio alcance - cerca de 300 a 50 kms - ATACMS para destruição de alvos no interior das fronteiras históricas da Rússia.

Nesta conversa com responsáveis pelas agências de notícias internacionais, no âmbito do Fórum Económico Internacional (SPIEF), Vladimir Putin reafirmou que essa resposta pode muito bem ser "assimétrica" porque voltou a enfatizar que está consciente de que as armas ocidentais fornecidas a Kiev são igualmente usadas de acordo com informação e dados fornecidos pelos países da NATO.

"Se o ocidente continuar a fornecer estas armas no contexto do conflito, destruirá completamente as relações internacionais e minará toda a segurança internacional", avisou ainda o chefe do Kremlin.

E reafirmou que se os países ocidentais da NATO continuarem a avançar para uma participação directa nesta guerra contra a Rússia, naturalmente que nos reservamos o direito de agir de forma similar, o que é a receita para um desastre de sérias consequências".

Voltando a defender que a ideia que está a ser espalhada pelos media ocidentais, a partir dos gabinetes dos Governos europeus e norte-americano de que a Rússia tem planos para atacar países da NATO "é uma ideia completamente tresloucada".

"Mas vocês ficaram todos doidos?", questionou Putin, depois de ser confrontado pela pergunta de um jornalista se esses planos existem de facto, deixando cair uma frase pouco ortodoxa mas demonstrativa do que pensa sobre o assunto: "Só alguém burro como uma mesa pode pensar em tal cenário".

E defendeu que essa ideia dispersa estrategicamente pelos media ocidentais "só serve para que alguém consiga convencer os povos a aceitarem que os Governos ocidentais a gastarem mais dinheiro a rearmarem-se e a enviarem mais armas para a Ucrânia".

Isto dito assim não deixa de ser curioso quando se sabe que a Rússia, apesar de tal sucede o contexto do conflito ucraniano, está a transformar a sua economia numa economia de guerra, aumentando de forma substantiva a sua capacidade de produção de todo o tipo de armamento.