A imprensa pública tem sido a cabeça de cartaz. Para alguns jornalistas, a crítica devia ser generalizada, incluindo nela a privada, ou seja, a imprensa, toda ela, está obrigada a agir nos mesmos termos. Sim, concordo com a posição. Porém, acrescento: há diferença no tipo de "responsabilização política" a que estão sujeitos. À imprensa pública, o cidadão exige um serviço de qualidade, à dimensão das suas contribuições. A exigência não é meramente social, é antes de tudo legal, constitucional, sobretudo (n.ºs 3 e 4, dos artigos 44.ª e 17.º).

À privada, o cidadão pede que aja nos termos em que se propôs na sua linha editorial, fundamento, aliás, do seu licenciamento para o serviço de informar, ou seja, o ideal é que a imprensa toda seja plural e imparcial. No entanto, quando a privada não responde às expectativas da sociedade, a sanção é abandoná-la. Já a pública não. Não basta deixá-la de a acompanhar, é exigido que satisfaça as expectativas da sociedade, porque a sociedade paga para ela existir. É a grande diferença. E as críticas (mais ou menos intensas) devem ser compreendidas neste quadro.

No seio dos jornalistas, o desempenho da imprensa tem suscitado um debate sobre a quem recai a responsabilidade. Gestores de conteúdos, decisores em última instância do que deve ou não ser difundido ou dos jornalistas?

Para mim, os jornalistas têm também alguma responsabilidade. A responsabilidade do jornalista é tanta quanto mais essa ordem que executa trespassa os princípios deontológicos. É o que Étienne de La Boétie designa por servidão voluntária, na sua obra O Discurso sobre a Servidão Voluntária. Quando um jornalista executa um trabalho que atropela a deontologia que professa, doa a sua liberdade, aceita a escravatura, no conceito do filósofo francês.

La Boétie escreve que "são os próprios povos que se deixam oprimir, que tudo fazem para serem maltratados, pois deixariam de o ser no dia em que deixassem de servir", prossegue, referindo que "é o povo que se escraviza, que se decapita, que podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos os meios". O francês finaliza perguntando: "que mais será preciso para possuir a liberdade do que simplesmente desejá-la? Se basta um acto de vontade, se basta desejá-la?"

E aponta um caminho por meio desse exemplo: "o fogo cresce e se acende cada vez que mais, e quanto mais lenha encontra, tanto mais consome; e como, sem lhe deitar água, deixando apenas de lhe deitar lenha, logo ele, não tendo que consumir, a si próprio se consome, perde a forma e deixa de ser fogo".
Conclui: "não há dúvidas de que a liberdade é natural e que, pela mesma ordem de ideias, todos nós nascemos não só senhores da nossa alforria, mas também com ânimo para a defendermos".

O mesmo é perguntar o que falta ao jornalista para evocar a cláusula de consciência. A Lei sobre o Estatuto dos Jornalistas garante, no seu artigo 7.º, a cláusula de consciência, assim como a Lei de Imprensa no seu artigo 17.º. Portanto, quem aceita fazer um jornalismo avesso ao recomendável pratica voluntariamente a servidão. Se esse jornalismo não perturbasse o desenvolvimento social, a cidadania e, em última instância, a democracia não ocupariam sequer um minuto do tempo dos cidadãos. Infelizmente não é assim. Faz, e muito. Não foi o jornalismo, em particular feito pela imprensa pública, indiciado também de cúmplice da gestão do ancien regime?

*Secretário-geral do Sindicatos dos Jornalistas Angolanos