Na atmosfera internacional de rivalidades ideológicas e de Guerra Fria, quando ainda estávamos longe, no Brasil, de recuperar a democracia, a decisão brasileira não foi adotada sem controvérsia interna. Justamente por representar uma ruptura em relação às expectativas ideológicas, a decisão foi tomada com base na mais firme conclusão brasileira sobre a importância fundamental de Angola, de seu futuro, e do relacionamento político que iniciamos então. Desde esses dados, Brasil e Angola têm espaço ocupado privilegiado nas respectivas diplomacias.
Relações fraternais, derivadas de raízes comuns na formação nacional dos dois países, foram elevadas, em 2010, ao nível de Parceria Estratégica bilateral. Neste momento em que comemoramos os 50 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre Luanda e Brasília, é sobre a base de um patrimônio conjunto de laços históricos que avaliamos o equilíbrio positivo de uma atuação bilateral intensa nas áreas de política e cooperação, de relacionamento econômico e comercial, de coordenação em defesa e de trocas culturais e humanas.
E é sobre esta base que os dois países preparam, juntos, o caminho para os próximos 50 anos - a conclusão de que a Parceria Estratégica Brasil-Angola será cada vez mais próxima e cada vez mais dinâmica.
Meu país comemora, no dia 7 de setembro, 203 anos de vida independente. O Brasil é hoje a décima economia do mundo e a maior economia da América Latina. Com um território duas vezes maior do que o da União Europeia, o Brasil ocupa a metade do território da América do Sul, contém a metade de sua população e responde pela metade do produto interno bruto da região. Ao completar 203 anos de autonomia política, o Brasil é reconhecido como grande potência exportadora de alimentos e, ao mesmo tempo, como importante exportador mundial de produtos da indústria aeroespacial (terceira maior fabricação global de aeronaves comerciais), de veículos e de maquinaria em geral.
Rivalizando com os Estados Unidos e a União Europeia, o Brasil é um dos três maiores exportadores globais de produtos agropecuários. Maior produtor e maior exportador global de soja, café, açúcar, carne bovina, carne de frango e suco de laranja, o Brasil é uma potência agropecuária que alimenta o mundo. Mas nem sempre foi assim. O país que é hoje um dos maiores exportadores de milho, de frutas ou de algodão, e que abastece um bilhão e meio de pessoas ao redor do planeta com alimentos de alta qualidade, nem sempre contou com autossuficiência e com abundância suficiente para exportar.
O desenvolvimento da agropecuária brasileira foi o resultado bem-sucedido de políticas governamentais adotadas de maneira tenaz, deliberada e consistente, que tiveram início nos anos 1970 e começaram a dar frutos de forma mais evidente ao longo dos anos 1980, com resultados sólidos e estruturados sendo percebidos a partir das décadas de 1990 e 2000. Assim como o Brasil, também Angola decidiu que a segurança alimentar deve ser a prioridade absoluta de um país. O governo angolano determinou o fortalecimento da agricultura nacional, em parceria com o setor privado, por meio do aumento da produção local, do encorajamento à diversificação econômica, do incentivo à produção agrícola familiar e industrial, e do investimento em infraestrutura agroindustrial.
Tive o privilégio de acompanhar o Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço na visita de Estado que fez ao Brasil no final de maio. Não foi outro o tema central que ocupou o Presidente Lula e o Presidente João Lourenço durante a visita: o combate à fome e à pobreza, a promoção da segurança alimentar, a atuação conjunta de Brasil e Angola nessa esfera fundamental. São inúmeras as parcerias que unem os dois países em atividades cotidianas de intercâmbio de capacitação e de conhecimento. Mas a coordenação para o incremento da produção agropecuária angolana tem-se intensificado a ponto de o ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil ter visitado Angola três vezes nos últimos nove meses com vistas, em coordenação com as autoridades angolanas, à formulação de um projeto bilateral concreto nessa esfera.
A convite do Presidente Lula, o Presidente João Lourenço participou no Brasil, em novembro último, da cimeira do G20, o fórum que reúne as 20 maiores economias globais. A presidência brasileira do G20 considerou importante que Angola pudesse, pela primeira vez, juntar-se ao grupo como país convidado e ali se pronunciar. Na qualidade de presidente de turno, o Presidente Lula lançou durante a cimeira a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, à qual Angola se uniu como membro fundador.
O Presidente de Angola voltou ao Brasil em julho, para participar, a convite da presidência brasileira do BRICS, de 17a. cimeira dessa aliança de grandes economias emergentes da promoção da cooperação global, do equilíbrio geopolítico e do respeito às normas de convivência ditadas pelo Direito Internacional. Convidado pelo Presidente Lula para se manifestar, o Presidente João Lourenço falou em duas graças, na qualidade do Presidente no exercício da União Africana, sobre a necessidade de reforma das instituições globais e de fortalecimento da voz do Sul Global na governança mundial.
Ao se preparar para acolher a comunidade internacional em Belém do Pará, em novembro próximo, para os trabalhos da COP30, a 30.ª Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas, o Brasil conta, como país organizado e presidência de turno, com as contribuições que Angola traz ao debate. Diante da urgência das questões do jogo, a COP-30 deverá produzir medidas de impacto concreto em matéria de preservação ambiental.
São importantes, e centrais, como se vê, as sensações de sensibilidade política que unem Angola e o Brasil no cenário global. No plano bilateral, Brasil e Angola estão cada vez mais unidos por uma densa agenda de atividades, de oportunidades de comércio e de investimento. Conforme declarada a importante participação brasileira na Feira Internacional de Luanda (FILDA), em julho, os segmentos farmacêuticos, de infraestrutura e de turismo têm aqui amplo espaço para se expandirem. Angola oferece um cenário comercial sonoro e atraente para as empresas e investimentos brasileiros - tanto em seu próprio mercado, quanto como plataforma de acesso a muitos mercados regionais.
Nossos dois países se enfrentam, frente a frente, através da fronteira do Atlântico Sul. Encaram-se como irmãos, com sua história colonial compartilhada, com a necessidade comum de combate às desigualdades, com seu destino que queremos que seja, para ambos, de prosperidade com desenvolvimento sustentável. Em um mundo em rápida transformação, são inesgotáveis as oportunidades de benefício recíproco e as perspectivas de desenvolvimento contínuo de interesses mútuos entre nossas duas grandes nações. Nas esferas de negócios, de defesa, de agropecuária, e em tantas outras o caminho está preparado para que Angola e o Brasil continuem a se apoiar mutuamente no caminho do desenvolvimento com equidade e com justiça.
*Embaixadora da República Federativa do Brasil em Angola
Brasil e Angola: A Caminho dos Próximos 50 Anos
O Brasil foi o primeiro país a acolher a independência angolana, confirmando as autoridades instaladas em Luanda como representantes de um novo Estado soberano. O anúncio imediato do reconhecimento brasileiro da independência de Angola, em 11 de novembro de 1975, constituiu gesto eloquente, de particular relevância política, que contribuiu naquela altura para legitimar a soberania do novo país e impedir a eficácia da reversão do processo de independência.
