No meio das minhas leituras meditativas deparei-me com uma outra frase escrita por Sadhguru, Guru indiano, com a qual senti semelhante efeito. "O feminino não é um género, é uma dimensão" (2). Uma dimensão...onde todo o seu ser se desdobra em múltiplas partes de ser MULHER. Esta dimensão do feminino é na verdade a tremenda capacidade de a mulher fazer acontecer milagres onde há insuficiência. O tamanho da sua resiliência. A sua capacidade de multiplicar 4 batatas para conseguir "nascer" 12 sopas. A "lonjura" da sua esperança que abre os portões do universo materializando milagres. A leoa que defende os filhos com a vida.
Feita esta deliciosa partilha, com lentes de respeito por todas as mulheres do mundo, olho para o país real e vejo que a mulher angolana nunca esteve no centro de nenhuma prioridade que tenha sido consequente, coerente, eficaz e que a tenha resgatado da violência do seu dia-a-dia. Assinámos todos os tratados, a Constituição afirma a proteção, mas no país real a mulher não sente a mão do amparo governamental, da proteção que não roce a esmola nos dias em que lhe são atribuídos discursos de glória nacional, repetidos em todas as províncias, não poupando, nem elogios, nem promessas que raramente se convertem em acções, ficando pelo sistemático e deprimente momento onde se faz a procissão do "constatar" depois da efeméride.
Na maternidade ela divide a cama com outra guerreira do "nascer", os filhos são irmãos de colchão, uma toma conta da outra e dividem a proteção dos dois "nascidos" com igual responsabilidade e comprometimento. As duas mães ficam manas para a vida, enquanto os familiares lá fora lutam para comprar as suturas e restantes exigências que estão na lista dos elementos "faltantes" na instituição.
Na zunga começa o dia às 4h da manhã, na procura pelo jantar dos filhos. Do amanhecer até ao momento em que desiste de perder tudo é no "arreiou" que despacha pelo melhor preço que conseguir o que não vendeu. Os pés deixaram de pensar. É muito cansaço. E nos dias em que não consegue fintar os fiscais da administração ou os policias da mixa, os miúdos tomam já só chá de capim e dormem na fome com a promessa que no outro dia Deus vai trazer oportunidade.
A agricultura familiar é feminina. A mulher rural vive demasiado longe da Assembleia Nacional e dos Ministérios do Planeamento, Agricultura, Finanças e Masfamu. Estes não se deram a conhecer com sentido de Estado. Falam dela nas conferências nacionais e internacionais e no orçamento. No dia da OMA e no Dia Internacional da Mulher. Depois nem pedra no sapato governamental consegue ser. É invisível e inoportuna. Mostra a miséria a quem foi retirado o sentido constitucional. Desenrasca-se na fome de longos dias. Todos ouvimos quão importante é esta mulher rural. Que ela é uma referência incontornável para o desenvolvimento sustentável. Que é imprescindível para os esforços do alargamento do sistema de produção.
Graças à ADRA muitas gestantes têm sido salvas, nas zonas rurais onde a organização tem projectos, através de um programa que as convida a fazerem, no mínimo, cinco ecografias durante a gravidez, usando os carros de serviço, garantindo a oferta de um enxoval para o "nascido". E com a visão de que ninguém fica para trás, a ADRA consegue fintar o destino de quem foi abandonado quando o posto médico mais próximo fica demasiado longe para quem tem fome crónica. Muitas vezes o posto até fica próximo, mas o ecógrafo está avariado ou nunca existiu.
O pesadelo de uma cidadania invisível. Uma mulher que se veste de restos e anda de rastos nas lavras da mandioca. A mesma que 50 anos depois não tem registo civil e não é dona da sua fonte de sobrevivência, mas tem cartão de eleitor porque o voto conta mais para o governo do que a Vida. A Agenda 2063 da União Africana, apela que que até 2030 pelo menos 30% das mulheres tenham acesso ao registo de propriedade das suas terras.
O poder do "povo feminino" é tremendo. Nenhum governo devia desafiar a paciência deste poder sem temer que o telhado lhe caia em cima da cabeça. Um governo consciente das suas responsabilidades tem de prover as necessidades básicas dos cidadãos. Não basta apelar para a melhoria das políticas públicas para a mulher quando o país onde ela tem a sua casa está ausente em todos os sentidos. n
(1) Efu Nyaky, missionária, pedagoga, teóloga, natural da Tanzânia que vive há trinta anos no Brasil onde fundou uma ONG na periferia de João Pessoa, cujo objetivo é inspirar, ajudar e curar outras mulheres.
(2) Jagadish Vasudev, conhecido como Sadhguru, é um Guru indiano fundador da Isha Foundation em 1962, em Cambotore na India. É um autor bestseller classificado pelo New York Times. Defensor da proteção ambiental, liderando várias iniciativas ambientais na India. Recebeu, em 2017, o Padma Vibhushan, que é a segunda condecoração mais importante do país.
Por um País melhor para todos: Mulher…
Efu Nyaky, missionária tanzaniana, escreveu uma das frases mais honestas e sublimes deste mundo, "Metade do mundo são mulheres e a outra metade são os filhos delas" (1). Sempre que releio esta frase fico emocionada pela profundidade que ela transmite. É na verdade a mulher um portal místico por onde a humanidade se revela neste planeta. A força e coragem de "nascer" outra pessoa. O amor incondicional.
