«Era sobre esse ponto que me queria debruçar.

Que todos os actores importantes no mercado dos hidrocarbonetos se preparam para um cenário de desinvestimento a nível global é um facto! Porque, se acreditamos na ciência, e, consequentemente, no que os relatórios do IPCC (em português, Painel Inter-Governamental para as Mudanças Climáticas) nos dão a conhecer, a situação actual do planeta exige uma redução drástica na emissão de gases de efeito de estufa, e, praticamente, todos os países - até os EUA com esta administração - se comprometeram a fazê-lo com prazos. As grandes empresas têm, naturalmente, planos para enfrentar esses cenários, que implicam o investimento em produtos, e tecnologias, alternativas. O que parece importante realçar é que não estamos perante uma opção facultativa. Apesar dos habituais desvios aos compromissos assumidos nos fora internacionais pelos países, em particular os mais poluidores, há um consenso mundial sobre a necessidade de se encarar seriamente os desafios identificados na questão climática, e isso vai afectar o mercado petrolífero, reflectindo-se na nossa economia.

É de referir o facto de se viver uma situação inesperada a nível mundial, principalmente criada pelo conflito armado que se regista na Europa, que beneficiou os preços dos hidro-carbonetos, tendo Angola, como País produtor, gozado dos lucros dessa inesperada primavera (ainda que, como vivemos, não foi suficiente para manter a desejada estabilidade macro-económica de que necessitamos). Mas estamos conscientes que essa deverá ser uma situação passageira (mesmo havendo os que desejam o contrário), e que uma alteração do panorama geopolítico internacional não deixará de levar os preços dos combustíveis (e outros, nomeadamente os dos produtos alimentares), novamente para os patamares que se verificavam antes do conflito. Ou até inferiores, pois, apesar das incertezas das projecções sobre o consumo mundial (hoje em alta), não há dúvidas de que os investimentos que se estão a fazer em tecnologias alternativas, não só para a produção de electricidade, mas também para o sector dos transportes, levarão a uma diminuição significativa na procura internacional por hidro-carbonetos no futuro próximo.

Parece, pois, de todo razoável, tirar as seguintes conclusões:

1. É importante desenhar cenários que prevejam um mundo com redução significativa na utilização de hidrocarbonetos (todos sabemos que não será uma redução total), particularmente como combustível, e Angola não deve ser excepção;

2. Não há uma cabala contra o petróleo no País (e no mundo): há uma situação concreta que exige medidas urgentes, e uma das vítimas vai ser a indústria petrolífera. O assumir isso claramente não descarta as iniciativas que procuram aproveitar as reservas do País enquanto as mesmas tiverem mercado (apesar de sermos absolutamente contra a invasão dos santuários ecológicos, como é o caso da área protegida no Kuando-Kubango que integra o projecto KAZA, para a prospecção de hidro-carbonetos). O que se exige é que haja realismo, e, num mundo que vai ter uma procura inferior, o que, naturalmente, se vai reflectir nos preços, se analise quais as nossas possibilidades de sermos competitivos;

3. Entretanto, e isso é consenso, que se invista na educação, e se criem as condições, em termos de infra-estrutura, quadro legal e regulamentar, e boa imagem de governança pública, para que o País atraia, de facto, o investimento, nomeadamente o estrangeiro, permitindo uma efectiva diversificação da economia, que já se vem verificando (particularmente nos produtos que substituem importações para o consumo), mas que ainda não se reflecte na economia da forma desejada, nomeadamente com uma maior oferta de produtos de exportação, que possam colmatar a redução de receitas, que se prevê venham a existir, provenientes da exportação de hidrocarbonetos;

4. A aposta nas novas e renováveis fontes de energia, assim como em alternativas industriais e agrícolas, como é o caso do hidrogénio verde e dos biocombustíveis, deve ser vista como uma oportunidade que o País deve aproveitar, dadas as condições muito favoráveis que oferece e a actual conjuntura internacional, tendo, no entanto, sempre presente que as escolhas devem ser feitas por Angola, na base de uma análise criteriosa das opções que se nos oferecem, em particular no que respeita à utilização da energia verde que hoje podemos produzir, escolhendo-se a mais favorável.

A transição energética não é algo que seja estranho na história da Humanidade. Já houve a era da biomassa, a do carvão e (ainda) estamos na do petróleo. A próxima não tem um quadro completamente definido. O que está claro é que o mundo está a mudar. Mas, como nos ensina a história, as transições não implicam o desaparecimento da anterior forma de energia predominante, apesar da sua importância diminuir inapelavelmente.

É o que irá acontecer, e nós temos que nos preparar para isso.

Felizmente, o País não é só petróleo! n

*Presidente da Direcção da ASAER - Associação Angolana de Energias Renováveis