Ao contrário de alguns órgãos de comunicação privados, como as rádios MFM e Despertar que cruzaram as informações, os órgãos de imprensa sob tutela governativa limitaram-se a dar voz e espaço à directora do hospital do Kapalanca, a médica Maria Mateus, sem que se preocupassem em apurar a veracidade da denúncia feita pelo clínico Adriano Manuel. Nem uma referência, por mínima que fosse, fizeram ao vídeo que circulou profusamente nas redes sociais.
No vídeo em causa, o médico e sindicalista Adriano Manuel aparece, à noite, frente ao hospital, quando este se encontrava mergulhado numa escuridão total, por falta de energia da rede e dos geradores que não estavam em funcionamento por alegada falta de combustível.
Adriano Manuel não se limitou a denunciar o "apagão", como também escreveu o seguinte na sua página do facebook:
" Hoje, 19 de Maio de 2025, o Hospital Municipal de Viana, conhecido por muitos como Hospital Kapalanga, mergulhou mais uma vez num apagão total. A luz da rede eléctrica foi-se - e não é de hoje. Já lá vão três semanas sem fornecimento de energia da rede pública. O mais chocante? O gerador da unidade continua sem funcionar."
Segundo o clínico, as ambulâncias chegavam com pacientes em estado crítico vindos das periferias e não havia condições mínimas para prestar cuidados urgentes. "Médicos, enfermeiros e técnicos tentavam o impossível, no escuro, com o coração nas mãos, lutando contra o tempo e o abandono".
Ele questionava-se de seguida como era possível um hospital de referência, que atende milhares de pessoas, estar há várias semanas ou horas sem energia da rede e sem um gerador em operação." Onde estão os responsáveis? Onde está o plano de contingência? Onde está o respeito pela saúde pública?"
Adriano Manuel foi mais longe, considerando que não foi apenas uma falha eléctrica, mas um "colapso gritante de um sistema que deveria proteger os mais frágeis, cujas vidas foram postas em risco".
Horas depois da denúncia feita pelo presidente do Sindicato dos Médicos, ou seja, logo às primeiras horas da manhã do dia seguinte, a energia foi reposta e a directora da referida unidade hospitalar, num estalar de dedos, convocou a imprensa e gravou um vídeo onde dizia que as informações postas a circular nas redes sociais sobre a falta de energia eléctrica não correspondiam à verdade que as mesmas não passavam de uma tentativa tendenciosa de desacreditar o trabalho feito pela tutela.
Numa reacção posterior, o médico pediatra Adriano Manuel considerou que a postura da directora do Hospital do Kapalanca era semelhante à de alguns congéneres seus que mentiam descaradamente, mesmo sabendo que as unidades de saúde, sob sua gestão, não disponham de medicamentos, reagentes e demais material gastável, dentre os quais luvas e seringas.
Segundo ele, os referidos gestores estavam mais preocupados em defender os seus "tachos" e mordomias, assim como ganhar uma percentagem de 10% nas compras em medicamentos e material gastável do que descrever o quadro real das unidades de saúde sob sua gestão.
Num pungente apelo, o médico e sindicalista advertia que "as almas das pessoas que morrem por causa dessa omissão e falta de verdade vão vos assombrar. Não se brinca com a saúde, nem com vidas humanas!".
Sabendo-se que várias unidades de saúde estão há largos meses sem receber verbas para honrar os seus compromissos financeiros com as empresas fornecedoras de medicamentos, alimentos, prestação de serviços de higiene e segurança, não seria de estranhar a falta de dinheiro para a compra de combustível e lubrificantes para o funcionamento e manutenção dos geradores lá existentes.
Rucuei no tempo, e recordei-me de um episódio ocorrido em Agosto de 2020, quando, em pleno período da COVID-19, o corpo clínico do hospital do Kapalanca queixou-se da falta de material de biossegurança para prevenir-se da pandemia, de consumíveis básicas, tais como máscaras e luvas.
Na altura, os trabalhadores denunciaram o facto à RNA, sob anonimato, por temerem represálias. Este órgão de informação confrontrou o director do hospital com a denúncia, tendo este dito que existiam meios, mas em «pequenas quantidades».
Questionei se o director do hospital estivesse exposto aos mesmos riscos como os enfermeiros, técnicos e médicos que lidavam diária e directamente com os doentes, alguns dos quais suspeitos de portadores da COVID-19, ele teria tido essa postura de aparente defesa da tutela.
Dessa postura infere-se que o responsável hospitalar estava mais inclinado a defender o seu «tacho» do que a segurança dos seus colegas.
Infelizmente, este tipo de comportamentos tem sido extensivo aos demais departamentos ministeriais em que os seus gestores, em nome da defesa do "tacho", não se coibem de mentir com quantos dentes têm na boca, em prejuízo do interesse público que um dia juraram defender.
Por estas e outras razões, as pessoas deixaram de acreditar ou passaram a depositar menos confiança nos gestores públicos e nos órgãos estatais de comunicação que foram convertidos em meras caixas de ressonância ou instrumentos de propaganda do poder político.
À falta de confiança na comunicação social estatal e nos gestores públicos, que se servem desses meios para assegurar os seus "tachos" e mordomias, fez com que as redes sociais prosperassem no espaço público, com todos os riscos que isso possa acarretar para a desinformação e o sensacionalismo.