Parece não ter surtido eleito persuasivo a aprovação pela Assembleia Nacional da Lei nº 5/24, de 23 de Abril, referente ao Combate ao Contrabando de Produtos Petrolíferos. Na referida Lei, é decretada a punição com a pena mínima de três anos e a máxima de 12 anos de prisão, para quem importar ou exportar ilegalmente para o território nacional produtos petrolíferos;

Historicamente, o contrabando tende a se intensificar nos períodos de conflito armado ou de crise económica e uma das suas motivações é de cariz económico. Isso surge em razão da diferença da força das moedas e dos preços do mesmo produto em diferentes países. Quando um produto é exponencialmente mais barato num determinado país, devido a injecção de subsídios estatais ou a adopção de políticas fiscais brandas, os contrabandistas veem nisso uma soberana oportunidade para obterem lucro fácil e rápido.

Essa aparenta ser a motivação dos contrabandistas angolanos que operam nas regiões fronteiriças do Norte e Leste do território. Teoricamente, eles conseguem obter um lucro de até meio dólar americano (50 Cts) em cada litro de combustível contrabandeado. Postos em Angola, os dólares entram para os câmbios do mercado-negro, onde são trocados por Kwanzas a um valor superior às taxas praticadas nos circuitos bancários oficiais. Os Kwanzas são novamente aplicados na aquisição de combustível subsidiado pelo Estado. É este o ciclo vicioso do contrabando do combustível em Angola.

O que antes era um negócio individual de subsistência para alguns membros das comunidades locais está agora a florescer vertiginosamente e envolve nas suas teias de corrupção inúmeros agentes públicos de elevado escalão, que permitem que o negócio ilegal opere sem grandes riscos. O gravíssimo no fenómeno é que muitos agentes públicos, incluindo governantes e oficiais das forças de defesa e segurança, se tornaram eles próprios os "barões" do tráfico de combustível no Zaire e no Moxico. Segundo informações, chegam a usar recursos do Estado destinados ao desenvolvimento e bem-estar das populações, em benefício do crime organizado.

Qualquer contrabando fronteiriço não consegue subsistir ou expandir-se sem envolver a corrupção activa, ou passiva de agentes da administração pública. Existe sempre uma conexão entre o contrabando e a corrupção institucional. O ciclo inicia com o suborno de funcionários públicos de médio e baixo escalão, sejam os agentes da lei ou funcionários recrutados para a criação de documentos falsos, ou simplesmente na compra da sua conivência para a inobservância da lei, durante a actividade de fiscalização.

Na denúncia do general Furtado, conclui-se que se está perante uma situação altamente perigosa. Quando as instituições são percebidas como corruptas, a confiança da população nelas diminui drasticamente. O tráfico pode gerar riqueza suja para uns tantos, mas tende a perpetuar a desigualdade social, logo é um indesejável factor de instabilidade e de conflito.

A adopção de simples medidas administrativas ou a reabilitação do terminal marítimo do Soyo não resolverá certamente o problema. É necessário entender que as raízes do contrabando se entrelacem em complexas questões económicas, sociais e até políticas. Em qualquer lado do mundo, onde existir uma fronteira, um porto ou um aeroporto, haverá sempre um contrabandista a querer contornar o sistema.

O contrabando não vê as fronteiras físicas e as imposições fiscais e aduaneiras de cada governo como barreiras intransponíveis aos seus desígnios. Os postos fronteiriços, os portos e aeroportos representam amplas oportunidades de acção, ou seja, espaços férteis para a sua actividade perniciosa.

Na fronteira de Angola com a República do Congo, o contrabando de combustível se tornou uma prática comum. Ela reflete não apenas a fragilidade das economias locais, mas também as complexas dinâmicas que permeiam essa região e podem tornar-se num grave problema de segurança nacional para Angola, com a entrada de "barões" do tráfico que operam em larga escala.

Tradicionalmente, com os preços do combustível mais baixos em Angola, milhares de angolanos e congoleses cruzam diariamente as linhas invisíveis que delimitam os dois países, em busca de proventos de uma "commodity" essencial para suas vidas. Esse fenómeno teve a sua origem como um meio de sobrevivência económica para as comunidades locais, tendo transformado a paisagem fronteiriça num palco onde se desenvolve um verdadeiro jogo de "gato e rato" entre contrabandistas e autoridades. Agora tudo fluiu quase a céu descoberto.

A situação na província do Zaire é agravada pela ausência de uma fiscalização efectiva e pela corrupção endémica que se instalou nas instituições locais e não só. Os próprios agentes da lei são subornados para fechar os olhos ao fluxo constante de veículos carregados com combustíveis, que eles sabem pertencer a altos funcionários do Estado. Eles nada podem fazer para não sofrerem represálias e serem alvo de transferências compulsivas para áreas remotas e inóspitas, ou mesmo a sua injusta demissão da instituição.

Trata-se de uma realidade que não apenas alimenta um ciclo vicioso de ilegalidade, mas também afecta negativamente o desenvolvimento local, com o surgimento de tensões entre as comunidades que dependem do comércio formal e aquelas cujos membros são forçados a recorrer ao contrabando, como alternativa para a sua subsistência. Num contexto mais amplo, espelha a flagrante desigualdade económica, a falta de oportunidades e a luta pela aquisição de recursos de sobrevivência, num contexto marcado pela pobreza e pela incerteza.

A amplitude que o fenómeno do contrabando de combustível atingiu no Zaire representa um risco para segurança nacional, como disse o general Furtado. O financiamento de actividades ilícitas muitas vezes está ligada a essa prática, que pode exacerbar conflitos e dificultar os esforços de manutenção da paz e da estabilidade na região fronteiriça.n

*Advogado e jornalista