Entretanto, para que a produção, a distribuição e o consumo de bens e serviços aconteça, é importante que a economia esteja em equilíbrio, ou seja, como já sugeri neste espaço, é preciso que a engrenagem seja funcional. Este é o problema da economia angolana, não se consegue levar a equilíbrio, de modo que a produção de bens aconteça, a distribuição desses bens e serviços seja efectuada sem sobressaltos em todo território nacional. Foram encetados vários programas correctivos à procura do equilíbrio macro-económico, que vem desde o Programa de Saneamento Económico e Financeiro (SEF) publicado em Agosto de 1987 e iniciado em 1988, ao Programa de Estabilização Macro-económico (PEM), lançado em 2017. Mas os desequilíbrios, tendem a aprofundar-se ano após ano, sem uma aparente solução a vista, a que se deve?

Há alguns anos, numa conversa com um outro economista, mestrando em gestão de empresas, comentava o colega que, se um dia tivesse a oportunidade de decidir sobre política económica em Angola, direccionaria os seus esforços no sentido da dinamização das empresas, ou seja, o seu foco, seria a micro-economia, para impulsionar a criação da riqueza. Discordei, retorquindo que não teria grandes resultados, pois os desequilíbrios nos principais indicadores macro-económicos, inibem o crescimento económico, afogam as empresas. As unidades individuais, ou seja, as empresas, lhes têm de ser proporcionada um ambiente conducente a dinamização das suas actividades. Como dinamizar o sector agro-pecuário, sem mercado para os produtos agrícolas, ou sem infra-estruturas? Como expandir a produção, sem investimentos que promovam a expansão da capacidade de produzir, pois as taxas de juros estão em níveis proibitivos ou com os consumidores sem poder de compra? Pretendo aventurar-me neste texto, apontar os percalços estruturantes, que impedem o sucesso das reformas da economia angolana, visando a sua estabilização, consequentemente, a criação de condições para o crescimento económico.

Vale antes dizer que perseguindo a estabilização da economia, Angola requereu ao apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) duas vezes num intervalo de menos de dez anos (2009 e 2018): primeiro através do Stand-by Agreement (SBA) assinado em 2009, e depois veio o programa de financiamento ampliado (EFF) em 2018. Como se sabe, o FMI apoia os programas de estabilização económica, ajudando os países a debelar os desequilíbrios nas contas nacionais e nas contas externas (balança de pagamentos), que conduziram aos desequilíbrios, enquanto a sua irmã gémea, o Banco Mundial (BM), ocupa-se do ajustamento estrutural, evitando que os desequilíbrios sejam recorrentes. A estabilização tem de ter um período curto, pois, geralmente, estes programas impõem restrições que impõem a tomada de medidas duras, induzindo, em regra, sacrifícios às populações, particularmente, as de parcos recursos, os mais vulneráveis. O primeiro, embora não tivesse proporcionado elevados níveis de crescimento económico, permitiu a redução significativa da inflação, que chegou em 2014 a um dígito (7,45%), consequentemente, as taxas de juros directoras rondaram aos níveis mais ou menos comportáveis de 9,00%. Já o programa iniciado em 2018, não me parece ter dado algum desafogo à economia, que, infelizmente, coincidiu com a pandemia do COVID-19, que pode ter contribuído para diminuir o impacto das medidas tomadas. Mas, há aspectos objectivos, que, a meu ver, fazem com que volta e meia, mínimo abanão, o País está em volta de uma instabilidade económica. Pode-se mesmo dizer que a instabilidade económica em Angola é a regra, já a estabilidade macro-económica é uma excepção de curta duração. Então o que leva a esta recorrência de instabilidade económica, que se pode considerar de endémica?

Apesar de a economia ser uma ciência que não é exacta, existem postulados que indicam o que pode acontecer quando violados. Por exemplo, sabemos que quando se viola o equilíbrio monetário, injectando na economia um volume maior de dinheiro e um volume reduzido da mercadoria, que este dinheiro vai comprar, surge uma espiral inflacionária na economia. Também é, sobejamente, sabido que quando se recorre ao endividamento, e este não é aplicado na reprodução da economia, conduz ao engasgamento da economia no momento de reembolso do empréstimo, pois este não foi usado na melhoria das condições de produção. Creio que são essencialmente quatro os problemas que nos conduzem aos recorrentes desequilíbrios macro-económico:
1. A opção política inicial (Marxismo-Leninismo), desraizou a cultura de desenvolvimento, a cultura de trabalho, o respeito a propriedade e ao que é do outro, o laxismo no cumprimento do contrato, o desrespeito a meritocracia, premiando a lealdade política e a indiferença perante o cumprimento de horários, fazendo com que se fale em economia de mercado de boca para fora, mas o pensamento e as acções são de uma economia socialista.
2. A centralização das decisões e as interferências de ordem política, de tal sorte que, não existe a verdadeira separação de poderes dos órgãos de soberania, que, no fundo, dimana da primeira, a qual são os vícios das sociedades de inspiração marxista-leninista, em que impera o planeamento centralizado, fazendo com que tudo seja transfigurado em política.
3. O Orçamento Geral do Estado (OGE) é uma farsa, não é, verdadeiramente, o plano financeiro do Governo em funções, os créditos aprovados são alterados sem a intervenção da Assembleia Nacional (AN).

O OGE, após aprovado na AN e promulgado pelo Presidente da República (PR), torna-se lei, não pode ser alterado sem o consentimento dos representantes do povo. Na realidade angolana, há até o uso de dinheiros públicos não inscritos no OGE e não há consequências políticas.
4. A existência de uma economia de enclave com a emergência do ciclo de petróleo, que é, bem dizer, o único produto de exportação de Angola, mas é vendida em uma unidade monetária diferente da moeda nacional. Explico-me melhor, a venda do petróleo angolano em dólares americanos, em vez de Kwanza, faz com que contribua para o desequilíbrio da equação monetária fundamental, sendo, por conseguinte, o factor impulsionador da instabilidade, contribuindo para as constantes pressões inflacionárias na economia. A famosa esterilização ex-ante dos petrodólares, não tem tido os efeitos desejados.

Os quatro elementos acima apontados, são estruturantes, sem a sua profunda alteração, não vejo como as iniciativas reformadoras da economia revertam as deformações macro-económicas de forma sustentável. A diversificação da economia de que muito se propala que será factor decisivo para o relançamento da economia nacional, ou o investimento directo estrangeiro, não poderá acontecer sem que se altere totalmente a forma como se pensa a economia angolana. Embora a economia capitalista se desenvolva em ciclos, o mesmo é dizer, que os períodos expansionistas são sempre precedidos de declínios, sendo, por conseguinte, as crises um fenómeno esperado da economia capitalista, a correcção das deformações que proporcionem o crescimento económico deve ser a preocupação de quem tem a responsabilidade de conduzir a política macro-económica, a fim de reverter o actual quadro de degradação dos principais indicadores macro-económicos, que reduzam os níveis de empobrecimento prevalente na economia. A economia é uma ciência não exacta, mas não mente, os seus postulados falam por si, não é só porque sou treinador de bancada, é porque os factos falam por si!

*Economista