Nos últimos quatro anos, houve dois golpes de Estado no Sudão, a que se seguiram no Mali, Chade, Burkina Faso, Guiné-Conacri, Níger e Gabão.

Os golpistas, ligados a sectores das Forças Armadas, invocam avanços do movimento jihadista, a que alegam querer por termo e ainda, em muitos casos, a oposição a regimes que se eternizam em sucessões dinásticas ou por mero desejo de poder.

A responsabilidade é sempre atribuída a terceiros, quando não mesmo a factos históricos de que o país foi vítima, mas é raro serem consideradas debilidades próprias.

As declarações imediatas dos respectivos porta-vozes manifestam quase sempre a garantia que serão feitas eleições livres depois de uma fase transitória.

Foi assim no Sudão ou no Chade, mas o facto é que as promessas não se cumpriram.

Quaisquer que sejam as razões invocadas para os golpes, as causas são, na verdade, políticas porque a economia é consequência da política e só com a compreensão do que esta em causa será possível minorar o risco de outras iniciativas golpistas em África.

Os Estados africanos, por terem fronteiras artificiais, são Estados à procura de serem nações, com realidades multiculturais e multiétnicas, senão mesmo tensões religiosas.

A tudo isto, acresce um aumento demográfico exponencial, gerando uma média etária muito baixa, sendo que o crescimento económico é inferior ao demográfico, havendo, por isso, em regra, menos a distribuir por mais.

O volume do investimento e o seu destino não têm possibilitado as respostas adequadas à criação de emprego, em função do que precede afectando a esperança no futuro dos mais jovens.

Esta situação gera desânimo, criando, aqui e além, condições propícias à adesão ao radicalismo islâmico, e noutros casos aos próprios regimes existentes por não-aceitação de situações anormalmente prolongadas de poder, senão mesmo dinásticas.

A transição do colonialismo para a independência ocorreu num mundo bipolar, com dirigentes que, em muitos casos, se deixaram aprisionar por dependência por uma ou outra das superpotências, sem atenderem a uma verdadeira autonomia de resposta aos problemas existentes.

Muito dependentes economicamente do exterior, tornam-se presas fáceis de interesses pouco legítimos que ultrapassaram a legalidade, gerando mecanismos de corrupção.

Longe vão os tempos da generosidade e dos exemplos da prossecução de objectivos nobres pelas causas das independências.

Não sendo as ditaduras solução, há que perceber que as democracias não se limitam ao princípio de que a cada cidadão corresponde um voto.

Sendo este um princípio correcto, no caso de África, as respostas têm de atender, por isso, à realidade de cada país e à construção de mecanismos de integração étnico-culturais existentes em Estados que procuram ser nações.

Exigindo os regimes a legitimidade do voto, o poder não pode mesmo deixar de ser inclusivo, resultando a autoridade do poder da consciência pelos cidadãos de que este é utilizado com transparência para o bem comum e não para satisfação de clientelas, sejam elas de que naturezas forem.

Os países africanos e os seus dirigentes têm de saber contar com as próprias forças, numa lógica que atenta à auto-sustentabilidade, à especificidade histórica que conduziu à independência, à crescente afirmação da procura de identidade, minorando, no limite, dependências externas politicamente inaceitáveis de mercenários, sejam eles de que origens forem.

Porque acredito muito em África e no seu futuro, a recriação da esperança tem por base a análise da realidade, sem subjugações subservientes, quaisquer que sejam as roupagens com que se vistam.

(Secretário-geral da UCCLA)*